VII. Não me diga!

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Depois de retornarem ao saguão e encontrarem o restante da família por lá - e Pilar quase chorar ao ver que bastou tirar os olhos do filho caçula por cinco minutos para que ele retornasse completamente desarrumado -, os Villamazzo se despediram de forma breve dos Castilho e pegaram o caminho de volta para casa, prometendo não demorar a voltar para outro café.

Já no carro, era possível perceber a mudança no humor da família e o quão poderosa fora aquela conclusão. No fim, Vitória acertara outra vez e ela não poderia estar mais contente.

Assim que o carro estacionou dentro das terras da família, de longe Amália viu Guilherme caminhando visivelmente agoniado de um lado para o outro com as mãos nos bolsos da calça. Ela não teve outra reação se não sair correndo até ele sem nem esperar sua família.

- Guilherme! - ela gritou enquanto corria, ele a olhou imediatamente.
- Amália! - ele respondeu inicialmente preocupado e com o coração na boca, mas quando viu o imenso sorriso no rosto da garota foi como se as cores voltassem para o mundo novamente.

Num único movimento - o qual nem Guilherme estava esperando - Amália lançou-se aos braços do peão em um abraço de alívio e comemoração. Ele a segurou quase por instinto, mas se ele não tivesse apoiado um pé para trás os dois teriam caído com o impacto.

- Chama a Tia Luzia! O Tio Sandro, a Nininha! A gente precisa comemorar!!
- Ei calma! - ele riu, o rosto um pouco rubro de vergonha com a proximidade - Eles estão na horta, voltam daqui a pouco. Mas o que foi que houve?!
- A Vitória estava certa! - Amália mal se continha de felicidade.
- O-oquê? - gaguejou Guilherme
- A sociedade, seu tonto! - ela riu - estamos salvos!
- Tá brincando!! - Guilherme sorriu, Amália sacudiu a cabeça e eles se abraçaram de novo rodopiando pelo gramado.

Estragando o momento quase cinematográfico, o Coronel Villamazzo passou ao lado dos dois pigarreando alto. Guilherme e Amália se soltaram no mesmo instante, o peão sorriu amarelo.

- Bom dia, patrão! - Ele abaixou a cabeça comprimindo um sorriso.
- Crianças... - o Coronel respondeu baixinho e saiu, Guilherme diria até com um micro-sorriso nos lábios.

Vendo a cara de bobo do amigo, Amália lhe deu um soquinho no braço e os dois riram.

Os alcançando pouco depois do pai e da mãe entrarem em casa, Vitória se aproximou igualmente sorridente da irmã e do filho do caseiro e os três saíram para os fundos da casa, conversando e rindo para as paredes.

O restante da família entrou e cada um foi se dispersando pela casa: o Coronel e sua esposa embalavam uma conversa tranquila enquanto iam para a sala de estar, Marjorie abriu um dos livros que acabou ganhando de presente da biblioteca dos Castilho e foi para os fundos, Marinês foi para seu quarto cantarolando alegremente e Francesco tratou de subir as pressas até seu quarto pra finalmente se livrar daquelas roupas - embora já frouxas e desalinhadas assim como seu cabelo, porque, além de achar que já suportou tempo demais dentro daqueles sapatos apertados, para bolar um bom plano de investigação um dos pré-requisitos eram roupas bem confortáveis.

Enquanto terminava de abotoar a jardineira por cima da camisa branca, Francesco pensava como raios ele iria cumprir o que disse. No calor do momento, prometer êxito é fácil e tão natural quanto respirar, mas a verdade é que ele não fazia a menor ideia de por onde começar.

Bem, para não dizer que não teve ideia alguma, ele pensou sim numa forma que seria até bem simples e fácil: perguntar aos donos da casa. Não é possível que os Castilho não saberiam quem anda pelos corredores da própria residência! Ainda mais com tanta liberdade...

Inclusive, a liberdade também poderia dizer bastante sobre a relação deste garoto com os Castilho. Ele usava roupas claramente caras demais para ser um funcionário, e sabendo que Francesco era um Villamazzo, ele nunca poderia tratá-lo daquela maneira!
Ele podia ser um parente então... mas porque os Castilho não o apresentaram para os convidados? Era o mínimo a se esperar depois de toda aquela conversa sobre amor familiar e tudo mais.

Já vestido "adequadamente", Francesco se jogou em sua cama de forma espaçosa e preguiçosa, seus ombros amoleceram em relaxamento e ele suspirou. Mal havia começado sua investigação e já tinha mais dúvidas que certezas, ele nunca foi muito bom nessas coisas de lógica mesmo.
Enquanto encarava o teto esperando outra ideia passar por sua cabeça - de preferência uma menos óbvia do que simplesmente entregar as pontas na mão de algum Castilho, isso era fácil demais para esfregar na cara daquele esnobe - o estômago de Francesco roncou.

- É... - Ele se sentou na cama e abraçou a barriga - talvez um docinho da Tia Luzia possa abrir as ideias.

Descalço, Francesco foi no seu passo de sempre até a cozinha. Assim que chegou, encontrou Vitória, Amália, Tio Sandro e Guilherme tomando café na mesa da cozinha enquanto Tia Luzia acabava de entrar no cômodo pela porta da área externa, com um belíssimo e cheiroso bolo de abacaxi.

- Hmm cheguei na hora certa! - Francesco exclamou – Estou morto de fome!
- E quando é que você não está? - Provocou Amália com um sorrisinho, Francesco deu de ombros.
- Uma formiga fareja o doce de longe mesmo - Vitória também brincou e abriu um pouco de espaço em sua cadeira, Francesco não hesitou e se sentou ao lado da irmã como fazia desde os três anos quando acontecia de não haver cadeiras o suficiente para sua família enorme.
- Esse é o meu Chiquinho! - Tia Luzia sorriu docemente servindo o bolo no centro da mesa e afagando os cabelos de Francesco com as mãos aquecidas do forno. Do contrário de sua patroa, ver Francesco enchendo o prato era uma de suas maiores alegrias.
- Então - Frances começou a fatiar o bolo - ainda falando sobre a sociedade que o papai vai montar?
- FRANCESCO! - Guilherme, Amália e Vitória exclamaram em uníssono.

Francesco arregalou os olhos azuis não esperando toda aquela represália.

- Santo Cagueta!! - Amália deu um tapa na cabeça do irmão que resmungou.
- Ai! Que isso?? O que é que foi agora?? - ele reclamou.
- Espera - Tio Sandro ficou sério - vocês... vocês não estão dizendo que..

Debaixo dos olhares fervorosos dos caseiros, Amália, Vitória e Guilherme se entreolharam e sorriram, Vitória confirmou com a cabeça.

- A gente estava esperando todo mundo se reunir mas, sim - Vitória sorriu - o papai vai mesmo montar uma sociedade!

Tia Luzia levou as mãos ao rosto e Tio Sandro agradeceu aos céus beijando a medalhinha de Santo Expedito que levava sempre consigo.

- Ah, crianças! - Tia Luzia sentou-se em sua cadeira e pegou a mão de Amália sobre a mesa - essa é uma notícia maravilhosa! Nós estávamos tão aflitos hoje de manhã!
- E nós também, Tia! - Amália apertou a mão da senhora - e olha que o papai não falou nada oficial ainda, acredita? Quem descobriu a intenção da reunião de vizinhos foi a Vitória.
- Reunião de vizinhos? - Tio Sandro se inclinou sobre a mesa - vão montar uma sociedade com os Jordão?
- Deus que me livre! - Francesco exclamou indignado com os cantos da boca sujos de caramelo de abacaxi - não teria castigo pior do que ter de frequentar a casa dos Jordão!
- A filha do Seu Teodoro Jordão ainda é apaixonada por você? - Guilherme questionou tirando onda, Sandro e Vitória riram.
- Poxa a Lurdinha é tão bonita, Frances! - Amália riu.

HERDEIROSOnde histórias criam vida. Descubra agora