UM APANHADO DE ALGUMAS LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
Escrever essas lembranças tem me dado uma enorme alegria. Fazendo isso, relembro dos áureos tempos de criança, quando a maior preocupação era de que modo e com qual brincadeira gastaria me...
Passado o terremoto inicial, com o fechamento da Sage e me virando sozinho com freelancers, já que meu "partner" havia seguido carreira em uma empresa privada, acabei tendo que me desdobrar. Passei a ser contato, idealizador, executor e vendedor de todo o trabalho que eu desenvolvia. Naquela época, vale ressaltar, não havia ainda o telefone celular. Telefone fixo era ainda um luxo para poucos, e eu não tinha. Havia me inscrito no "plano de expansão"da TELESP, a empresa que na época administrava a implantação de novas linhas telefônicas. Mas esse telefone nunca foi instalado. Então me vi obrigado a estabelecer uma rotina: logo de manhã, do orelhão da esquina da Maestro com a Av. Guapira, ligava para algum contato nas empresas, e perguntava se precisavam de algo. Quando a afirmativa era positiva, saía de casa, ia até a agência, pegava o briefing, voltava para meu estúdio em casa, montava as artes – e muitas vezes a Rô me ajudava – e levava de volta, no final da tarde, para aprovação do cliente. Isso me tomava o dia todo, e eu passava mais tempo em trânsito do que trabalhando. Mas teve o lado bom. Eu, que nunca me achara vendedor, descobri que era muito bom nisso. Tive que aprender na marra a faze-lo quando o assunto era trabalhar por conta própria. Quando casamos, aquele fusca branco que era da família mas eu considerava como meu – dadas as circunstâncias citadas em capítulos anteriores - ficou com o Rafa, que havia deixado o seminário e voltara a morar com meus pais. Eu acabei comprando uma Brasília azul, cheia de ferrugem que eu acabei eu mesmo reformando com massa plástica. Mas por questão de economia, nesse período de idas constantes às agências em busca de trabalho, eu ia mais de ônibus que de carro. Lembro de uma agência cujo dono, Carlos, me deu uma grande força na época. Por causa do Plano Collor ele, agora dono, na época teve que se virar: a empresa onde trabalhava acabou fechando, e montou então essa agência, que trabalhava com classificados. Esse cara em particular sempre me requisitava para layoutar os anúncios, que eram depois produzidos internamente, usando meu layout como base. Foi um dos primeiros clientes a me tratar como gente. Chamava-me e apresentava-me aos seus clientes sempre como "nosso diretor de arte". Procurei-os nesses novos tempos de redes sociais, mas não o achei mais. Essa coisa de classificados para jornais durou um certo tempo, e acho que o progresso e a tecnologia acabaram matando meu ganha pão. Mais uma vez, tive que me reposicionar no mercado de trabalho. Mas não estava fácil. Enviar currículos se tornou hábito constante; mas já naquela época – acho – o mercado de trabalho estava voltado para a galera mais jovem, com salário mais baixo. A coisa foi apertando, e tendo que pagar aluguel, acabei vendendo o carro para ajudar no pagamento das contas e comida. Ainda assim não teve jeito: novamente ficou tão difícil que a gente teve que se mudar, mais uma vez. Naquela época, a casa dos pais da Rô, no Jardim Brasil, também tinha um cômodo nos fundos, separado da casa: um quarto na parte de cima e a cozinha e banheiro embaixo. Acabamos nos mudando para lá, devido às dificuldades. Minha prancheta - estação de trabalho - voltou para a casa dos meus pais, no quartinho onde havíamos morado que estava vazio desde a nossa saída, e acabei fazendo lá meu escritório. Ponto positivo é que lá tinha telefone fixo, e eu podia fazer os contatos mais frequentes. Assim, morando agora no Jardim Brasil, ia à pé até o escritório praticamente todo dia.
Eis que numa ocasião, lembrei-me dos dois irmãos que montavam os Stands que a gente criava na Sage – Valdir e Wilson – e acabei entrando em contato com eles. Passaram então a me enviar os projetos de criação dos Stands que eles montavam para feiras e eventos. Dessa época, um projeto que ficou marcado foi um stand para a Biolab, que eu criei - acho que em parceria com o Osmar, outro que fazia seus freelancers - em forma de castelo, e que demandou muita mão de obra, pois as pedras que formariam as muralhas foram pintadas uma a uma, à mão. Passei um bom tempo com eles, na oficina, trabalhando nesse projeto. Lembro que o tema era Hallowen, e lembro também de ter ido ao CEASA para comprar duas abóboras – tinham que ser perfeitas - para colocar na entrada do "castelo", com lâmpada dentro. Como se fora ontem, lembro do pai deles tirando o miolo das abóboras, e lembro que depois fez, com esse recheio, uma panelada de doce de abóbora. Passei então a trabalhar mais frequentemente com os irmãos da marcenaria, ao ponto do Wilson me propor uma grana adiantada para eu comprar um carro. Pagar-lhe-ia com trabalho. E assim fizemos. Não lembro do montante, mas sei que, com o dinheiro, comprei uma Brasília Vermelha, ano 1977. Foi uma das pessoas que, talvez inconscientemente, mais me ajudou nesse período de dificuldade.
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Um belo dia, minha rotina de enviar currículo para todo tipo de anúncio deu resultado: fui chamado para uma entrevista na Souza Rocha, uma agência na Avenida Faria Lima, simplesmente do outro lado da cidade. Era até famosa: o dono, Arthur era bastante conhecido no meio publicitário, e eles trabalhavam também com anúncios classificados. Porém para mim, tinha agora um grande diferencial: os anúncios eram todos feitos na própria agência, que já, nessa época, tinha um computador Macintosh. Lembrando que naquela época, as importações eram proibidas. Por isso o dono estava de viagem marcada para Miami, onde buscaria mais dois, clandestinamente. Eu nunca tinha sequer visto um de perto. Fui sincero com o dono da agência, que ainda assim, acabou me contratando. Eu sentava junto com o operador, e ia falando a ele como eu queria o anúncio, o que deveria ser feito, tipo de letra, essas coisas. Mas era difícil. Tão difícil que eu decidi que iria aprender a mexer naquele troço, custasse o que custasse. E assim fiz. Durante os meses em que lá trabalhei, após o expediente, quando todos iam embora, eu ficava fuçando no computador. O Ricardo, operador, havia me alertado que eu poderia fazer o que quisesse na máquina, desde que não salvasse nada. Assim, ir embora às oito, nove da noite, atravessar a cidade pra voltar pra casa e voltar pra agência de manhazinha no dia seguinte virou rotina. Algumas vezes, absorto no aprendizado, perdia a hora e como levaria três horas pra voltar pra casa, resolvia passar a noite na agência, dormindo no sofá da recepção, o que causava espanto na faxineira que vinha abrir a agência de manhã. E eu estava tão empolgado com o computador que mesmo nos finais de semana eu ia pra agência, mexer na máquina. Acabei aprendendo sozinho a operar alguns softwares gráficos, o que foi muito útil nas etapas seguintes do campo profissional. Dessa época fica na lembrança também o Shopping Iguatemi, que a gente frequentava para almoçar de vez em quando, nas vezes em que a gente resolvia não comer o cachorro quente da esquina da agência, e onde havia também um cinema, que eu, ainda viciado pelo Martins, eventualmente frequentava.
Depois de um tempo, comecei a achar esquisita a minha presença na agência: comecei a achar que estava lá mais pra alimentar o ego do Arthur – que era vaidoso – do que efetivamente para trabalhar. Pior é que ele me pediu ainda que montasse uma equipe de trabalho, um departamento de arte, e eu chamei alguns conhecidos que também acabaram ficando à toa pela agência. É bem verdade que o salário nunca atrasou, mas a gente acabou se sentindo incomodado de ficar o dia inteiro praticamente sem fazer nada, perambulando pela agência. O que mais incomodava, na verdade, é que no final do expediente, nos dias em que eu queria ir pra casa, lembrando que eu tinha uma viagem de umas três horas pra atravessar a cidade, ele me chamava na sala dele para reuniões totalmente sem sentido. Ao invés de falar de trabalho, ele queria ficar batendo papo, jogando conversa fora. Devo ter sido um bom ouvinte, pois ele acabou gostando disso. Acho que não tinha amigos, e queria mesmo era conversar com alguém. Mas o que importava, para mim, era que eu estava desvendando os segredos daquela máquina, para mim até então, surreal. Tão surreal que, tempos depois, e já tendo saído da Souza Rocha, tive uma entrevista publicada no caderno de informática do Estadão, com o título: "Por incrível que pareça, ele não morde" e subtitulada "Decifra-me ou devoro-te", narrando meu auto-aprendizado e peripécias no campo da informática. Devo ter esse recorte de jornal guardado em alguma pasta em casa, ainda hoje... Com essa impressão de estar ali por vaidade, e incomodado em não desenvolver nada novo, continuei minha rotina de enviar currículos. Mas agora eram currículos mais bem elaborados, feitos no computador, diagramados no Corel Draw! Assim, fui chamado para conhecer a JGA, uma agência que trabalhava, entre outros clientes, com a Sadia, poderosa indústria do setor alimentício. Meus olhos brilharam diante da oportunidade de trabalhar efetivamente com marketing e, após três ou quatro meses que pareceram três anos, e contra a vontade do Artur que até me ofereceu um aumento do salário, deixei a Souza Rocha e fui para a JGA. Depois disso, nunca mais ouvi falar do famoso Artur, que nas rodas de amigos apostava com todos para ver quem tinha mais dinheiro na carteira.