Em 1979, recém saído do Senai, e já tendo sido transferido para o período noturno, no Graco, comecei a trabalhar na Copas – Companhia Paulista de Fertilizantes, como já citei num capitulo anterior. Foi realmente um grande aprendizado, tanto por aprender a andar nas ruas, como no tratamento com pessoas. O primeiro ano foi, eu diria, chato. Trabalhar de office boy, carregando malote pela cidade não é o que se pode dizer que seja o trabalho ideal. Mas eu gostava, pois não ficava preso no escritório e nem à rotina maçante. Eu saía, andava pela cidade, respirava, via gente e tinha contato com pessoas das mais variadas classes sociais, desde o presidente da empresa até o segurança do nosso andar, Sr. Marcelino, um baiano tamanho gigante que ainda lembro, meia hora antes do almoço passava recolhendo as marmitas, que ele chamava de "bandejitas", e as levava ao refeitório para serem aquecidas. Fiquei como office boy por um ano, mais ou menos, e depois fui promovido para o departamento de cobrança, onde o chefe dizia ser o reformatório da Copas – iam para lá todos aqueles que não tinham mais jeito. Havia no departamento de cobrança duas "sessões": de um lado ficavam as meninas, que passavam o dia preenchendo duplicatas e outros documentos; do outro, os meninos, que como eu, somavam, arquivavam, franqueavam e despachavam as duplicatas. Trabalho chato e monótono. Mas com o tempo, acabamos formando um grupo bem unido, e acabei ficando muito amigo do Marino, que trabalhava comigo na mesma sessão. Era coisa de amizade mesmo, tipo de frequentar a casa um do outro. Ele morava na Pompéia, e eu achava legal ir na casa dele, pois o pai dele, italiano, sempre tinha algumas histórias da guerra para contar. Havia sido combatente na Itália, e suas histórias me encantavam.
Um belo dia, o Ciso apareceu em casa com um fusca branco, motor 1.300, e deu a chave na minha mão. Eu já havia tirado a carta de motorista, e ele quis ir dar uma volta comigo para ver como eu estava de volante. Demos uma volta pelo bairro, e acho que fui aprovado pelo examinador. Ele então me deu a chave do carro. Como eu disse anteriormente, nessa época meu salário ia integralmente para as mãos do meu pai. Então, passei a considerar isso como um pagamento, e me apropriei do fusca. É claro que era da família, mas quem usava, lavava, encerava, abastecia, era eu. Com o fusca, então, criei asas: Dava altos rolês e andava pela cidade toda, pois os amigos moravam um em cada bairro da cidade: o Marino morava na Pompéia, o Bira e o Verei moravam na Zona Leste e o Mauro e o Mitchum - apelido do Remigio - no Belém. Assim, sábado à noite, após passar a tarde dando um trato no fusca, o agito era na Toco, uma danceteria na Zona Leste, próxima à casa do Bira. Eu não gostava de danceteria: meu negócio era mais pra linha do rock, e amava Beatles. A gente ficava só ali nas proximidades, aproveitando e contemplando o movimento. Poucas vezes cheguei a entrar na danceteria. Quando saia da Toco, ou ia pra casa do Bira ou ia para a casa do Marino, na Pompéia. Naquela época, a marginal Tiete não tinha radares. Então, quando a gente voltava pra casa do Marino, íamos tirando racha de madrugada de fusca na marginal. Passava o domingo na casa dele, ouvindo Alan Parsons Project, e a música "Time" dessa banda marcou essa fase. Acho que era tema de alguma novela da época, mas não tenho certeza.
Foi com essa turma que tive a primeira e única experiência de ficar realmente embriagado. Os pais do Marino tinham uma chácara em Bragança Paulista, numa época em que os tempos eram outros. Lembro que eu havia acabado de pegar um outro fusca, agora um com motor 1.500, um pouquinho mais forte, que havia sido do Beto, e acabou passando para mim. O outro fusca foi vendido, para mais uma vez, nova reforma na casa. Esse novo fusca não tinha som, e eu, viciado em música, tinha que dar um jeito de botar um som no bichinho. Aproximava-se um feriado prolongado, quando a gente combinou de ir, a turma toda do departamento de cobrança, prá chácara do Marino, em Bragança. Mas meu carro estava sem som. O Bira também iria pegar um carro, e já tinha até comprado o toca fitas, que estava só esperando pegar o carro para instalar. Então resolvemos que ele me "daria" aquele toca fitas para eu colocar no meu carro pra gente ir viajar, e depois quando ele pegasse o carro, eu compraria um novo para ele. E assim fizemos. Levei o carro num cara na avenida Julio Buono, para instalar o toca fitas – um TKR famoso "cara preta", objeto de desejo de 10 entre 10 jovens da época além de um jogo de alto-falantes. Meu carro passava a noite na rua, não havia espaço na garagem para dois carros. Na verdade, havia. Mas dava muito trabalho, a garagem era apertada e tinha que fazer muita manobra pra entrar e sair. Um carro só era de boa. Mas dois eram complicados. Como a gente ia sair de manhã logo cedo, resolvi deixar o carro na rua, em frente de casa. Como antes de ir para casa eu passei pela rua com o som ligado, a galera ficou toda antenada, sabendo que eu estava com som no carro. Fui então pra casa dormir. E durante essa noite, um dos que me viram passar com o toca-fitas no carro resolveu tomar posse do objeto. Arrombou o carro, não sem antes desligar a buzina do fusca, pois eu havia espalhado que tinha colocado alarme, e levou o toca-fitas que eu ainda nem havia pago. Conclusão: fomos viajar sem som, tive que comprar outro para o Bira e acabei ficando um tempão sem som, pois a grana era curta. O cara que roubou o som do meu carro nem imagina: eu nunca comentei com ninguém, mas eu sei quem ele é.
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Lembranças
Não FicçãoUM APANHADO DE ALGUMAS LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Escrever essas lembranças tem me dado uma enorme alegria. Fazendo isso, relembro dos áureos tempos de criança, quando a maior preocupação era de que modo e com qual brincadeira gastaria me...