Capítulo 4

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Ouço a porta da frente ser destrancadas e desperto do meu pequeno cochilo. Olho pro relógio que tem bem a minha frente na mesa de centro da sala e me dou conta que já passava das três da manhã.

A porta se fechada com delicadeza, como se não quisesse que ninguém descobrisse que alguém estava entrando em casa nesse momento. Ouço o trinco da porta ser trancado e acento a luz da sala pelo aplicativo do celular.

— Onde você estava? — Minha voz sai num tom completamente chateado. Eu juro que no fundo eu quero nem ao menos me importar, mas eu não consigo.

Ela trava exatamente onde esta, me encara por alguns segundo e mexe os lábios, mas palavra alguma sai de sua boca.

— Diz Marília, onde você estava que não te vi o dia inteiro e ainda por cima você não teve nem se quer a decência de me mandar qualquer notícia sua.

— Fui na minha mãe.

A olho e me levanto do sofá e me aproximo um pouco mais dela, ficando parada em sua frente.

— Vai me dizer que estava na sua mãe até agora? — A olho com desconfiança. — Se ficou até agora, por que não dormiu por lá?

— Eu...

— Só pode ser brincadeira. — Dou um sorriso sarcástico e volta a olhá-la. — Você acha que eu sou o que Marília? Você acha que eu nasci ontem? Que sou burra? — Me aproximo ainda mais dela pra me certificar do cheiro que estou sentindo. — Você exala cheiro de álcool. Entendo que você poderia está bebendo com a sua mãe, mas se fosse eu não tenho dúvidas que ela me mandaria uma mensagem pra saber porque também não estava lá com você. — A olho com raiva. Todos os músculos do meu corpo estão rígidos por toda a raiva que percorre por eles. — Diz logo onde você estava.

— Fui na minha mãe, isso não é mentira. Mas acabei encontrando uns amigos e resolvemos ir pra um barzinho. A intenção não era demorar, mas acabou que perdemos a hora.

— Que porra você acha que tá fazendo? Você esqueceu que vive comigo? Que ainda me deve satisfação pra que eu não passe um dia inteiro preocupada achando que poderia ter acontecido algo com você? O que você tá pensando da vida?

— Já não cheguei em casa? Não está vendo que eu estou bem? Quer mais o que? Já passou o dia, não tem mais o que eu faça pra mudar as minhas escolhas.

— Você tá de parabéns. — A olho e bato palma ironizando a minha fala. — Excelente hora pra chegar em casa.

— Mai.. se puder me deixar subir pra tomar um banho e não me encher o saco agora, eu ficarei grata.

— Fico impressionada. Você só tem ido de mal a pior nesses últimos dias Marilia, se você não aguenta mais e quer viver sua vida de solteira. Porque sinceramente, pra mim é o que você parece querer viver. Seja mulher e fale, não fica nessa de sair todas as vezes que se sente brava ou frustrada com alguma coisa e  voltar quando bem entender. Eu sou a sua mulher, você goste ou não eu ainda sou a PORRA DA SUA MULHER.

— Infelizmente.. infelizmente. - Ela sussurra mas consigo ouvir com perfeição. Eu queria simplesmente não ter entendido, mas entendi.

Sinto um nó se formar em minha garganta, meus olhos vacilam entre encara-lá e encarar qualquer lugar vazio sem importância alguma pra impedir que uma lágrima se quer escorra pelo meu rosto.

Eu sei que não estamos na nossa melhor fase, mas não cheguei no ponto de simplesmente não ligar pra nossa relação. Não é assim, nós não somos assim. Mas, parece que quanto mais o tempo passa, mais nos perdemos.

— Repete pra eu ter certeza que não ouvi errado.

— Esquece Maiara! — Ela diz subindo as escadas e eu simplesmente a acompanho.

— Não consegue dizer em voz alta? Não consegue afirmar o que sussurrou a alguns segundos atrás? Qual seu medo Marília? Não tem certeza? Por que não diz? Porque agir como  se não tivesse ninguém te esperando em casa, você já está agindo.

— Maiara, me dá um tempo. Me deixa respirar, me deixa colocar a cabeça no lugar. — Ela entra em nosso quarto e segue pro banheiro. — Você é egotista ao ponto de achar que só você tem se prejudicado em todas as coisas que estamos vivendo. Você sofre Maiara, mas eu também sofro...

— Não justifica suas ações. — Falo a interrompendo.

— Justificando ou não é o que temos. A gente não conversa, mal nos tocamos, mal passamos tempo juntas e quando isso acontece sempre algo tira a nossa paz. Se desse jeito está bom pra você, paciência. Mas pra mim tem  sido dias difíceis. — Ela se vira e me olha. — Se passo tanto tempo fora é porque quero de algum jeito esquecer toda a bagunça que tá entre nós. Eu não quero brigar mais e eu simplesmente não aguento. É muita coisa passando na minha cabeça e sei que esse não é o momento pra dizer. A última coisa que queria é está prestes a voltar a fazer os meus shows e está em pé de guerra com você. Mas, eu não tenho controle das coisas.

— Não tem controle, mas faz tudo que pode prejudicar ainda mais o que já está prejudicado. Você age como se eu não enxergasse a sua dor...

— Não parece enxergar. — Ela me interrompe.

Finaliza sua frase e entra de vez no banheiro, batendo a porta e logo ouço o barulho do chuveiro.

Assim como a água cai lá dentro e escorre pelo seu corpo. Aqui também não é diferente. Minhas lágrimas escorrem sem pudor sobre o meu rosto, inundado tudo que existe em mim. Eu queria ao menos controlar, mas nem isso eu consigo.

Na minha cabeça passa um filme de tudo que costumávamos ser e para exatamente na cena em que acabei de viver. Tudo em mim dói. Me dói pois vejo o quanto ela prefere ficar fora ao ficar comigo e encarrar isso. Me dói pois no fundo bem lá no fundo, eu sinto como se tudo isso fosse culpa minha. Por que aceitei ter um filho com ela? Por que casei na intenção de construir uma família? Por que não enxerguei que só eu e ela bastava? Se tivesse visto isso antes teria evitado muitas coisas. Mas, agora estamos aqui, vivendo o incerto, com inúmeros machucados que ao invés de se curarem com o tempo parecem que a cada dia só aumentam causando ainda maia dor.

Depois da tempestade. - MaililaOnde histórias criam vida. Descubra agora