XXIV - O Trio do 46

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- Eu. Odeio. Álgebra!

Francesco quase gritou ao sair da sala de aula assim que o sinal da saída tocou, apertando na mão direita sua prova de matemática que acabara de ser corrigida e devolvida.

- Por favor me digam, em que área da minha vida eu vou usar polinômios? Pra dar nome aos parreirais?! - irritado, ele batia a ponta do dedo em cima da grande nota 4,0 escrita em vermelho no canto da capa de sua prova.
- Um parreiral chamado X³ talvez não ficasse tão ruim - Miguel comentou andando ao lado direito do melhor amigo, ele apertou a visão contra sua prova - vem cá, algum de vocês acertou a 5° questão? Foi a única que eu errei.
- Você tirou 9,5?! - passando seu braço por cima de Francesco, Nando tirou a prova da mão de Miguel sem aviso - você disse que não tinha entendido o assunto!
- Na verdade eu entendi, eu só...
- Não soube como explicar - Francesco completou junto ao amigo. Miguel sorriu e encolheu os ombros inocentemente.
- Seu CDF! Se não se formar advogado ninguém mais consegue! - Nando devolveu a prova a Miguel e esfregou seu punho na cabeça dele, bagunçando seus cabelos loiros - inclusive, vai trabalhar pra mim quando eu for prefeito não vai?
- Só se você me pagar, não vou trabalhar de graça só por que somos amigos de colégio, seu palerma!

Miguel lhe mostrou a língua, Nando devolveu, Francesco riu dos amigos enquanto dobrava sua prova de qualquer jeito e a colocava no bolso da calça, com sorte a esqueceria lá.

Era cinco e meia da tarde de uma quinta, as aulas daquele dia no Internato Santa Clara já haviam acabado e a maioria dos alunos do primário e secundário circulavam fora de suas salas. Nando, Miguel e Francesco, o trio do 46 como eram conhecidos dado o número do quarto que dividiam no alojamento estudantil, caminhavam pelos corredores quase como celebridades. Os três estudavam lá havia anos, mas sempre tinha alguém novo para encarar, admirar e principalmente cochichar quando os viam passar.
Mas até que não era difícil de entender. Um era filho do maior viticultor da cidade, outro de um importante agricultor e da Miss Dourados 1923, e fechando a trinca tinha o filho do prefeito! Não havia nem como não achá-los o ápice daquela cidade.

Eram jovens, bonitos e muito influentes. As pessoas se atraíam bastante por isso.

Eles haviam acabado de descer a escadaria para o corredor dos alunos do segundo ano, quando uma dupla de garotas passa por eles entoando em uníssono:

- Boa tarde Miguel! - elas acenaram graciosamente para o garoto.
- Boa tarde meninas! - ele sorriu acenando de volta gentilmente, seus olhos se fecharam em risquinhos.

As garotas passaram dando risadinhas, Nando e Francesco se entreolharam imediatamente com um olhar só deles. Diante do silêncio, Miguel juntou as mãos atrás das costas e sorriu esperto.

- Está vendo Francisquinho? - Nando cutucou o amigo com o cotovelo - bem que dizem que quem come quieto come bem...
- É Nando, os com cara de anjo são os piores...
- Vocês estão equivocados! - Miguel se defendeu - a Elisa e a Miriam são das aulas de reforço, as ajudei com as questões de ciências ontem.
- Sabia que eu devia ter me inscrito pra ser monitor - Nando socou o ar indignado - sempre achei a Miriam a morena mais bonita da cidade...
- Mas e a filha da vizinha da sua avó que até ontem você estava planejando mandar um buquê de margaridas? - Francesco questionou, não que estivesse mesmo surpreso com Nando e seus amores platônicos.
- Ok, talvez a segunda morena mais bonita. E a terceira é a sua irmã Amália.

Nando sorriu largo, Francesco lhe deu um soco no braço com uma certa força, ele grunhiu mas não deixou de gargalhar.
O trio já estava perto da saída quando, com um sorriso largo e o cabelo loiro preso em duas tranças pesadas que caíam por suas costas, Lurdinha sai de sua sala de braços dados ao noivo, que a esperava na porta disciplinadamente, como todos os dias desde o início do ano letivo.

Valério Candeias, apesar da linhagem tão notável quanto as do Trio do 46, não chegava nem perto da popularidade deles. Com quase dois metros de altura, ele era um garoto magricela de pernas e mãos finas e compridas, tão pálido que dava para ver as veias esverdeadas nos pulsos com facilidade, tinha algumas espinhas na testa, sobrancelhas bem grossas e escuras como o cabelo cacheado penteado com dedicação - e muito gel. A gravata vinho do uniforme sempre muito bem apertada ao pescoço, e o olhar acastanhado mirado para o chão.

Assim que o casal passou ao lado do trio de amigos, Lurdinha apoiou a mão livre em cima dos braços entrelaçados e firmou uma feição bem séria, fazendo questão de ignorar Francesco, Nando e até o próprio irmão.

Desde criança Valério sempre foi extremamente tímido, nunca olhava para o rosto de ninguém diretamente e não era novidade se ele passasse reto sem nem lhes dar atenção como fez sua noiva, Francesco achava que ele não tinha coragem nem de olhar o próprio reflexo. Por isso foi tão estranho quando ele e Miguel se encararam diretamente. Olho no olho.

Aquela cena não deve ter durado uma única fração de segundo, mas foi tão inédita que não conseguiu passar despercebida nem por Francesco, a desatenção em pessoa.

O sorriso de Miguel se fechou quase que imediatamente e ele passou a olhar fixamente para o caminho à sua frente até que a irmã e o cunhado já estivessem bem longe.

- Brrr sentiram esse ar gelado? - Nando esfregou os braços - já faz o quê? Uns quatro meses que ela não fala com você, Frances?
- Nem estou contando - Francesco enfim deixou de encarar Miguel e deu de ombros - na verdade, tem sido maravilhoso não receber mais bilhetinhos escondidos no meu estojo ou olhares fulminantes no intervalo.
- Ela deve estar colérica, e particularmente eu não a julgo! Não é nada romântico beijar uma garota e depois fingir que nunca aconteceu.
- O que sabe de romantismo? Nunca teve um comprometimento sério! - Francesco rebateu sentindo as bochechas avermelharem, Nando abriu um sorriso felino.
- Sei mais que você, tenho certeza.

Francesco rolou os olhos e riu. Nessa ele não teve chances, Nando era viciado em amar, devia saber mesmo.

- Inclusive sei tanto, que aposto que esse interesse todo repentino dela no noivo é só pra mostrar pra você o que perdeu.

Francesco encheu a boca para dizer um belo e sonoro "graças a Deus", mas em respeito à Miguel decidiu economizar nas palavras e se conteve.

- Eu prefiro pensar que ela finalmente escolheu o Valério, o que já não era sem tempo na verdade. Eles até parecem felizes! Não é, Miguel?

Nando e Francesco encararam Miguel no aguardo da resposta, mas o garoto continuava olhando para frente totalmente fora de órbita.

- Miguel? - Francesco chamou outra vez e tocou seu ombro - Miguel!
- Hm?! - Ele deu um sobressalto, olhou para a mão de Francesco em seu ombro e depois para a feição confusa de seus amigos - o que foi? Falaram comigo?
- Vish esse aí já está em outro planeta - Nando desdenhou.
- E que você ficou todo estranho depois que sua irmã passou, o Valério te deu a maior encarada...
- Ah, é? - o sorriso voltou ao rosto de Miguel - Pff nossa eu nem reparei! Estava fazendo anotações mentais. Tem três atividades para entregar amanhã, não posso me esquecer!
- Estão vendo? Isso que dá estudar tanto! - Nando cruzou os braços - Está ficando pancada aos poucos!
- Antes ficar pancada do que de recuperação, Sizenando! - Miguel rebateu dando fim a qualquer ao assunto anterior, pois se tinha algo que convencia Nando a mudar de assunto rapidamente, era discutir com Miguel.

Os dois começaram um bate boca sobre estudos e notas ao redor de Francesco - que embora não tenha se convencido muito com a desculpa do amigo, esqueceu o assunto Valério rápido e se encarregou de enumerar os rounds da "discussão". Nando estava ganhando nas desculpas de suas notas ruins quando finalmente o trio saiu do prédio escolar e deram os primeiros passos no gramado central do Internato.

Fundado no século 18, o Internato Santa Clara de Dourados fazia parte de uma rede de colégios tradicionais privados de alto renome do Estado de Santa Catarina. Sob grande influência dos moldes culturais ingleses, a estrutura se assemelhava às universidade europeias tendo um enorme campus que separava os prédios das aulas dos alunos do primário e secundário, o prédio dos alunos do científico e os dormitórios feminino e masculino um em cada extremidade do campus.
Por mais que houvesse uma boa parcela da elite da cidade estudando ali, a maioria dos alunos do Internato eram jovens de outras cidades que ingressaram através de bolsas de estudo ou à procura de um ensino mais aprofundado. Diziam as más línguas que Dourados, com seus míseros 20 mil habitantes, só não havia desaparecido do mapa por conta do prestígio daquele Internato - mas se perguntassem à Francesco, ele diria com toda a convicção (e presunção) que era por conta dos vinhos Villamazzo.

O dormitório masculino era composto de dois pavilhões de três andares. Nando, Miguel e Francesco dormiam no pavilhão A, no segundo andar.
Miguel e Francesco tinham acesso à um dormitório pois moravam na zona rural e muitas vezes ao longo do ano, devido às chuvas, as estradas ficavam inacessíveis. Já Nando foi parar lá no penúltimo ano do primário, logo após a ida de sua mãe para o exterior, era para ser um "castigo" do pai, que não estava gostando nada de sua rebeldia e fugas noturnas para festas. Mas o que o senhor prefeito não imaginava era que o tiro sairia pela culatra, e ao invés de domar o filho, o arranjou dois cúmplices.

Querendo ou não, o dormitório era o berço da amizade daqueles garotos.

Assim que passaram pela portaria, o trio deu uma pausa na conversa e na risada alta para cumprimentar um velho conhecido que eles amavam atazanar - e que como sempre, estava com o nariz enfiado em seu jornal.

- Boa tarde, Dona morte!

Francesco foi o primeiro a cumprimentar assim que viu Cícero, o zelador/secretário do pavilhão atrás do balcão, em seu posto de sempre. Miguel e Nando cumprimentaram-no alegremente também, já da parte de Cícero não se podia dizer o mesmo.

- Dona morte é o seu nariz - o homem de meia idade falou sem muita paciência, erguendo os olhos brevemente para fitar o rosto espoleta dos garotos que estavam atrapalhando sua leitura diária da coluna criminal.
- Alguém morreu hoje, Tio Ciço? - Nando brincou.
- Dona Quitéria - ele respondeu prontamente e negou com pesar - pobrezinha, a vida é um sopro.

Francesco negou com a cabeça e sibilou o "pobrezinha a vida é um sopro" junto a Cícero. Miguel riu lhe dando um tapa. Cícero fazia isso toda semana, por isso o apelido Dona Morte: sempre que alguém estava doente ou morria na cidade, ele estava sabendo. Um arquétipo essencial numa cidade pequena.

- Aposto meu jantar que ela tinha mais de 80 anos - Nando sugeriu, Cícero deu de ombros. Uma clara confirmação.
- Eles sempre tem mais de 80 anos... - Francesco cruzou os braços sem se surpreender.
- Inclusive Villamazzo, era com você que eu precisava falar.

Cícero fechou o jornal e tirou os óculos, jogando ambos em sua mesa bagunçada atrás do balcão que ele ficava o dia todo. Francesco se aproximou sem grandes expectativas - sua mãe ligou na diretoria mais cedo e disse que mandará te buscarem amanhã de manhã, pediu que se aprontasse até às 9h.
- Ué mas amanhã ainda tem aula, as férias só começam semana que vem - Miguel questionou.
- Banho de loja - Francesco respondeu sem um pingo de entusiamo e olhou para os amigos - Dona Pilar dá ponto sem nó? Vou passar a tarde toda provando roupas só para mancha-las de suco de uva tinto na pisa - ele suspirou - tudo bem Cição, estarei pronto. Obrigado pelo seu excelente trabalho.
- Não há de quê - o homem falou em um tom insatisfeito, Francesco riu.
- Ele prefere Dona Morte - Nando sibilou em provocação.

Sob forte influência de seu pavio curto, o funcionário pegou o jornal de volta da mesa e jogou na direção dos garotos que saíram correndo, rindo alto pela conquista de seu objetivo diário de tirar o pobre homem do sério.

- Então nosso pequeno Frances vai nos abandonar mais cedo? - Nando choramingou enquanto andavam pelos corredores.
- Achei que sua família deixaria a pisa da uva mais para o meio do mês como sempre - Miguel questionou.
- Deve ser coisa da sociedade, muita coisa mudou desde que os Castilho entraram nos negócios - o pensamento de Francesco foi longe, ele sacudiu a cabeça para não perder a linha de raciocínio - Mas vendo pelo lado bom, mesmo que seja pra ficar rodando por alfaiatarias a tarde toda, vou me livrar das aulas de amanhã! Olha que beleza.
- Pindarolas! - Nando deu um sobressalto e parou no meio do caminho com uma mão na cabeça, os amigos o olharam - se você vai voltar pra casa amanhã cedo um fim de semana antes do começo do recesso de junho, como fica a nossa festa do pijama de encerramento?
- Ih verdade - Miguel se deu conta também - não dá pra fazer sem o grupo completo, não tem graça!

Os três se entreolharam tentando pensar numa solução. Até que o rosto de Francesco se acendeu.

- Só tem uma solução pra esse problema! - ele disse em tom de mistério.
- Cancelar? - Miguel lamentou.
- Não.. - Nando captou a ideia de Francesco e sorriu largamente - adiantar!

Com a determinação estampada no rosto, o filho do prefeito deu meia volta e saiu correndo de volta ao início do corredor, gritando aos quatro ventos o nome do pobre zelador.

***

Eram 22:40. Faltava alguns minutos para o desligar das luzes do prédio. A maioria dos alunos e residentes já estavam em seus quartos se preparando para dormir e o movimento nos corredores era bem pequeno.
Francesco sempre aproveitava esses horários mais perto do toque de recolher para tomar banho pois detestava ter de pegar a fila do banheiro do internato. Às vezes acabava a água quente, mas quanto a fila, sempre funcionava.

Vestindo apenas uma calça de lã azul e a toalha sobre os ombros que o protegia de forma bem superficial do vento frio que entrava pelas janelas, Francesco subiu para seu quarto sem pressa, deixando sua mente devanear quanto a volta para casa no dia seguinte.
Aqueles quatro meses haviam se passado até bem rápidos. Foram desgastantes como qualquer dia letivo para quem odeia estudar, claro, mas bem menos torturante para quem estava longe de casa e refém de tradicionais – e algumas novas - saudades.

Durante aqueles meses ele recebeu visitas cheias de melodrama dos pais, ligações recheadas de fofocas das irmãs, até mesmo cartas de Tia Luzia e família embaladas junto à roupas novas e guloseimas caseiras. Era nessas horas que ele percebia que os amava muito mesmo - e também era muito amado de volta.

Mas ainda assim, havia alguém que ele não pode matar a saudade de forma direta, com palavras escritas ou faladas. E por mais que quatro meses não aparentem ser um longo tempo, é o suficiente para que as memórias se adaptem do jeito que quiserem, para bem ou para mal.

Ele voltaria para casa. E desde que saiu, não houve um dia em que não pensasse nisso.

Assim que entrou em seu quarto, Francesco encontrou Miguel deitado em sua cama com caderno, livros e canetas, balbuciando números e gesticulando contas nos dedos.

- Miguel é quase onze da noite, você devia estar contando carneirinhos não equaçõezinhas - Brincou Francesco enquanto abria sua mala em sua cama ao lado da de Miguel, a procura de uma camisa.
- Nem carneirinhos, nem equaçõezinhas, o que eu quero mesmo é contar bombinhas de chocolate que a secretária do pai do Nando vai trazer! - Os olho de Miguel brilharam.
- Não! - Francesco abriu o maior sorriso - o Nando é mesmo fogo, cadê ele inclusive?
- Acabou de descer pra buscar os lanches na portaria com a desculpa de que são "roupas extras" - Miguel se sentou de pernas cruzadas na cama e negou com a cabeça - A Secretária do pai dele merecia um aumento só por ter que sair de casa no meio da noite pra acatar as ideias malucas do Nando. Qual você acha que vai ser o xingamento da vez?
- O vocabulário da Paloma é bem extenso, mas duvido que supere o "mentecapto desassisado".

Miguel deu uma risada sonora jogando a cabeça para trás. Francesco riu mais da reação do amigo do que do xingamento em si, afinal, nenhum dos dois fazia a menor ideia do que raios era mentecapto desassisado.

- O que foi que eu perdi?

Com dois sacos de papel nas mãos, Nando estava de volta ao dormitório 46.

- Eita, minha ausência deixam vocês assim tão felizes? - Nando deixou os lanches em cima de sua cama ao lado da porta - já não basta a Paloma ter me chamado de filhinho de papai.
- Até que ela foi econômica dessa vez - Miguel se levantou de sua cama e foi até a de Nando - mas então, o que deu para trazer?

Empolgado, Nando pegou os dois sacos e os despejou em cima do colchão num mar de embalagens coloridas de diversos tipos de besteiras, doces, chocolates e caixinhas da padaria. Os três amigos sorriram uns para os outros.

- Escolham suas armas - Nando pegou uma das três garrafas de refrigerante e a abriu na ponta da estrutura de madeira de sua cama - a festa do pijama começou!

Francesco terminou de abotoar a camisa rapidinho e se juntou aos amigos, amontoando almofadas no chão entre as camas e deixando apenas as luzes dos abajures acesos. Assim que as luzes dos corredores se apagaram, eles se sentaram no chão e fizeram um brinde com as garrafas de vidro sob a luz dos abajures.

- A Paloma pode até te xingar depois, mas ela é demais! - Francesco tomou um gole do refrigerante.
- É, eu devo admitir que ela sempre me ajuda, mas isso não muda o fato dela ser uma chata metida a inteligente - Nando revirou os olhos.
- Veja lá hein, ela só é dois anos mais velha que você, quem sabe essa rivalidade de vocês não seja amor - Miguel sugeriu virando um pacote inteiro de jujubas na boca.
- Engraçado você dizer isso porque eu ia justamente dizer que vocês dois são alma gêmeas: dois CDFs chatos.

Nando fez uma careta para Miguel, que lhe mostrou a língua.

- Falando em almas gêmeas, ei Miguel – Tendo um acesso de memória, Francesco limpou o glacê das bombas de chocolate dos cantos da boca e perguntou - qual foi a daquela troca de olhares entre você e o Valério, hein?

Miguel paralisou. Nando, que até então estava distraído tentando abrir um pacote de salgadinhos, olhou de canto para Miguel.

- Como assim? - o garoto questionou imediatamente, mais sério que o normal.
- Não precisa nem disfarçar, eu vi bem o jeito que vocês se encararam. Parecia que ele ia virar pedra! - Francesco riu - conta pra gente, vocês tiveram alguma briga?
- Está preocupado com a Lurdinha, Frances? - Nando provocou, Francesco lhe acertou no ombro com uma bala de abacaxi.
- Olha eu não faço a menor ideia do que você esteja falando - Miguel sorriu de forma casual - mas se realmente isso aconteceu é porque de um jeito ou de outro nós nos conhecemos, ele ainda é meu cunhado, não é?
- Hm, é, faz sentido - Francesco deu de ombros. Miguel voltou a comer as jujubas - achei que tinham brigado ou algo assim. Já ia declarar feriado nacional "O dia em que José Miguel Jordão arrumou uma briga pela primeira vez" - Francesco disse de forma teatral, ilustrando a manchete com as mãos – me diga se não seria um evento?
- Às vezes ele estava pedindo socorro com o olhar, a possibilidade é muito maior - Nando comentou e todos riram - mas diz aí Miguel, como é a voz dele hein? Você já ouviu alguma vez? Ele fala nosso idioma mesmo?
- Que tal mudarmos de assunto? Já vou ver minha família no fim de semana, quero falar sobre outras coisas tipo... - Miguel olhou em volta do quarto a procura de um novo assunto até parar em Francesco - tipo essa camisa do Francesco que ele não coloca pra lavar há meses!
- É verdade! - Nando gargalhou - Não acredito que está usando essa camisa de novo, aí Miguel já sabemos o que dar de presente de aniversário: pijamas novos.
- Me deixem, é de estimação - Francesco abraçou a si mesmo com as mangas largas da camisa que ele usou pra dormir todas as noites desde o início do ano - pergunta pro Miguel se ele vai lavar o coelho de pelúcia encardido que ele esconde embaixo do travesseiro e acha que a gente não sabe.

O queixo de Miguel caiu, Francesco exibia um sorriso engraçado.

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