21. O Artefacto

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«A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos.»

Montesquieu


Ansara acordou a sentir um vazio conhecido, mas que detestava, descobriu. Quando olhou para o seu lado na cama improvisada que tinha, Valência tinha desaparecido. Perguntou-se se não tinha sonhado com a noite que passaram juntos.

Ao sair da tenda viu a grande agitação dos homens ao seu redor. Havia um fumo estranho na Montanha. As mulheres tinham ido verificar. Não levaram nem um dos homens, nem sequer o avisaram. Só poderia ser comandado por Valência. Ansara sentiu um sabor amargo na boca. Pensava que tinha ficado tudo bem na noite passada e na manhã seguinte Valência já estava a desconfiar dele outra vez.

Reuniu uma equipa de homens capazes e foi atrás de Valência.

Era estranho haver fogo nas Montanhas, geralmente ninguém vinha para ali e todos os homens estavam reunidos no acampamento de Ansara. No entanto, ele sabia que Valência normalmente o avisava antes de partir. Aquela atitude deixou-o a pensar que ela se tivesse arrependido da noite anterior.

Quando chegaram ao lugar do fumo, muito perto da entrada da gruta onde jazia Alice, a Grande Amazona, estavam os restos de uma fogueira. Era uma pobre fogueira com troncos finos e mal arderam até se desfazer em fumo. Ansara não tinha dúvidas, tinha sido feita por uma mulher. Procuraram os arredores e não encontraram ninguém, nem as mulheres do acampamento.

Pouco depois descobriram pegadas, elas levavam-nos de novo àquela gruta sombria. Ansara começava a suspeitar quem poderia estar naquele lugar tão remoto. Sentiu que era hora de atacar. Valência tinha o anel que poderia enfeitiçar os homens, por isso, Aracnia já não poderia fazer nenhum truque para se defender.

Quando os homens conseguiram chegar à tumba da grande amazona, Aracnia estava rodeada de mulheres. Aracnia agarrava o Artefacto com as duas mãos com tal força que este parecia poder partir-se a qualquer momento. Aracnia chorava enquanto gritava:

– Vocês não vão poder levar o Artefacto! Não sabem há quanto tempo estou a tentar com que este sonho se realize! – disse entre soluços profundos de choro.

Valência a ver tal transformação naquela mulher que antes parecia ter gelo em vez de sangue, estava chocada. Ansara também estava surpreendido, mas pensou que poderia ser um estratagema para terem pena dela. Não conseguia gostar nem simpatizar com aquela mulher por mais que tentasse.

Valência tentou a diplomacia.

– Aracnia, basta deixares o Artefacto aqui e irmos embora que ninguém o vai retirar. Aqui é o seu lugar. – olhou em redor onde tinha uma cama improvisada no meio de tantos túmulos –, mas isto não é local para ninguém ficar, isto pode fazer mal à saúde. Deixa aí o Artefacto e vem connosco. Não podes ficar aqui.

Aracnia hesitou a olhar para o Artefacto. Nesse momento, Ansara avançou e tirou-lhe o Artefacto das mãos. Ela gritou desesperada.

– Não! Larga-o! O meu desejo! Não posso perder o meu desejo! – agarrou-se a sua barriga como se só de largar o Artefacto fosse perder algo que estava dentro dela.

– Qual desejo? – perguntou Valência.

Aracnia virou o rosto e murmurou:

– Engravidar... – respondeu ainda a soluçar. – Sempre quis ter um filho! Dormisse com que homem dormisse, nunca engravidei. Tentei e voltei a tentar! Por isso, peço-vos deixem-me ficar com o Artefacto só até à criança nascer. Ninguém o pode tocar – Aracnia arrancou-o Artefacto das mãos de Ansara. Ele nem fez nenhum esforço para impedi-la. Tal era o seu espanto.

O Reinado das Mulheres (RASCUNHO)Onde histórias criam vida. Descubra agora