UM APANHADO DE ALGUMAS LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Escrever essas lembranças tem me dado uma enorme alegria. Fazendo isso, relembro dos áureos tempos de criança, quando a maior preocupação era de que modo e com qual brincadeira gastaria me...
Nunca fui desses caras que cismam de trocar de carro todo ano. Pra mim, o carro andando, está bom. Compro um carro e praticamente caso com ele. Fica comigo por oito, dez anos, até aparecer uma oferta realmente imperdível. Caso contrário, pra mim, carro novo é status do qual eu não preciso, por isso não me incomodo de ter um carro de dez ou quinze anos. Acho até mais vantajoso, pois o seguro e o IPVA são menores. Além disso, carro velho a gente conhece todos os defeitos e todas as manias. Desde que a gente faça a manutenção certinha, realmente não vejo problema, não me incomodo. Houve até uma ocasião em que uma vizinha da gente nos disse que "nosso carro era o mais velho na garagem do prédio, era preciso trocar", se referindo à brasília vermelha. Ao que eu respondi: "Onde você vai com o seu, eu vou com o meu. Posso demorar um pouco mais pra chegar, mas chego". E carrego essa filosofia até hoje. Com a brasília vermelha foi assim. Um "casamento" que durou perto de sete anos. Como comentei no capítulo anterior, compramo-la na época em que eu estava em transição entre empregos e trabalhando com free lancers. A gente havia se mudado para o Jardim Brasil, num quarto e cozinha nos fundos da casa da sogra, que morava na frente. E a bichinha dava conta do recado. Basicamente, levar a Daniela pra escola, fazer comprinhas no supermercado e feira no domingo, passeios pelo bairro, visitas aos amigos e parentes, essas coisas para as quais os carros foram feitos. Nessa época então saí da Souza Rocha e comecei a trabalhar na JGA. Era, como disse, uma agência que trabalhava com a Sadia, e ficava numa casa enorme na Chácara Inglesa, numa rua paralela à Luiz Góes e a três quadras da Domingos de Moraes. Uma mão na roda para mim, que usava então o metrô para ir trabalhar, e deixava o carro em casa. Foi assim por alguns meses, talvez perto de um ano, mas quis o destino que, depois desse tempo meus sogros resolvem se mudar de mala e cuia para o interior, terra natal deles, e colocaram então a casa à venda. Hora de mudar de novo. O raciocínio lógico me dizia que, se eu tivesse que pagar aluguel naquele bairro e continuar pegando duas ou três conduções para ir trabalhar, seria melhor arrumar uma casa mais perto do trabalho, e assim não teria que pegar condução. Se vamos pagar aluguel, que diferença faz o lugar? Que seja mais perto do trabalho, então. E assim fizemos. Mudamo-nos para um apartamento na Rua Jaci, a duas quadras do trabalho e quase no meio da muvuca da Vila Mariana, que passamos a adorar. Tinha tudo perto: mercado, sacolão, padaria, shopping e até o metrô que eu não usava, pois como disse, ficava à duas quadras do trabalho. Nessa época, comprei uma bicicleta, e eventualmente a usava para ir trabalhar. Minha sala na empresa ficava nos fundos da casa, com uma entrada separada. Ideal pra entrar com a bike e deixa-la guardadinha até a hora de ir embora. Mas na maioria das vezes, como era bem perto, eu ia mesmo à pé. Com o tempo, acabei fazendo amizade com os jovens do prédio, com quem eu jogava basquete e começamos então a sair de bicicleta nos finais de semana com destino ao Ibirapuera. Passou a ser rotina: todo sábado de manhã, pegava a bike e mais um tanto de moleques e íamos de bicicleta de casa até o Ibirapuera, onde ficávamos até a hora do almoço, quando então voltávamos pra casa. Com a mudança dos sogros para o interior, as visitas a eles passaram a ser constantes. Eu tinha dois períodos de férias na empresa, de 15 dias cada, um no meio e outro no final do ano. Não tínhamos nenhum animal de estimação, então a gente ia pelo menos duas vezes por ano pra casa deles, onde passávamos as "férias". E íamos com a Brasília, que nunca nos deixou na mão. É fato que a viagem demorava, a ximbica não andava rápido e o barulho do motor era quase insuportável, problema que eu consegui amenizar colocando algumas folhas de papelão intercaladas com isopor sobre a tampa traseira do motor, o que reduziu em muito o barulho. Quanto a demora, quem se importava? A gente queria mesmo era passear... Tinha um rack traseiro onde colocava a minha bicicleta e a da Daniela, enchia a ximbica de malas e a gente ia feliz...
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Na JGA, trabalhando com a Sadia, tive a oportunidade de realmente entrar no mercado de marketing, do qual sempre gostei. Recém chegado na nova agência, eles ainda estavam na idade da pedra, ou seja, do paste-up. Para montagem das artes das embalagens, a gente recorria à Takano, uma empresa de editoração eletrônica que mandava o texto impresso com as fontes e no formato solicitado. Ainda tínhamos que recortar as laudas e montar as embalagens em pranchas, com overlays com marcação de cor, essas coisas que hoje em dia já desapareceram há tempos. Eu estava mal acostumado com o computador da Souza Rocha, e fiz uma proposta aos donos da JGA de informatizar o departamento de arte e criação com computadores munidos com softwares gráficos para agilizar os trabalhos. Eles compraram a ideia e me incumbiram de executar. Fui então atrás disso e compramos dois computadores PC com o – na época "poderoso" - Corel Draw 3 instalado e uma impressora laser, tudo conectado em uma rede interna. O trabalho ficou realmente mais dinâmico: o que antes tinha que ser medido, diagramado, layoutado e mandado para a Takano, agora era feito internamente, num processo muito mais rápido e barato. A gente começou a fazer coisas mais elaboradas e criativas. Ponto pra mim e pra agência, que ganhou ainda mais credibilidade junto aos clientes. Com o tempo, outros departamentos acabaram também sendo informatizados, e a agência entrou na era digital.
Um dos projetos que marcaram minha passagem foi a criação da bandeja de frango congelado, aquela bandejinha amarela de isopor que tem uma "janela" de plástico transparente, pela qual se vê o produto, ainda hoje comum nos supermercados e que foi logo depois copiada por toda a concorrência. Saibam que aquilo é criação minha. O legal de criar as coisas para a Sadia era que os diretores faziam questão que a gente conhecesse todo o processo produtivo, antes de embarcar na criação. Assim, minha primeira viagem de avião foi por causa de um desses projetos, quando fui para Concórdia, em Santa Catarina, numa unidade da Sadia conhecer a linha de produção do produto. Depois, rodei todo o Sul do país, nas cidades onde haviam fábricas da Sadia para idealizar a linha de embalagens de derivados suínos "defumados". Extremamente gratificante ver esses produtos, tempos depois, nas prateleiras dos supermercados e saber que foi você quem os criou. Foi assim também com o Peru Sadia, o famoso "lequetreque". Apesar desse personagem não ter sido criação minha, fiquei craque, naquele época, em desenha-lo para usar em cartazes de pontos de vendas e ações publicitárias. Época de final de ano significava principalmente Peru, que a gente ganhava do cliente. Eventualmente esse e outros produtos eram enviados pra gente para produção fotográfica e não podiam ser devolvidos, por uma norma da própria empresa. Eram, então, distribuídos entre os funcionários, e todo mundo ficava feliz. Com relação às viagens, houve uma que me marcou pelo inusitado. Por exigência de um dos diretores de produto da Sadia, fui enviado à Bahia para acompanhar, numa gráfica da cidade de Salvador, a produção de uma embalagem de um produto. Não sei por que o trabalho foi mandado para uma gráfica tão longe, mas enfim... era coisa de bate-e-volta, chegar lá, conferir, aprovar o trabalho e voltar. Dois dias no máximo. A agência de viagens me colocou num hotel espetacular, quatro estrelas na beira da praia de Ondina e eu, desacostumado com essas mordomias e imaginando que uma oportunidade de viagem dessas demoraria pra se repetir, dei um jeito de prolongar minha estada por mais alguns dias por ali, quando então tive a oportunidade de conhecer a cidade de Salvador, suas praias, o Pelourinho, Elevador Lacerda, mercado modelo e principalmente comer um verdadeiro acarajé baiano na famosa barraca da Dinha, distante uns cinco quilômetros do hotel, e para onde fui numa noite à pé, pela orla da praia.
Haviam, claro, outros clientes na agência. Entre eles, um que me remete a mais um "causo". Estava trabalhando numa embalagem para o palmito Gini, na época um produto gourmet exclusivo, destinado ao público AA. Numa ocasião, o dono da empresa, após uma reunião na agência, resolveu que deveríamos todos ir almoçar juntos. E fomos. Eu achava que a gente iria acabar indo numa das várias churrascarias que haviam ali na Ricardo Jafet, ou, na pior das hipóteses, no McDonald's. Mas o danado do cliente acabou levando a gente num restaurante japonês, do qual ele era fã. Já que até então nunca tivera interesse em conhecer a culinária japonesa, achei interessante e resolvi encarar. Sentamo-nos à mesa, pediram os pratos e começamos a comer. Eu juro que tentei comer um sushi, mas o negócio não descia. Ficou entalado na garganta, tentava engolir e o bicho não descia, e tive que pedir licença pra sair da mesa e jogar o troço fora. Nesse dia, meu almoço ficou só na saladinha de pepino doce servida como acompanhamento. Ainda hoje não vejo graça nesse tipo de comida, apesar de anos mais tarde, ter sido frequentemente levado a um restaurante japonês nas imediações do CEASA por outro chefe que àquela época tentava fazer uma previsão e cravava que em, no máximo, um ano, eu estaria comendo sushi. Errou redondamente.