16. A Luta dos Homens II

36 9 17
                                    

«Precisamos de aceitar que nem sempre tomamos as melhores decisões, que por vezes deitamos tudo a perder e que o fracasso não é o oposto do sucesso, mas faz parte dele. » 

Arianna Huffington

------------------------------


No dia seguinte fizeram grupos com outros mineiros para conseguirem falar com eles nas grutas onde as mulheres não os podiam ouvir. As mulheres nem sequer entravam nas minas por ser perigoso. O primeiro passo era tornar-se amigo dos mineiros e saber o que eles pensavam daquela situação e como foram ali parar. Ansara juntou-se a um senhor com cerca de quarenta anos, entroncado, sisudo e que parecia ter trabalhado na mina toda a sua vida. Pensou que não era o seu dia de sorte. Dificilmente aquele homem queria sair dali e revoltar-se contra a sua sorte. No entanto, poderia ter muito mais conhecimento sobre o funcionamento da mina e sobre o reino da Teia. Tinha de tentar pelo menos, aproximar-se dele. O homem olhou para ele quando viu que era o seu parceiro do dia, mas não pronunciou palavra. Manteve-se em silêncio enquanto a chefe indicava os pontos de extração que iria fazer naquele dia. Continuou calado quando ambos desciam pela mina, apesar de Ansara o cumprimentar e tentar iniciar conversa. Talvez fosse mudo, tivessem-lhe cortado a língua ou nascesse assim. Não era impossível. O trabalho numa mina era bom para um mudo, afinal de contas, não precisava de falar. No entanto, Alfredo, o nome do mineiro, não era mudo. Assim que pegou na picareta para bater pedra, desatou a falar sobre tudo o que o irritava. Um longo monólogo. Ele retirava força para o trabalho da sua ira. Assim, Ansara sem falar nada, soube toda a sua história. Nem poderia ser mais fácil.

Alfredo tinha ido para as minas quando a sua mulher trocou-o por outro homem. Ela sempre o dominara, nunca tivera nenhuma palavra a dizer na sua casa. E isso, irritava-o, assim como, a maneira como falava com outros homens. Quando ela decidiu casar outra vez, ele não disse nada, mas inscreveu-se para trabalhar na Mina. No entanto, não sabia que o trabalho era tão exigente. Ele falava, mas Ansara não conseguia compreender tudo porque ele usava um curto lenço vermelho a tapar o rosto e o som da picareta não ajudava. Ansara compreendeu que ele tinha sobrevivido tanto tempo devido àquela proteção. Ansara sorriu a ver e ouvir o homem. Ele fazia mais do que trabalhar, ele estava a desabafar. Depois começou a dizer como se sentia velho para aquele trabalho, como as suas costas e músculos doíam e mais milhares de queixas, desde o passado à má qualidade da comida, sem esquecer o pó que se infiltrava por todo o sítio.

No fim do dia, Ansara voltou a tentar falar com Alfredo. Este olhou para ele como se o tivesse visto pela primeira vez naquele momento. Disse com a mesma expressão zangada que guardava todo o dia:

– Eu não preciso de amigos – disse friamente para que Ansara desistisse de qualquer aproximação.

– Mas não é por precisar. Gostava de ter um amigo, porque não pode ser? – insistiu Ansara.

– Porque acabam sempre por morrer – respondeu Alfredo virando-lhe as costas.

****

Quando se encontrou com os outros estava derrotado e desanimado. Os outros não tiveram melhores resultados, mas, pelo menos, Ansara partilhou a história de Alfredo e contou sobre o lenço que ele usava na cara. O tempo para partilha de informações não era muito, por isso, escolheram e partilharam lenços entre si. Tentaram-se animar para mais um dia de esforço e de tentativa de conquista daqueles homens. Eles eram muitos, eram fortes e tinha o que mais precisavam para se juntar a eles: sentiam-se injustiçados e não tinham nada a perder.

A maioria dos homens não tinha uma história como Alfredo. Uns tinham sido vendidos pelas mulheres, não recebiam ordenado, outros tinha ficado na rua quando a mulher deixara de ter dinheiro ou quando ficaram sem trabalho. Eles pensaram que não tinham outro lugar para onde ir. Se calhar no reino da Teia não tivessem mesmo.

Demoraram duas semanas completas para ter a primeira equipa de homens. Quinze homens no total com vontade de fugir daquelas minas e de resistir às mulheres do reino da Teia. Para Ansara um grupo de vinte e sete homens era pouco, mas demoraria muito mais tempo a juntar todos aqueles homens. O seu plano original era libertá-los daquele trabalho forçado e horrível. Porém, sabia que também eram necessários os materiais retirados das minas. Só o Reino da Teia tinha minério, poderia ter feito disso o seu ponto forte. Talvez, tivesse sido o plano de Aracnia quando começou a enviar homens para as minas.

De qualquer forma, tinham que pelo menos tirar os homens dali e depois planear como tomar conta do Artefacto que os dominava. Os homens eram mais fortes do que as mulheres, sem aquele Artefacto e da forma que poucas mulheres treinavam, eles tinham vantagem. Precisavam apenas de encontrar o segundo artefacto ou feitiço que aquelas mulheres tinham contra eles. Atacar a Rainha era o seu próximo passo. Primeiro para libertar os homens das Minas, para que apenas os homens que quisessem trabalhassem lá com um ordenado e melhores condições. Segundo para parar com a poligamia forçada. Os homens deveriam aceitá-la e caso não a aceitassem deveriam ser livres para ter outras companheiras. Pelo menos, era o que Ansara considerava certo, no entanto, tinha que deixar os homens do reino decidir.

Enquanto Ansara refletia sobre estes assuntos, Rafael um dos homens com duas marcas como ele, veio falar com ele quando todos os homens já estavam a dormir. Ele era o mais novo e mais entusiasmado com o plano. A mulher dele ficara muito magoada quando ele aparecera com duas marcas. Não parava de chorar. Ele não aguentou e foi morar nas celas por livre vontade. Ele queria, mais do que ninguém, mostrar à mulher que não a traiu. Contou a Ansara que ela não lhe tinha dito nada. Não o julgara, não dissera nada. Quando viu as duas marcas perguntou: «o que fiz de errado?» Quando ele lhe explicou o que aconteceu, ela deu-lhe uma festa na cara e recomeçou a chorar. Evitava falar com ele num pranto silencioso e desolador. Ele não sabia mais o que fazer. Nunca chegara a compreender se ela tinha acreditado que ele fora atacado ou não. Por isso, queria levar o Artefacto ou fosse o que fosse e mostrar-lhe que tinha sido forçado e que agora estava tudo bem. Não precisava de chorar mais.

Rafael tinha apenas vinte anos. Ele tinha a força e agilidade de dois soldados, mas a sua impulsividade era perigosa.

– Sargento! De certeza que vamos conseguir comprovar a nossa inocência ao atacar o Reino da Teia?! Será que é mesmo a rainha que tem o Artefacto? Quando vamos? Podemos ir já amanhã?

– Calma, soldado! Só temos cerca de trinta soldados. Vamos atacar um castelo rodeado de homens e mulheres que podem ter domínio sobre nós! – Ansara tentou chamá-lo à razão. – Temos que usar mais a inteligência do que os punhos!

– Estamos a perder tempo! – insistiu Rafael. – Quem sabe se estão outros homens a ser atacados como nós fomos ou a ser vendidos como muitos destes homens do Reino da Teia foram! Temos de ser rápidos!

A verdade é que Rafael estava cada vez mais ansioso por ver Amélia. A sua pressa tinha sido pressionada pela morte de um colega, chamado Tomás, que dormia na cama de cima do seu beliche. Era a primeira vez que Rafael sentira a morte tão perto, apesar de tudo. Isso fê-lo refletir que não havia mais nada que gostasse de fazer antes de partir do que ver e estar com a sua mulher.

– Eu sei, mas tenho de planear bem as coisas. Somos poucos para muitos e vamos atacar um Reino, não é uma coisa fácil de se fazer! – respondeu o sargento já irritado. Os seus homens numa ocasião normal nunca duvidavam ou contradiziam as suas ordens. No entanto, aquela mina e o estado daqueles homens estava a afetá-los a todos. – Agora vai! Se estás com tanta pressa, trata de juntar mais homens! Com mais homens saímos daqui muito mais rápido.

Rafael assentiu e pareceu ainda mais motivado do que antes. Já que Ansara não acelerava o processo, ia acelerar ele e, talvez, ganhasse centenas de homens num só dia. Sorriu para si próprio. Ao deitar-se na cama, ansiou pelo dia seguinte, iria fazer tudo para que os homens nunca mais fossem obrigados a fazer aquele trabalho horrível e a morrer como Tomás tinha morrido. O sangue de Rafael fervia ao pensar como as mulheres do Reino da Teia tinham feito sofrer os homens, tratavam-nos como escravos e vendiam-nos como tal. Já que o Sargento tinha amolecido a sua vontade e estava mais preocupado com ser discreto do que ser rápido, precisava ser ele a fazer alguma coisa. Aqueles homens já tinham esperado o suficiente.


O Reinado das Mulheres (RASCUNHO)Onde histórias criam vida. Descubra agora