XIII. Sentimentos

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- Isso não é um conto de fadas, Francesco, Hunf! - Francesco revirou os olhos e resmungou, era libertador expressar seus sentimentos em voz alta, ainda mais com tantos deles presos na garganta - mas eu devia imaginar! Devia saber que é isso que recebemos quando tentamos ajudar quem não quer ser ajudado!

No ímpeto da raiva, depois de tirá-la de seu cavalo, Francesco jogou a cela no apoio fazendo um barulho ecoante pelo estábulo. Alguns cavalos relincharam com o susto.

- Perdão! - ele gritou, sim, para os cavalos.

Num suspiro, Francesco olhou para Leonardo Da Vinci e fez carinho em seu focinho.

"Se soubesse o quão encrencado fiquei só de ter sido visto com você, nunca mais me faria pergunta alguma!" - a fala de Henrique ecoou na cabeça do italiano lhe causando uma ponta de arrependimento e desgosto. Ele fechou os olhos e encostou seu rosto em seu cavalo.

- Ah Léo - sussurrou e depois olhou nos olhos do puro-sangue - Odeio ter que admitir mas, no fundo, ele pode mesmo estar certo em não querer que eu o ajude.

Léo relinchou e bateu os cascos, Francesco ergueu o rosto.

- É uma pena não é? - ele suspirou mais uma vez mas acabou sorrindo com a memória - Acho que só eu consigo fazer aquele ranzinza sorrir de verdade.
- Falando sozinho outra vez, Francesco?

Num pulo, o garoto olhou para trás e, no nicho vago exatamente de frente para o de Léo, viu Marjorie sentada com os joelhos dobrados em cima de uma pilha de feno, e como sempre, com um livro nas mãos. Francesco nem se surpreendeu de não tê-la visto quando chegou.

- Está se sentindo tão só que agora anda conversando com os cavalos? Não se preocupe, suas aulas retornam daqui algumas semanas.
- Bom dia pra você também, Marjorie - ele diz e pega uma escova pendurada ali perto, passando a escovar a crina e a pelagem de Léo - e nem me lembre que as férias estão acabando, ainda bem que junto com as aulas de álgebra eu também ganho fins de semana na cidade com cinema e barracas de churros ao meu dispor.
- Está tão entediado assim?
- Eu diria que não mas já estou começando a cometer algumas loucuras pra ficar entretido então, estaria mentindo - Francesco riu consigo mesmo, se esconder embaixo da cama do filho do novo sócio de seu pai foi sem dúvida o acontecimento definitivo de suas férias.
- Isso me faz ter vontade de lhe perguntar o que foi fazer para sair da cama tão cedo.

Francesco olhou novamente para sua irmã mais velha, Marjorie o encarava com uma serenidade perigosa.

- Eu fui cavalgar, irmãzinha - Francesco sorriu – não é anormal o suficiente? Eu diria que sim.
- Bem, sim - ela concordou blasé, Francesco nem deu importância - mas o que você teria a me esconder não é?
- Por isso é a minha favorita, Marj.

Francesco piscou para a garota, Marjorie sorriu de leve e voltou a ler seu livro. Ela sabia que não era bem verdade.

- Você soube que os Castilho estiveram aqui? - ela perguntou sem tirar os olhos das páginas
- Não - Francesco mentiu - estiveram?
- Estiveram.
- E o que contavam de novo?
- Nada, creio eu - Marjorie encolheu os ombros com indiferença - apenas os dei bom dia e deixei que continuassem falando sobre vinhos e bois. O papai e o Seu Firmino parecem ser grandes amigos agora.

Sem poder expressar verdadeiramente suas impressões, Francesco soltou ar pelo nariz e ficou quieto. Depois de tudo que ouviu naquela manhã, não tinha quem fizesse com que o mínimo de respeito que ele um dia teve por Firmino Castilho retornasse. Lhe corroía saber que seu pai estava fazendo negócios com um sujeito como ele.

- Francesco?

Marjorie chamou baixo, Francesco sacudiu a cabeça e a olhou novamente.

- Sim?
- Você ficou quieto de repente - ela apertou os olhos – isso sim é estranho.

Francesco ficou alguns segundos olhando para a irmã. Sua língua estava coçando para contar tudo que sabia sobre o tão honrado Firmino Castilho, como ele traiu a esposa e renega o filho mais novo. Mas não, não podia. Francesco Villamazzo podia ser muitas coisas, mas desleal a sua palavra? Nunca.
Entretanto, ainda havia algo que ele podia fazer...

- Marjorie - ele pendurou a escova novamente, fechou o nicho e foi até a irmã - o que acha dos Castilho?

...ouvir o que a mais inteligente e observadora de suas irmãs tinha a dizer.

- De que adianta minha opinião? - ela passa uma página de seu livro - gostando ou não, agora são sócios do papai.
- Eu sei mas, aqui, entre nós - ele sentou ao lado dela no monte de feno - você realmente não vê nada demais neles? Claro, não necessariamente como a Marinês vê, mas em questão de... bem, caráter?

As sobrancelhas da gêmea de Amália se franziram quase imediatamente. Ela fechou o calhamaço em um estalo.

HERDEIROSOnde histórias criam vida. Descubra agora