XXXIV - PESO MORTO

3 0 0
                                    


 O gemido ecoou pelo salão. Ela caiu de bruços no chão gelado de pedras cinzentas. Um lapso de memória lhe tomou por um breve segundo como um flash: O abraço reconfortante do seu pai enquanto observavam a neve cair no túmulo recém-fechado de sua mãe.

Sônia despertou do seu devaneio sentindo um lado da face dolorido e avermelhado. Um olho lacrimejava. Ela estava inerte, sem voz, sem reação. Aa sombra do seu pai cobria todo o seu corpo. Ela sentia um certo terror em sua pele, lhe embrulhando o estômago.

Era impossível desafiá-lo. Era impossível convencê-lo mesmo com as melhores e mais sinceras palavras. Aquele homem não a ouvia e jamais a compreenderia. Ela agora não passava de uma escória, da vergonha do clã. Um ser impotente incapaz de impedir uma guerra e salvar um garoto mago.

— Eu... falhei, Náidius — ela sussurrou para si mesma, se desembrulhando em lágrimas. Mordeu os lábios e tentava abafar o choro.

— Levante-se! — A voz do soberano ordenou.

Sônia se levantou instantaneamente. Sabia que não poderia nem ao menos pestanejar diante de uma ordem do seu pai. Ela encarou o homem, mal o reconhecendo em comparação as suas lembranças. Aquele homem amoroso e gentil havia morrido depois que assumiu o trono. A maga não sabia se era o poder que o corrompera durante todos esses anos ou foi a angustia. Um dos motivos para ela não querer aquele destino para si.

A sala do trono estava vazia. Nevava lá fora, o vento frio entrava pelas janelas, açoitando as cortinas e as franjas dos estandartes nas paredes. Todo o ambiente estava cinza e mórbido, como era o costume de ser.

— Está tremendo. — O homem notou, decepcionado. — Não é de frio. Está com medo. Sempre foi covarde. A mais fraca nos treinos.

Sônia não queria deixar aquelas palavras lhe afetar. Ela sabia o quão era destemida. Ela já lutou bravamente com coragem, treinou desde criança para ser uma das melhores, embora nunca ter sido o destaque que todos esperavam.

— A filha de um imperador não deveria envergonhar todo um clã. Ela deveria ser ágil, esperta, inteligente, se destacar dentre todos. Mas... é apenas uma besta inútil. — Ele caminhava de um lado para o outro com as mãos nas costas. Parecia falar mais para si mesmo do que para maga. — Lúcio deveria ser o meu herdeiro. Ele sempre se mostrou merecedor. Infelizmente, precisamos seguir as regras.

— Eu abdico! — Sônia falou, mas arrependida. Segurou a respiração quando os olhos azuis arroxeados do homem lhe miraram.

Os passos dele se aproximaram lentamente, ela prendeu a respiração, quase como se o fato de não respirar poderia impedir os passos do homem.

— Acha mesmo que é simples assim? Acha?! — ele rosnou, fazendo Sônia tremer.

A maga negou com a cabeça.

— Mesmo se tomasse o seu lugar hoje, — ele afagava uma mecha do cabelo dela — jamais poderia abdicar. Não temos leis para isso e eu não posso reescrever nada.

Foi nesse momento que Sônia percebeu que o seu pai vivia uma angustia eterna, preso em leis arcaicas e inúteis que ela jamais compreendia o motivo de apenas desconsiderar o que foi escrito por um ancião primitivo.

— O nosso clã precisa de um soberano, as pessoas que vivem nessas terras precisam de um líder. O nosso povo precisa da gente. Tudo o que somos e tudo o que temos, o que construímos foi graças aos nossos ancestrais. Tenha ciência disso. É o seu destino.

Legend - O Mago Infernal (Livro 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora