25. O Reino das Mulheres e dos Homens III

26 9 26
                                    

«Eles não são dois sexos superiores ou inferiores um ao outro; são diferentes» 

Gregorio Marañón

Ansara acordou com o ressonar de alguns dos seus companheiros. Alguns dormiam sobre a mesa, outros cantavam ou choravam. Ansara também estava um pouco tonto a ver as pessoas a aproximarem-se do palco. Poucos minutos depois ouviu uma voz familiar a falar no palco. Valência estava no centro do palco a começar um discurso.

– Boa noite Reino do Castelo Dourado! – O povo reagiu com aplausos e boas-noites – Hoje celebramos os deuses! O Pai Sol e a Mãe Lua fazem-nos companhia! – o povo reagiu mais uma vez.

» Este festival é dirigido aos dois deuses porque a vida não se faz sem o Sol nem a Lua. São ambos necessários, cada um a seu turno a criar a vida maravilhosa que temos na Terra. Dão-nos comida e descanso, dão-nos marés e calor. Tal como os homens e as mulheres. São ambos necessários e todos podem brilhar nas suas melhores habilidades. O que é preciso é respeitar a sua natureza. Os seus talentos. As suas vulnerabilidades.

» Séculos antes de as mulheres reinarem, reinaram os homens – ouviu-se um «Uaau!» da audiência e depois todos ficaram no silêncio.

» No reino dos homens, os direitos, a igualdade e até a inteligência das mulheres era negada. Assim como, era negada e considerada culpada, uma mulher que dizia ter sido violada. Hoje, felizmente devido ao Artefacto isso não acontece mais. O Artefacto protege as mulheres, mas esqueceu-se dos homens. Agora, devido a um novo Artefacto, é possível até os forçar a dormir com uma mulher. Muitos dos homens do nosso reino foram forçados a tal, o meu próprio marido foi um deles.

»Isto porque nós, as mulheres, adotarmos um comportamento semelhante ao dos homens enquanto reinavam. Eu acredito que as mulheres são mais atenciosas e que depois de dois séculos a reinar, conseguem ser melhor, e vocês?

O povo olhou confuso entre si e após alguns momentos aplaudiu timidamente como se ainda estivesse a pensar no que foi dito. O grupo de Ansara levantou-se e aplaudiu o discurso de pé. Rafael gritou para a multidão «É isso mesmo!».

– Por acreditar nisso –, continuou Valência –, e por ter sido presa a mulher que causou as marcas nos nossos homens, que era a governante do Reino da Teia, Aracnia – o silêncio reinou ainda mais profundo.

» Está condenada à condição de refém para que mais destruição não venha para o nosso reino. Durante a sua estadia irá ter uma criança e depois irá servir os homens do nosso reino para pagar os crimes que cometeu. – os homens aplaudiram mais uma vez.

» Julgámos tão mal os nossos homens e condenamos eles quando eles eram as vítimas. Por essa razão, acho que as mulheres devem-se unir aos homens na governação. Para que erros destes não se repitam. Para que a igualdade realmente exista e não seja um ideal apenas. Só um homem pode defender o seu género, só uma mulher sabe o que é importante para o seu. Deverá haver liberdade e respeito para ambos. Como o Sol e a Lua como a Terra e os restantes astros. Todos tem o seu espaço, o seu tempo e nenhum precisa de sobrepor ao outro. Por isso, vamos aprender com a Natureza e vamos conviver a promover o governo e a vida em conjunto, entre homens e mulheres. Viva o Pai Sol e a Mãe Lua! Que comecem os festejos!

Assim que Valência terminou o discurso, um grupo de dez mulheres vieram ter à mesa de Ansara. Todas vieram com lágrimas nos olhos ter com os seus maridos bêbados. Ansara levantou-se e dirigiu-se para trás do palco.

– Com que então, queres os homens e as mulheres a governar em conjunto, hã? – provocou ele.

Valência virou-se surpreendida e os seus olhos encheram-se de lágrimas.

– Ansara! – jogou-se para os seus braços. – Voltaste!

Ele limpou as suas lágrimas e depois passou os dedos pelos seus lábios e finalmente beijou-a. Valência já era uma excelente Rainha, mas mais do que isso era a mulher que ele amava acontecesse o que acontecesse.

*****

A rainha e o rei foram instituídos como governantes do Reino do Castelo Dourado com direito a ter conselheiros de ambos os sexos. Caso algum dos conjugues morresse poderia ser substituído na governação por um conselheiro do mesmo sexo.

Após Aracnia ter a criança, ela e Regina decidiram que Regina ficava no poder do Reino da Teia, mas teria os conselhos de Aracnia. Aracnia ficou condenada a fazer trabalhos para todos os homens que pedissem de todos os reinos atacados. Havia condições para requisitar os seus serviços, não poderia haver qualquer maltrato físico, nem moral enquanto cumpria a sua pena. No entanto, todos eles pareciam ter uma predileção em fazê-la limpar retretes e outros trabalhos de limpeza igualmente desagradáveis. Aracnia aceitou o seu castigo, considerado por muitos leve de mais pelos danos e mortes que causou. Se bem que a sua arrogância sofreu um grande golpe. Era comum ela sair das suas tarefas com cara de repulsa e vergonha. Uma rainha a limpar retretes. No entanto, não se queixava porque a deixaram ficar com a sua filha Débora. Quando a via os seus olhos brilhavam e tudo era esquecido.

Valência depois de Aracnia ter a filha, entregou o Artefacto a Ansara. Disse-lhe que ele era a melhor pessoa para levar o Artefacto para a sua gruta nas Montanhas. Ele assim o fez, feliz pela confiança que aquela missão pedia.

Quando chegou e o agarrou o objeto brilhou ainda mais e perguntou:

– O que mais desejas?

Ansara engoliu em seco. Ele sabia que o Artefacto iria escolher o seu desejo mais profundo e verdadeiro. Quase teve medo do que seria.

– Desejo concedido. Os homens e mulheres não poderão forçar o sexo oposto nem o seu próprio a nada, vão governar em conjunto em igualdade para criar o melhor mundo para todos. Nenhum dos sexos poderá violar ou desrespeitar o corpo do outro.

Ansara sorriu. Nunca conseguira dizer nem demonstrar o que realmente sentia, mas aquele Artefacto lia mesmo corações. Voltou com o coração leve para o seu reino, estava ansioso para dizer as novidades a Valência. Finalmente, o sonho deles realizara-se.

Fim.


O Reinado das Mulheres (RASCUNHO)Onde histórias criam vida. Descubra agora