"Talvez a morte tenha mais segredos para nos revelar que a vida."
Francesco não era de decorar o que seus professores de literatura parafraseavam daqueles livros antigos e sem gravuras, mas aquela em especial, de Gustave Flaubert, ele nunca esquecera.
Ele nunca esquecera pois há uns dois anos atrás, entrou numa discussão ferrenha com uma colega metida a sabichona acerca desta frase, discordando completamente da fala do autor.
"A morte é algo totalmente simples. Que segredo há de ter? Morreu, está morto" - foi o que ele disse naquele dia em frente a uma turma composta de pelo menos 30 alunos, fosse para afrontar a colega, ou para afirmar seu ponto de vista no mínimo polêmico para um garoto de na época 14 anos.
Mas naquela manhã, enquanto seus dedos espetavam-se no buquê de rosas brancas que carregava enquanto caminhava pela trilha de pedras até o jazigo, aquela frase lhe retornou de uma outra maneira. De uma maneira que o fazia ter vergonha do que disse naquela infame aula de literatura mesmo que a nota de participação o tenha salvo da recuperação.
Francesco tentava retomar com o sentimento de insolência de quando disse aquilo, tentava se convencer do porque naquela época achava a morte algo simples de se compreender, ele quase implorava para sua própria mente trazer de volta quem ele era, aquele moleque mimado e egoísta que nunca perdera nada na vida mas achava que sabia de tudo, talvez assim aquela dor dilacerante que sentia há dias amenizaria ao menos um pouco, que as lágrimas não estariam mais ardendo em seus olhos, e que aquela sede de viver que o moveu por todos os dias de sua vida voltaria para ele.
Quando chegou ao pé da lápide, Francesco ainda tinha esperança de que alguém viria e lhe diria que era tudo uma grande piada de mau gosto, um sonho ruim e que ele só precisava acordar. Mas ao notar a foto e o nome ali gravados, ele percebeu que não.
Nada daquilo era uma piada de mau gosto.
Nada daquilo era só um pesadelo.
E principalmente, não, a morte não é simples. Nunca foi. E quando ela leva alguém que nunca avisou ou sequer deu sinais de que partiria, fica ainda mais difícil compreender seus segredos.
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HERDEIROS
RomanceDetentores da maior vinícola do interior de Santa Catarina, a família Villamazzo nunca soube o que é ter problemas. Imigrantes italianos, todos os cinco filhos do Coronel Carlos Villamazzo toda vida foram criados a pão de ló, e esta era a única vida...