A chama de uma lareira feita de tijolos escuros crepitava. Possuía um formato de arco e nas paredes ao redor havia enormes tapetes tecidos a mão, um deles com o bordado de uma figura máscula, trajada com a sua armadura cinzenta e completa, com adornos dourados. Era um homem robusto de cabeleira volumosa de cor castanha. Em uma mão segurava o seu elmo, apoiado ao quadril e na outra erguia a sua espada. Em outro tapete e em especial havia o bordado de sua família. Sua esposa e os dois filhos pequenos.
O quarto era espaçoso, com uma cama de casal maior que a maioria das camas comuns. Possuía um dossel forrado com uma cortina de cor verde algas com detalhes em linhas douradas e florais, e ao lado uma pequena mesinha de madeira escura. Entre outros móveis, tinha outra mesa com cadeira estofada vermelha e um luxuoso sofá da mesma cor. Uma gingante janela em formato triangular destacava pelas grades em losango em cada aba forrada por vidro. O parapeito era largo e pela altura era um bom lugar para se sentar a apreciar a vista para a floresta.
O quarto estava na torre mais alta do castelo do reino de Angelins. Eram os aposentos do rei, agora viúvo e bem mais velho de como estava representado em sua tapeceira.
Ele entrou no quarto após dispensar os empregados que o ajudara no banho. Ele ficou finalmente só após retornar ao seu lar depois de longos dias de viagens. Algumas mechas grisalhas em seu cabelo denunciavam a sua idade, onde ele delicadamente os penteou para trás. Vestia um leve pijama e estava preparado para dormir.
Lá fora chovia e os relâmpagos iluminavam o quarto. O homem hesitou um pouco antes de se deitar. Porém, por um minuto em que se virou de costas ouviu as abas da janela de abrirem subitamente batendo contra a parede. Ele virou a face roboticamente e deu de cara com uma figura desconhecida.
Era um homem usando um sobretudo aberto de cor branca, uma camiseta preta de gola alta e calça cinza claro. As suas botas eram de cano alto — até o joelho —, pretas e de couro. Olhos pretos e cabelo volumoso branco de brilho prateado, possuindo distintivamente alguns fios azulados. O sujeito estava em pé no parapeito da janela, estava molhado com a água pingando no chão. Ele sorria enquanto brandia a sua espada de dois gumes.
— Rei Lorenzo! — O sujeito disse sorridente. — É uma honra conhecê-lo pessoalmente.
— Como passou pela guarda? — O rei questionou ainda impactado com aquela presença súbita em seus aposentos.
— Creio que possui péssimos soldados. Não me deram tanto trabalho o quanto imaginei. — Ele bocejou, entediado. — Mas vamos deixar de conversa fiada. Acredito que saiba o motivo de minha presença aqui.
— Quem lhe mandou?
O sujeito começou a rir como se achasse uma piada aquela pergunta.
— Quem mais deseja a sua coroa? — Ele respondeu obviamente. — Eu acho que ele esteja bem impaciente para ser rei. Não se pode confiar nos próprios filhos, não é mesmo?
O rei estava abismado, recuava alguns passos. Estava desarmado e despreparado para um embate em seu próprio quarto. Não se esperava que alguém pudesse se infiltrar com tanta facilidade no castelo.
— A minha filha...É a primeira na linha de sucessão. — Ele informou, ainda perplexo e inconvincente daquela suposta traição.
O sujeito sorriu, deixando claro em sem semblante qual seria o seu próximo passo depois dali. O rei compreendeu e continuou a recuar alguns passos. O seu corpo ficou bambo pela angustia e a aflição tomou conta de si. Ele se virou rapidamente e correu em direção à porta dupla.
— Guardas! — Ele gritou, desesperado.
Os seus passos pareciam lentos e inevitavelmente ele continuava a gritar por seus guardas. Entretanto, sentiu a espada cravar em suas costas e atravessar o seu tórax, exatamente no coração. Sangrou automaticamente. O sujeito foi rápido e a morte do rei instantânea. Ele desfaleceu e foi escorregando lentamente da espada até tombar no chão de bruços.
O sujeito sorriu satisfeito. Havia cumprido uma parte de seu trabalho daquela noite. Ele se atentou quando ouviu vozes alarmantes vindo dos corredores do castelo. Deveriam ser os outros guardas reais e logo percebeu a maçaneta da porta se mover.
Os guardas adentraram, porém, encontraram apenas o corpo do rei caído em uma poça de sangue e a janela aberta por onde o vento zumbia um ar gélido.
Enquanto isso, o sujeito assassino se pendurava pelos tijolos de pedra na parte mais inferior daquela torre. Ele precisava ser rápido, já havia chamado à atenção da guarda real e não demorariam em verificar os aposentos da princesa, e essa era a sua última parte da missão na qual havia sido contratado. Matar a herdeira do trono.
A janela idêntica ao dos aposentos do rei estava aberta. Ele adentou com um salto. Ele pisou totalmente encharcado em um tapete de veludo vermelho. A jovem estava deitada com as pernas para fora da cama, com uma postura totalmente torta e não usava roupas de dormir. Usava um vestido simples e os cabelos negros ainda estavam arrumados em uma longa trança. Ela era bela como sempre ouviu falar: lábios rosados, corpo magro e braços finos. Porém, a pele parda estava alva demais. Estava pálida.
O sujeitou notou em cima de uma mesinha ao lado da cama, uma bandeja com um frasco de vidro e um copo de alumínio. Havia um líquido escuro, cor de vinho. Ele se aproximou, segurou o copo com as duas mãos e o levou até as narinas. Não fez careta, mas pelo olfato pode comprovar o que já desconfiava. Olhou para aquele corpo desfalecido enquanto repousava o copo de volta a bandeja.
— O seu irmão te dopou. — Ele falou, pensativo. — Não queria que sentisse dor.
Ele sacou a espada da bainha e repousou sua extremidade no peito da jovem. Os braços estavam esticados para cima, segurando o cabo com as duas mãos, deixando a lâmina em uma linha reta vertical. Ele ponderou um pouco enquanto fitava a face daquela jovem.
As suas mãos começaram a tremer e havia perdido as forças para empurrar a espada e afundá-la por vez no coração da jovem princesa. Gotas de água do seu cabelo molhado caíam na face dela e a mesma continuava imóvel.
Vozes gritavam no corredor, clamando pelo nome da princesa. Não iriam demorar chegar até lá.
— Hanne, não é? — Disse ele o nome da princesa enquanto suava frio. — Por que está fazendo isso comigo? Você é somente...Um rostinho bonito. — Ele arquejou. — Logo eu, Diego Ceppas, que já enfrentei criaturas sanguinárias e os mais terríveis assassinos mercenários que cruzaram em meu caminho, estou me entregando a fraquejar só por uma mulherzinha! — Ele rangeu os dentes enquanto relutava contra os seus próprios músculos.
Ouviu as vozes próximas o suficiente e passos apressados sob o som metálico das armaduras. Ele não tinha mais tempo.
— Droga! — Ele esbravejou para si mesmo.
Não tinha outra saída, porém, se ele não a matasse naquele mesmo instante não iria receber a outra metade de seu pagamento. Ele praguejou. Abaixou a espada e guardou em sua bainha. Não sabia ao certo como faria o que acabara de idealizar, mas não havia mais tempo, precisava terminar o seu trabalho em outro lugar. Ele pegou a jovem desfalecida em seus braços e subiu no parapeito da janela. Ainda chovia e ventava frio.
Diego respirou fundo, engolindo um seco. Decidido, ele saltou e no exato momento, uma luz branca ofuscante irradiou no exterior, iluminando o quarto da princesa como um forte relâmpago.
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Legend - O Mago Infernal (Livro 3)
FantasíaÓrion Kilmato ao perceber uma grande evolução de seus poderes é sequestrado por estranhas criaturas demoníacas e confinado na misteriosa prisão mágica, Danjú. Convém a Náidius, o seu primo, resgatá-lo, e para isso, vai contar com ajuda da maga Sônia...