XXV. O homem da casa

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Aquela sexta-feira amanheceu bem nublada na Fazenda dos Castilho. Nuvens cinzentas passeavam pelo céu ensaiando uma chuva que poderia cair a qualquer momento.

O inverno costumava ser a época favorita de Vicente. Ele gostava das bebidas quentes, de sentar à beira da lareira para esquentar a sola dos pés, de usar casacos pesados, de ouvir a chuva no telhado e dormir enrolado com dois ou três cobertores de lã tricotados com esmero o ano inteiro pela mãe. Mas naquela manhã de junho enquanto caminhava rumo a porta de entrada para começar mais um dia, ao passar em frente à lareira da sala e pela primeira vez ver a poltrona de Vivian vazia, não houve chama que pudesse amenizar o frio daquela casa.

A lareira estava apagada, e o cômodo pouco iluminado pela luz gélida vinda da janela. Tudo estava em seu lugar de forma intocada havia meses. Lentamente, com os sapatos deslizando silenciosos no tapete num estranho medo de fazer barulho, ele se aproximou da poltrona acolchoada. O xale de Vivian ainda estava em cima da cabeceira. Ele quase se ouviu perguntando a mãe se ela não sentia frio cobrindo os braços com um tecido tão leve, e quase ouviu de volta, num fio de voz fraco desgastada pela pneumonia mal curada, ela lhe dizer que não fazia mais diferença, pois não sentia nada.

Ele tocou o tecido, o apertando entre os dedos. Ainda parecia fino demais.

- Ah, você está aqui! - acabando com qualquer silêncio, os sapatos de César escorregaram estridentes no piso quando ele parou abruptamente na entrada da sala de estar assim que viu o irmão mais velho - estava te procurando pela casa toda, o pai disse que você ia sair, achei até que já tinha ido.

Com as mãos nos bolsos, ele entrou completamente no cômodo e olhou ao redor, dando uma volta em torno de si.

- Faz tempo que não venho aqui, mas parece que nada mudou... - César sorriu nostálgico.

O olhar dele passeou pelo papel de parede de arabescos clássicos vinho e dourado, pelos móveis de madeira escura que combinavam com o resto da casa, o rolo de lã verde escuro ainda em cima da mesa de centro com a tira de um suéter que nunca foi terminado, o tapete que se bem lembrava era herança da família da mãe. César suspirou.

- É estranho não é? - Vicente comentou, ainda olhando para o xale em suas mãos.
- É... - César concordou, ele não costumava fazer isso se tratando de Vicente, mas daquela vez foi inegável - não ver a mãe aqui cantarolando baixinho no mundo dela, gastando rolos e rolos de lã, o cheiro de chá de cidreira... é que você não esteve em casa antes das últimas semanas, mas ela não saía dessa poltrona nem para almoçar.

Virando-se lentamente, Vicente olhou para cima da lareira de mármore onde ficava uma fileira de porta retratos. Na ponta esquerda havia uma foto do casamento dos pais, seguida de um retrato de Vivian na adolescência, depois uma foto bem antiga e desgastada do casal Leão, e no fim uma foto de Vicente e César junto da mãe quando crianças.

Os três estavam sentados em cima de uma toalha quadriculada na grama, atrás deles dava para ver a fachada do casarão. No centro da foto estava Vivian, com os cabelos castanhos ondulados como os de César presos num rabo de cavalo baixo, um sorriso largo no rosto e uma discreta barriguinha de gravidez. César estava em seu colo com um pirulito na mão e uma cara de choro, já Vicente estava sentado ao lado dela com as pernas cruzadas e um sorriso manhoso enquanto a mãe o olhava fazendo carinho em seu cabelo.

Vicente se lembrava daquele dia como se tivesse acontecido ontem, afinal, que criança de sete anos não adoraria acordar em uma manhã de verão e ver pela janela do quarto que o café seria um piquenique no jardim com doces, bolos e tudo que só podia comer depois do almoço e olhe lá? Aquela era sua memória favorita dela, talvez sua memória favorita de toda uma vida. Naquela época ela parecia simplesmente a mulher mais feliz do mundo e tudo era tão fácil...

- Essa foto - César pegou a moldura - Foi no dia que o pai saiu em comitiva e a mãe achou que seria ótimo comermos bombas de chocolate antes das nove. Grande dia...
- Uhum - Vicente acenou com a cabeça e apontou para o rosto choroso do pequeno César de 4 anos - e você passou a tarde chorando por causa de uma borboleta morta.

César riu e confirmou à medida que as memórias enevoadas começavam a voltar.

- Foram quantos pirulitos pra me fazer parar de chorar?
- Cinco, um deles era meu.
- Sinto muito, sempre fui mais sensível - César riu, Vicente sorriu levemente - ah mãe... Ela podia ter os problemas dela, mas nos amava de verdade.
- Você acha?
- Ela parecia nos amar nessa época - César deu de ombros.

Vicente ainda olhou um pouco mais para o quadro, para o sorriso largo e brilhante da mãe, para a pessoa que ela era antes de tudo. Tão linda e tão complexa. Ele nunca entenderia as decisões que ela tomou pelos dias que se seguiram depois daquela foto.

Ou melhor, as decisões ele poderia até não entender, mas os motivos, esses ele entendia bem.

Sem deixar que seus sentimentos o dominassem, Vicente colocou o retrato de volta na mesinha junto aos outros e se virou para sair do cômodo. Despreparado com a ação repentina do irmão, César deu um pulo e o seguiu.

- Disse que estava me procurando, o que foi? - questionou Vicente cheio de pressa. Já estava demorando demais ali.
- Eu vou dar uma saída agora - Respondeu César conseguindo o acompanhar depois de alguns passos compridos.
- Nem precisava dizer, esse seu perfume de canela com sândalo vai deixar bem claro para todos que estiverem em um raio de 200 metros de você.
- A Marinês gosta, é pra ela - César cruzou os braços e quase fez uma careta para o irmão - estamos indo lá na cachoeira. Ela quer fugir da arrumação pra festa dos Villamazzo então voltaremos só no fim da tarde.
- Tudo bem, divirta-se então.
- Só isso? Divirta-se? Imaginei que ficaria feliz de saber que teria um tempo com a sua garota.

Com um sorrisinho cheio de malícia, César cutucou o braço de Vicente com o cotovelo.

- Também estou de saída, mas irei vê-la antes de ir - Vicente respondeu normal, sem toda aquela euforia esperada de quem vive o primeiro amor, pelo menos aos olhos de César, que quase se sentiu ofendido.
- Sinceramente não sei como você e a Vitória dão certo, ela é tão...

Com um sorriso brilhante e feição alucinadamente alegre, César movimentou as mãos acima da cabeça balançando os dedos na tentativa de simular brilhos. Vicente revirou os olhos e quase riu.

- Ela é tão alegre e sorridente, é quase o próprio sol! E você um ranzinza apático.
- Eu sou de ações, meu irmão. Deixo as emoções para você.
- Hm, foi por essas e outras que a mãe acabou da forma que acabou...

Vicente parou bruscamente no meio do caminho e olhou para césar de um jeito tão fulminante que o fez engolir seco.

- O que quer dizer com isso?!
- Já faz um tempo que eu quero lhe dizer isso, então é melhor dizer logo - César tomou coragem de repente, Vicente apertou os olhos curioso - você anda se fechando muito nos últimos meses, tomando decisões grandiosas sem nos consultar, está cada vez mais imprevisível e eu nunca sei o que esperar de você.

Vicente olhava fixamente para César com uma verdadeira cara de interrogação.

- Olhe - César puxou o ar tentando não deixar a coragem o abandonar justo agora - ultimamente você anda muito parecido com a nossa...
- Ah não! Não, nem termine esta frase! - Vicente interrompeu no mesmo momento e massageou as têmporas - quantas vezes eu vou precisar dizer que tudo que eu faço é pra não deixar essa família desmoronar de uma vez?
- Tudo mesmo? Tem certeza?
- Ah César, faça-me o favor, você tem mais de vinte anos, esse seu ciúme do Henrique nem faz mais sentido!
- Eu não estou com ciúmes! Não estou nem falando do Henrique!
- Então fala de quem? Porque preocupado comigo eu tenho certeza que você não está.

César ainda abriu a boca para respondê-lo mas desistiu de última hora, suspirando pesado e passando as mãos pelo cabelo.

- Tá, tudo bem, você está certo. Talvez eu esteja mesmo com ciúmes, sei lá. Esquece.
- A nossa mãe tinha um problema, César, ela estava doente! Você sabe do que estou falando - foi a vez de Vicente suspirar, para logo endireitar os ombros e vestir novamente aquela capa impenetrável, de quem sempre tinha o total controle de tudo - Eu não sou como ela.

Ele enfatizou olhando bem fundo no rosto do irmão. Engolido pelo olhar dele, César baixou o olhar na defensiva.

Dando a conversa como clara e encerrada, Vicente deu as costas e seguiu pelo corredor. Mas no meio do caminho, César chamou-o uma última vez.

- Você ama a Vitória?

Ele perguntou com clareza. Já meio impaciente, Vicente olhou para trás.

- César por fav...
- Responde - ele ficou sério, de um jeito que Vicente nunca havia visto antes - você a ama mesmo? De verdade?

Vicente estranhou a pergunta, chegou até a desconfiar, mas precisava de muito mais do que isso para conseguir fazê-lo sequer baixar a guarda.

Com a esperteza no olhar e a réplica na ponta da língua, ele observou o irmão dos pés à cabeça.

- E você? Ama a Marinês?

E sem dar tempo de ouvir a resposta de César, Vicente deu as costas e seguiu corredor a frente. Chegando na porta de entrada, pegou seu chapéu no cabideiro, enfiou as chaves do carro no bolso e saiu. Sem mais nada a se preocupar.

Vicente pegou o Cord 810 do pai e desceu pela estrada de terra principal, tentando concentrar sua cabeça apenas em dirigir.
Mesmo que depois as coisas sempre se ajeitassem sozinhas, discutir com o César definitivamente não era seu esporte favorito. Querendo ou não ele era o mais perto que Vicente tinha de um aliado, e as coisas poderiam ficar complicadas se ele resolvesse não colaborar mais com ele.

Ao pensar na possibilidade, Vicente sentiu um riso sarcástico querer tomar seu rosto. Era impossível. Ele não tinha tanta confiança a tal ponto.

Em menos de dez minutos na estrada enlameada da chuva que dera noite passada, Vicente estacionou em frente à cancela dos fundos da Fazenda Villamazzo, no canto da estrada. Sem dificuldade, puxou o trinco enferrujado e entrou, pisando na grama úmida de sereno. De um lado havia o parreiral e do outro pés de manga e outras árvores frutíferas. Mal havia passado das árvores quando ouviu um vozerio vindo lá de cima da porteira do pomar.

Ao passar em frente, viu Guilherme, Nininha, Amália e Marjorie juntos conversando alto. Marjorie e Nininha estavam sentadas na grama, pareciam ler um livro juntas, já Guilherme e Amália estavam sentados em cima da porteira de madeira, degustando uma pilha de jabuticabas recém colhidas do pé dispostas numa pequena cesta de palha.

- Bom dia, Seu Vicente! - Guilherme acenou com o chapéu assim que o viu passando, Amália acenou grandemente com a boca cheia.
- Bom dia Guilherme, Nininha - ele tirou o chapéu e fez uma mesura à Marjorie e Amália - cunhadas!
- Ora essa - Amália gargalhou alto, Marjorie o seguiu com o olhar sem esboçar reação alguma - está vendo Marjorie? já está todo soltinho o Castilho! Vou contar ao papai sobre suas intenções com a minha irmã!
- Ó não tudo menos isso!

Vicente dramatizou, exibindo um sorriso bem humorado logo depois, Amália, Guilherme e Nininha riram. Ele acenou com a cabeça novamente e seguiu o caminho até a entrada da cozinha.

- Eu gosto dele - ele ouviu Amália dizer - muito mais do que o outro, o César não nos dá nem um bom dia, gosto de gente que fala, que interage!
- A Vitória tirou mesmo a sorte grande - Nininha comenta com um quê sonhador na voz.
- O que acha, Marjorie? - Amália questionou cutucando o ombro da irmã com o pé - Qual dos dois irmãos é melhor? César, o garanhão, ou Vicente, o homem da casa?
- Nenhum - Marjorie respondeu na lata, provocando uma risada instantânea na irmã gêmea. Guilherme negou com a cabeça e cuspiu longe uma semente de jabuticaba.
- Vocês deviam parar de falar dos outros desse jeito! Ele deve até estar ouvindo! - Guilherme advertiu, e ele realmente tinha razão.

Ao passar pela área externa, já havia uma cesta cheia de uvas roxas maduras e cheirosas para a confraternização. Não era muito, mas foi o que restou da safra destruída pela chuva, e seria como o Coronel Villamazzo dissera ao convidar os Castilho na semana anterior: é necessário agradecer o pouco e o muito.

Ao adentrar a cozinha vazia, mal Vicente se aproximou do corredor, ele viu a Senhora Villamazzo sair do quarto de Amália e Marinês com uma caixa de madeira nos braços. Ela logo notou a presença dele.

- Buongiorno caro mio! - ela cumprimentou sorrindo, Vicente foi até ela.
- Buongiorno, Senhora Villamazzo! - Ele respondeu meio desengonçado, conseguindo dela um sorriso ainda maior.
- Está melhorando, hm?
- Sua filha tem me dado algumas aulas - ele sorriu de volta - a senhora precisa de ajuda?
- Ó querido, não se incomode, você é a visita!
- Não é incomodo algum, Senhora! Imagi...
- Va bene, se insiste.

Facilmente convencida, Pilar praticamente jogou a caixa de madeira nos braços de Vicente e continuou andando refinadamente até o saguão com um leve sorriso vitorioso no rosto. Vicente riu baixinho e a seguiu.

- A Vitória está lá em cima, mas já está descendo para me ajudar a escolher algumas fotos - Disse Pilar abrindo a porta da sala de estar, Vicente a segurou com o pé para não fechar e entrou atrás dela - veio só ver a Vitória ou também acompanhar seu pai? Ele está na adega escolhendo os vinhos junto ao Carlos.
- Ele nem sabe que estou aqui para ser sincero. Hoje estou de passagem, estava indo ao centro e resolvi passar para vê-la.

Pilar se sentou no divã e Vicente colocou a caixa de madeira com cuidado ao seu lado.

- Obrigada, querido - ela sorriu inclinando a cabeça graciosamente, os cabelos ruivos com fios grisalhos deslizaram pelos ombros
- Não há de quê - Vicente acenou com a cabeça em respeito - posso ajudar em mais alguma coisa?

Vicente mal terminara de perguntar quando viu os olhos da esposa do Coronel brilharem. Ele podia até ter perguntando apenas por educação, mas no fundo sabia que falou exatamente o que ela queria ouvir. Quando se deu conta, estava sentando no divã junto a Pilar folheando uma pilha de álbuns de fotografia da família Villamazzo.

- Olhe, aqui somos nós numa viagem de navio que fizemos para a Itália, a Amália e a Marjorie tinham um ano e meio e chegaram lá com quase dois - Pilar riu sozinha e passou mais uma página.
- Faz muito tempo que vocês foram à Itália? - Vicente perguntou entretido
- Ah, há uns dezoito, dezenove anos, o Francesco nem era nascido. Fomos só eu e o Carlos, para o enterro da mãe dele. Ele a amava muito, e por ter perdido o pai na adolescência nunca soube lidar muito bem com morte. Ir à Itália para ele agora é só uma forma de reviver más lembranças. Então não fomos mais.
- E a senhora não tem vontade de voltar lá?
- Já tive mais, confesso. Mas agora que minhas irmãs estão aqui no Brasil, o único laço familiar vivo que me prendia a Itália, já me sinto entregue de uma vez à esta terra - Pilar olhou em volta, admirando sua casa - quando me casei com o Carlos, caspita, ele era um pé rapado! Era um peão de fazenda, não tinha onde cair morto e meus pais ficaram malucos! Eles não entendiam o porquê de eu amá-lo tanto. Mas o que me fez apaixonar, além de sempre ter sido o mais bonito da vila - ela sussurrou com humor - foram os sonhos dele. A determinação, a sede que ele tinha de ser alguém. Ele fez de tudo pra levantar essa vinícola, para manter a família sem faltar nada e por mais difícil que tenha sido, ter embarcado na loucura de um garoto pobre da Sicília que queria vir ao Brasil plantar uvas deu mesmo certo...

Pilar olhou para Vicente e segurou a mão dele com um afeto maternal. Vicente se assustou brevemente com a ação, mas não recuou.

- Você entende o que quero dizer, não é filho? - os grandes olhos azuis de Pilar encararam o rosto do Castilho - nada nessa vida vem fácil, mas se você ama mesmo a minha filha, é bom ter certeza de que além de amá-la muito, você vai fazer de tudo para manter uma família estruturada onde nada nunca falte. Esse é o exemplo que ela tem em casa, esse é o futuro que eu e o pai dela esperamos para os nossos filhos.
- Vicente?

A voz surpresa de Vitória irrompeu no salão de estar assim que Pilar terminou de falar. Ela foi da feição séria para um sorriso de quem não estava apavorando o genro em questão de segundos. Vicente olhou para a porta e viu Vitória se aproximar.

Ela usava um vestido amarelo de gola balsa e mangas godê rodado, até os joelhos. Os cabelos pareciam mais ondulados que o normal, mas o mesmo sorriso e brilho no olhar estavam lá. Vicente se levantou para recebê-la.

- Que faz aqui tão cedo?
- Estava indo à cidade e aproveitei o caminho para te ver - ele tomou a mão de Vitória a levando até os lábios, deixando um beijo delicado em sua pele - está linda.
- Ah o amor jovem... - com um sorriso levemente irônico no rosto, Pilar umedeceu a ponta do dedo indicador e passou mais uma página do álbum.
- Inclusive, Mama - Vitória voltou-se para a mãe - encontrei o Tio Sandro no saguão e ele disse que irá atrasar um pouco para buscar o Frances pois o carro do papai está fazendo um barulho estranho.
- Eu mandei avisar que o buscaria agora às nove! Acho que terei de pedir ao Guilherme para buscá-lo com a caminhonete...
- Eu posso buscá-lo agora, Senhora - Vicente se ofereceu - vou passar bem em frente ao Santa Clara.
- Faria isso mesmo, meu bem? - Pilar sorriu encantada.
- É caminho, não seria incômodo algum.
- Oh obrigada querido! Ser prestativo conta muitos pontos para entrar nesta família, está aprendendo com facilidade.
- Mãe! - Vitória enrubesceu, Pilar riu sabendo exatamente o que estava fazendo.
- Irei avisar ao Sandro - ela deixou o álbum de lado e se levantou do divã - Até mais, crianças.

E com sua típica classe e chiqueza, a Senhora Villamazzo passou pelo casal com um sorrisinho esperto no rosto e saiu da sala de estar.

- Desculpa a minha mãe, às vezes ela é incisiva demais.
- Está tudo bem - Vicente riu casualmente - acho que me virei bem.
- Encantador de famílias não é? - Vitória brincou, Vicente lhe ofereceu o braço e ela o pegou.
- Eu te falei que só tenho cara de mau.

Rindo, os dois foram caminhando de braços dados pela casa até chegar de volta ao gramado dos fundos.

- E o Henrique, como ele está? - Vitória perguntou assim que se viram completamente sozinhos.
- Está bem. Entocado dentro de casa como sempre montando quase uma exposição de tantos quadros pintados. Acho que ele está começando a ficar entediado.
- O Francesco sempre pergunta dele quando ligo para o internato, eles devem estar com saudade um do outro.
- Eu não sei porquê não trocam cartas. Já disse várias vezes ao meu irmão que faria questão de mandar entrega-las!
- Certas conversas só funcionam pessoalmente, sabia? - Vitória tentou convencer Vicente, ele franziu as sobrancelhas - Não se preocupe tanto com isso, jovens são assim. Você nunca criou caso em uma coisa simples aos quinze, dezesseis anos?

Os dois se entreolharam. Vicente fez um biquinho confuso.

- Deixe para lá - Vitória riu. Não era como se ela tivesse sido muito problemática nessa idade também.

Eles continuaram andando de braços dados pelo gramado, ao passarem em frente ao pomar já não havia mais sinal de Nininha, Guilherme e as gêmeas. O vento assobiou fazendo as folhas das árvores farfalharem e um ou outro bem-te-vi cantava em algum lugar.

HERDEIROSOnde histórias criam vida. Descubra agora