Quando Ansara e os seus companheiros chegaram ao Reino do Castelo Dourado, viram que todos estavam entusiasmados na preparação de um festival. O festival comemorava os deuses, o Sol e a Lua. Tinha um tributo especial ao discurso da rainha Valência. Ansara alegrou-se Valência tinha finalmente reagido e estava ativa outra vez.
Pediu aos seus homens para dirigirem-se para as suas casas. Disse-lhes para falar com as suas mulheres e tentarem resolver as coisas com elas, mas sem grande esperança. No entanto, sabia que alguns nem iam tentar até porque mesmo se elas os perdoassem, não as perdoavam eles por tratarem-nos daquela forma, e foram para um bar para se embebedar.
Ansara foi para o castelo, mas não encontrou a sua esposa. Os empregados disseram que ela estava em reunião com os conselheiros do reino, mas não sabiam onde. Dirigiu-se à cave onde se encontrava Aracnia. Queria falar com ela. Uma vez que não podia fazer nada para que a justiça fosse feita, poderia pelo menos perceber porque fez o que fez e da sua raiva contra os homens.
Quando chegou à cela viu-a a ler um dos livros que já estavam na cela com o Artefacto a seu lado. As grades estavam fechadas e Aracnia tinha um ar de contentamento em todos os seus gestos. Ansara agarrou-se à cela e perguntou:
– Apenas, diz-me porquê? – pediu Ansara – para quê precisavas de fazer isto connosco?
O olhar de Aracnia calmo e pesado caiu sobre ele enquanto refletia.
– Os curandeiros do meu reino disseram que não era possível para mim engravidar com os homens do Reino da Teia, por não ser compatível com nenhum deles. Por isso e porque não via como os homens de outros reinos quisessem dormir comigo, forcei-os a dormir comigo... – pousou o livro. – Quando descobri o anel fiquei muito eufórica...
– Isso não explica a tua crueldade! – explodiu Ansara – Ainda me lembro de como sorrias e as palavras que disseste enquanto me... estiveste comigo! Magoaste-me como se tivesse feito um grande mal!
Aracnia irritou-se, estalou a língua e virou a cara. Levantou-se da secretária e andou pela cela com as costas voltadas para Ansara.
– Tenho tanta raiva dos homens! – disse num tom mais agudo que o normal. – O meu irmão... fez-me crer que os homens... são cruéis... que a única forma de os deter é ter poder sobre eles. Sei que não é justificação. Mas ele violou a mim e à minha irmã quando éramos mais novas – Ansara via as costas de Aracnia a contorcer-se – Ele era mais novo do que eu!
– Chega de mentiras! Aracnia nenhum homem pode violar uma mulher! As mulheres mandam nos homens devido ao Artefacto! – gritou indignado.
– O Artefacto só protege as mulheres se elas tiverem conscientes! – Aracnia fungou – Bernardo pediu para fazer um chá potente para dormir porque a minha mãe tinha insónias terríveis. Serviu-nos o mesmo chá, dizendo que era outro e estava noutro bule. Enquanto eu e a minha irmã dormíamos, ele tirou-nos a virgindade... De manhã ele tinha duas marcas na face aos seus catorze anos – Aracnia continuava de costas voltadas. – Eu e a minha irmã estávamos cheias de nódoas negras, sangrámos e ele ria-se enquanto a minha mãe chocada tentava dar uma repreensão severa. Ela pensava no que fazer com aquele filho perverso que se ria do nosso sofrimento e dizia «se soubesses o quanto foi bom estar dentro de ti... » – Aracnia tremia.
» Eu sei que não tens culpa nem os outros homens. Só fui cruel contigo... porque dava-me raiva o teu amor por Valência. O vosso respeito e igualdade. Dava-me raiva este reino!– riu-se com amargura – fiz contigo o que queria ter feito a Bernardo.
Aracnia voltou-se com as lágrimas nos olhos e dobrou-se no chão da cela em direcção de Ansara.
– Perdoa-me por favor. Não espero sair desta cela sem punição, mas poupa esta criança que é inocente. Por favor!
Ansara gostava que a sua raiva conseguisse superar aquela dor. No entanto, ela cedia e quase tinha pena daquela mulher que como ele tinha sido violada.
– Não te fiz nada para merecer o que me fizeste. Não esperes que te perdoe. Consinto que a tua punição seja realizada depois do nascimento da criança, mas fica sabendo que ficarás em dívida comigo e com este reino para todo o sempre.
Ansara saiu com o coração mais pesado do que revoltado. Precisava mesmo de beber um copo para digerir aquela conversa.
Como Valência ainda não estava no castelo, Ansara não teve outro remédio que se juntar aos seus homens. A maioria deles estava desapontado com os seus encontros com as respetivas mulheres ou nem sequer tinham ido e ficaram por ali a beber. Ele também estava desapontado com o seu encontro com Aracnia. Esperava conseguir expiar a sua raiva. A única coisa que conseguiu sentir foi pena dela. Tal como Valência. Sentia-se incomodado por isso.
À medida que o dia se alongava como um gato que passara horas a dormir e se espreguiça lentamente, Ansara estava a ficar preocupado da maneira que via os seus soldados e amigos beber sem parar. No entanto, as pessoas do seu grupo eram as únicas pessoas desanimadas. As pessoas do reino estavam mais animadas do que nunca. Os músicos praticavam para tocar à festa do Sol e da Lua e animavam as pessoas enquanto os outros empregados preparavam comidas e outros materiais para venda na mesma. Enquanto outros homens e mulheres que bebiam como clientes, planeavam já as danças e as diversões em que iam participar. A festa iria começar naquela noite.
Os carpinteiros estavam a preparar um palco. Os trabalhadores cantavam ao som da música que vinha do bar e estavam animados pela festa. Algumas jovens dançavam no meio da praça. Algumas olhavam atrevidamente para os carpinteiros e para a mesa cheia de homens onde estava Ansara. Ansara começou a sentir a cabeça pesada e pensou que seria melhor ir para o castelo, mas antes que conseguisse se levantar, o sono caiu sobre ele como a lua cai sobre o mar.
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O Reinado das Mulheres (RASCUNHO)
FantasyUma mulher que perdeu tudo devido aos homens da sua família, sobrevive a fingir que é homem até ao dia em que descobre um artefacto que vai mudar o mundo para sempre... Dois séculos mais tarde, um homem injustiçado que procura o artefacto para fazer...