IV - Cosmos

25 4 0
                                    


Uma linha de nuvens rosadas e com tons lilás se formavam no céu alaranjado logo atrás da copa densa das árvores. O vento calmo balançava os galhos das gameleiras nas margens do riacho, e os ipês amarelos derramavam uma chuva de flores colorindo as águas calmas. As andorinhas se acomodavam na densa escuridão que se formava na mata fechada e silenciosamente anunciavam o início da noite.

Órion ainda juntava as folhas secas com um ancinho enquanto ouvia o agradável som das águas passando entre as pedras no riacho. Ele havia se atrasado em seus deveres pelo fato de não conseguir sequer raciocinar após os conflitos da manhã.

Não era daquela maneira que ele esperava conhecer o seu pai. Mas já imaginava o tipo de pessoa que ele era, pelas histórias contadas por sua tia Kelmo. Nunca teve esperança de duvidar dos relatos e de fato, aquele homem era um mero interesseiro e não apresentava nenhum tipo de afeto paternal.

Ele sentou-se ao lado do monte de folhas e repousou o ancinho no chão. Já estava bem escuro e atrás de si ao longe via-se as luzes do lampião provindo do velho sobrado. A fumaça da chaminé denunciava que Kelmo já preparava o jantar. Ele suspirou, exausto pelo dia, pelo trabalho, porém, ainda mais desgasto mentalmente que fisicamente.

O vento frio congelava seu nariz e só então o jovem percebeu que todo o trabalho árduo em juntar as folhas estava se indo em vão. Mesmo no escuro, os seus olhos vermelhos podiam vislumbrar as folhas sendo carregadas e espalhadas por todo o terreno juntamente com a poeira.

— Não! — Órion gritou em desespero, jogando o corpo por cima de toda a folhagem seca.

O vento havia cessado para o seu alívio, mas seria necessário juntar todas as folhas novamente. A sua tia Kelmo não iria gostar nada daquilo. Ele engoliu em seco, porém, sentiu o seu corpo esquentar de uma forma estranha. Por baixo de si fumaça surgia e o cheiro das folhas se queimando. Ele não sabia como aquilo havia acontecido, foi involuntário, mas havia despertado uma pequena chama.

Se retirou de cima da folhagem e tentou dissipar a chama, porém, sentia suas juntas queimando e o pequeno incêndio se intensificava. A sua pele esquentava de uma forma irreal e ele não sabia o que estava acontecendo. Tentou se concentrar e respirou fundo. Inspirando e respirando pausadamente, abriu as mãos em torno da chama e fechou os olhos.

Nunca havia passado por coisa parecida em sua vida, talvez, isso houvesse sido em decorrência do estresse mais cedo. Ele ainda mantinha os olhos fechados e apesar da preocupação lhe assolar freneticamente, notava todo o seu poder se normalizar.

Ele suspirou soltando uma lufada de ar e abriu os olhos. Subitamente ele se espantou. As chamas não haviam desaparecido e nem sequer diminuído, havia se espalhado ainda mais, onde o vento carregava as folhas em brasa e incendiava o capim seco não muito distante. Órion olhou para os trapos velhos que vestia e estavam chamuscados. A sua roupa inteira começou a se incendiar e ele não conseguia fazer aquilo parar. O fogo vermelho se alastrava ao redor e em si. Ele se desesperou novamente e não viu outra alternativa a não ser se jogar nas calmas águas do riacho.

Se levantou com chamas cobrindo todo o seu corpo e suas roupas sendo totalmente consumidas. Ele mergulhou nas águas rasas e se agachou até todo o corpo ser submerso. Mesmo de baixo d'água o fogo não sessava.

...

Kelmo mexia com um tacho de madeira o interior de um caldeirão de água fervente. O recipiente pesado de metal se apresentava com uma densa camada escura, provindo de toda fuligem do fogão à lenha. O cheiro forte da fumaça das brasas e do ambiente fechado era sufocante. As paredes eram escuras e o ar pesado. A ex-caçadora sentia seus pulmões se danificando a cada vez que precisava entrar naquela ala.

Legend - O Mago Infernal (Livro 3)Onde histórias criam vida. Descubra agora