Faltavam vinte minutos para às 11 quando Francesco finalmente abriu os olhos.
O sol do fim da manhã entrava com toda a intensidade pelas janelas, ele demorou pelo menos uns trinta segundos até perceber que de fato o cômodo parecia iluminado demais para ser o quarto que dividia com os amigos no internato.
Ele estava em casa outra vez, em seu quarto, no emaranhado de lençóis de sua cama ainda vestido de pierrot, e sentindo uma dor de cabeça infernal. De quem quer que tenha sido a ideia de traze-lo de volta para casa ao invés de deixá-lo no internato, ele se sentia eternamente grato.
Depois de muito procrastinar para enfim cambalear para fora da cama, Francesco foi direto para o banheiro jogar uma água fria no rosto, com a esperança de tirar o restante da maquiagem e ressuscitar sua alma antes que sua mãe o visse naquele estado.
Não fazia a menor ideia do que aconteceu depois da quarta taça de champanhe. Não fazia a menor ideia de como entrou no carro, como chegou em seu quarto ou como ainda estava vivo depois da primeira noite de bebedeira de sua vida, a única coisa que tinha certeza - além de que não queria ver álcool em sua frente nunca mais - era que havia beijado Lurdinha, pois esse tipo de coisa não se esquece com muita facilidade.
Ele olhou para seu reflexo no espelho, a maquiagem escorrendo cinzenta de seus olhos. Se sentiu horrível. Talvez não fosse má ideia ficar ali no banheiro pelos próximos dez ou vinte anos...
Já passava do meio dia quando Francesco desceu as escadas para o andar de baixo com o rosto devidamente limpo e mais ou menos recuperado. A casa estava silenciosa, por um momento Francesco até pensou que não havia ninguém, mas chegando na cozinha encontrou sua mãe e Tia Luzia conversando enquanto tomavam café.
- Bom dia mãe, Tia! - Francesco cumprimentou esfregando os olhos.
- Bom dia, Chiquinho!
- Bom dia, amore mio - Pilar sorriu - dormiu bem?
- Uma beleza - ele respondeu pegando uma xícara e servindo café para si, se juntando as mulheres na mesa - não me diga que fui o primeiro a acordar?
- A Amália estava aqui agora a pouco mas já saiu para arriscar a própria vida catando jabuticabas - Pilar respondeu tomando um gole de seu café nem um pouco contente - o restante das suas irmãs ainda dormem.
- O que é uma pena - Tia Luzia apoiou o rosto sobre a mão e olhou para o vaso de rosas vermelhas no centro da mesa de café - chegou este presente para a Marinês e algo me diz que a reação dela será algo lindo de se ver.
- Será que teremos casamento nos próximos meses? - Pilar citou cheia de expectativas.
As duas mulheres se olharam e deram uma risadinha. Francesco continuou enchendo sua xícara de café até alcançar a borda.
- Quem foi o desajuizado? - Francesco disse com a maior naturalidade.
- Francesco! - Pilar advertiu, blasé, o garoto apenas virou a xícara de café guela a baixo sem nem adoçar - foi uma gentileza, diria até mesmo uma doçura, oferecida por César Castilho à sua irmã. Ele as entregou pessoalmente está manhã após a partida do seu pai e do Senhor Castilho e seu filho mais velho para a capital.
- Papai já partiu? - Francesco desceu a xícara vazia de volta à mesa. Pilar confirmou - nem se despediu...
- Você conhece o seu pai, ele evita despedidas a todo custo - Pilar se levantou da mesa passando pelo filho lhe fazendo um cafuné no cabelo desalinhado - mas ele lhe mandou lembranças e pediu que não bebesse tanto da próxima vez.
Francesco congelou. Pilar deu dois tapinhas nos ombros do filho como um aviso silencioso de que ela sabia - e que definitivamente não queria ver uma cena parecida outra vez.
Quando a mãe saiu da cozinha, Francesco olhou devagarinho para Tia Luzia que o encarava com os braços cruzados em advertência.
- Ela esperou a gente chegar para ir dormir não é? – Francesco perguntou acanhado, Tia Luzia confirmou com a cabeça - Eu falei alguma besteira muito grande ontem?A caseira se levantou da mesa também, foi até a pia e voltou com um copão de suco de limão.
- Você só parecia mais feliz que o normal - Ela colocou o copo de suco em frente a Francesco e sua feição séria logo deu espaço a um sorriso acolhedor, ela não conseguia brigar com ele, nunca conseguiu.
- Menos mal - ele deu um gole e fez uma careta, estava bem forte.
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HERDEIROS
RomanceDetentores da maior vinícola do interior de Santa Catarina, a família Villamazzo nunca soube o que é ter problemas. Imigrantes italianos, todos os cinco filhos do Coronel Carlos Villamazzo toda vida foram criados a pão de ló, e esta era a única vida...