Quase todo ano, nas férias de dezembro, a gente ia para Brotas, onde um tio, irmão da minha mãe, tinha uma fazenda. Íamos os pequenos, eu e o Rafa, junto com a mãe. Algumas vezes, o Beto e o Ciso iam também. O pai, como trabalhava, deixava pra ir mais próximo das festas natalinas. Lembro, inclusive, que uma vez o Kazuo, que era nosso vizinho e primeiro amigo de infância, foi com a gente pra passar as férias lá. Como meu pai não dirigia, e normalmente estava trabalhando no final de ano, a gente ia de trem: Pegava o trem para Panorama, na Estação da Luz, e a viagem demorava talvez quatro horas ou mais, se bem me lembro. Do trem, as lembranças são do cara que passava "picando" os bilhetes, e depois, gritando o nome das próximas estações; do lanche de presunto e queijo que a mãe comprava pra gente comer, junto com uma garrafinha de Guaraná Antártica, que a gente chamava de "caçulinha" e que eu nem sei se ainda existe: uma garrafinha pequena, talvez com 200 ml, que fazia a alegria da molecada que não estava acostumada com esses "privilégios", pois em casa, refrigerante era raro. Meu pai, como todo bom português, gostava de vinho. Acho que herdei esse gosto dele. Sempre tínhamos vinho em casa e meu pai tomava seu vinhozinho todo dia. Não que ele tomasse tanto vinho assim, mas o ponto positivo nessa história é que, apesar dele gostar de vinho, era muito comedido e nunca bebeu tanto a ponto de ficar embriagado. Lembro que a gente ia buscar vinho em São Roque, com um amigo dele que consertava os eletrodomésticos das casas, especialmente televisões, que na época eram valvuladas. Esse amigo era um dos poucos na época que tinha carro e além disso também apreciava um bom vinho. E com o vinho que eles traziam, a mãe fazia suco pra gente: um pouco de vinho, no qual ela adicionava açúcar e muita água, e virava um Ki-suco sabor uva. Portanto, refrigerante era raro. Hoje em dia, toda vez que tomo guaraná essas recordações do trem me vêem à lembrança.
Quando a gente chegava em Brotas, tinha que pegar um taxi até o sítio, que era relativamente perto da cidade. E os taxis daquela época, em Brotas, ou eram charretes ou Ford Bigodes, modelo T, que além de taxis acho que eram também uma atração turística. A gente mal chegava no sítio e já corria pro pasto, ver as vacas, não sem antes ser avisado pelo tio sobre qual boi era o mais bravo, pra gente tomar cuidado. Atravessando o curral, pulando a cerca, a gente ganhava o pasto, que era um declive. E lá embaixo, no fim do pasto, entre as árvores que o margeavam, o Rio Jacaré que – acho – era a divisa da fazenda. E a gente ficava na beira do rio a tarde inteira. Não dava pra entrar nesse pedaço, pois a correnteza era forte e o rio era cheio de pedras. Hoje em dia, a galera de São Paulo vai lá pra fazer "rafting". Quando a gente voltava pra casa, geralmente estava cheio de carrapatos. Tinha que fazer uma catança na hora do banho, antes de dormir...
Outras vezes, no final de ano, a gente variava e ia para Americana, na casa de outras tias, também para passar as férias. Diferente de Brotas que era uma fazenda, a casa das tias ficava na cidade. Lembro que ao lado da casa delas, havia um grande galpão, onde funcionava uma tecelagem. E na divisa do terreno, bem ao lado da parede desse galpão, havia uma enorme árvore de fruta-do-conde, onde a gente subia até chegar na altura do telhado do galpão, pra pegar as frutas. Adoro, até hoje, e mais uma vez há a associação de lembranças. Havia em Americana o Luiz, primo nosso que era também o guia. Mas na cidade, não havia muita coisa pra gente fazer. O luiz tinha uma bike, mas não deixava a gente andar. No máximo, era na garupa. E na garupa, a gente ficava dando rolê no bairro. Lembro da Avenida Cilos e que, uma vez, fomos num circo, numa noite de sábado, e onde tinha um carrinho de pipoca que o pai comprava pra gente, e eu mandava molho de pimenta. Tinha também a igreja São João Bosco, onde a gente passava algum tempo fazendo alguma arte, como capturar pombos ou outra besteira qualquer. Lembro de uma vez em que a gente estava voltando da igreja – inclusive nessa ocasião o Kazuo estava com a gente – e achamos uma placa de trânsito caída na rua. Algum automóvel devia ter batido no poste, que estava quebrado. A gente tentou levantar a placa, colocando-a de pé. Soltamos e ela voltou a cair. Nesse exato momento estava passando um carro de polícia que – lógico – nos deu um "enquadro". Explicamos o que aconteceu, e acabou não rolando nada demais. Afinal, quatro moleques de oito ou dez anos não podiam representar muito perigo.
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Lembranças
No FicciónUM APANHADO DE ALGUMAS LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Escrever essas lembranças tem me dado uma enorme alegria. Fazendo isso, relembro dos áureos tempos de criança, quando a maior preocupação era de que modo e com qual brincadeira gastaria me...