XVII. O que farei quando você se for?

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De início, o plano era ir ao lago uma vez a cada dois dias e voltar antes do amanhecer. Entretanto, as coisas mudaram logo no primeiro dia quando os dois só voltaram para casa às cinco da manhã depois de se entreterem numa competição de quem jogava a pedrinha mais longe na água. Henrique ganhou.

Marcaram então de se verem outra vez no dia seguinte, seria só daquela vez, para uma revanche. Os dois foram, mas enquanto escolhiam as pedras começaram a conversar e contar histórias até esquecerem completamente da competição. O dia amanheceu outra vez, eles marcaram de se ver novamente na noite seguinte. "Não há empecilhos mesmo" Francesco dizia com tranquilidade.

Então as conversas se tornaram mais longas, os encontros cada vez mais frequentes, e quando se deram conta, ir ao lago à meia-noite já havia virado rotina, e as madrugadas ficavam cada vez menores comparado a tantos assuntos que surgiam do mais simplório nada.

Conversavam sobre o clima, sobre o que fizeram no dia, sobre suas sobremesas favoritas - e brigavam pois Henrique não era tão fã de doces e isso não entrava na cabeça de Francesco de jeito nenhum -, fofocavam sobre a vizinhança e as aventuras de Francesco no internato com Nando e Miguel, e sobre as coisas mais aleatórias possíveis, como da vez em que passaram mais de meia-hora discutindo sobre a grafia correta de "Umbigo".

"- Isso não faz o menor sentido! - Francesco exclamou incrédulo - você tem certeza que é UMbigo?
- Quem em sã consciência fala "imbigo"?! - Henrique juntou as mãos tão incrédulo quanto.
- MAS NÃO FAZ SENTIDO! É tipo que nem "indiota"!
- ...
- Não é assim que fala?
"

Eles conseguiam conversar sobre tudo, até se surpreendiam com isso, mas sem dúvidas as melhores noites eram quando contavam histórias de infância. Francesco ficou com dor de barriga de tanto rir quando Henrique lhe contou sobre a vez em que ele e César, aos seis e nove anos, beberam metade de uma garrafa de vinho achando que era suco de uva. E Henrique continuava duvidando que Francesco correu quase 20km montado em uma cabra quando tinha três.

Por algumas vezes os dois acabaram adormecendo na beira do lago e só acordavam quando o sol das seis ultrapassava a copa das árvores e atingiam seus rostos em cheio - assim como o desespero com a hora perdida. Mas incrivelmente, sair e entrar em casa vinha sendo uma tarefa cada vez mais fácil, principalmente - e surpreendentemente - para Henrique.

Ele havia contado a Francesco sobre Vicente o ter visto saindo ainda naquela primeira noite, e ele não poderia ter achado melhor ter Vicente como aliado. Foi a primeira vez que os dois concordaram em alguma coisa.

"- Desculpa o atraso - Francesco chegou arfando de uma correria. Ele ergueu a cesta de palha que trazia nas mãos - a Tia Luzia demorou mais que o normal na cozinha, ela quase me viu mas consegui trazer um bolo de milho!
- Se arriscou tanto assim por conta de um bolo de milho? - eles se sentaram na grama e Henrique pegou seu pedaço - está perdoado.
- Folgado - Francesco lhe mostrou a língua, ele riu - do contrário de você, minhas irmãs não me incentivam a fugir de casa e ser rebelde, na verdade diria que elas temem isso.
- Privilégios de um histórico brilhante de obediência e requinte, é ótimo, deveria tentar.

Henrique deu de ombros e Francesco lhe tomou a fatia de bolo.

- EI!"


Eles só não se viam nas madrugadas de sábado para domingo, pois além de ser mais difícil sair de casa com as irmãs e os caseiros todos reunidos para ouvir a radionovela, os capítulos eram sagrados até para Francesco. Ele insistiu bastante para que Henrique também passasse a ouvir a história de amor e vingança de Piedade e Juan Roberto. De primeira ele até se fez de difícil, mas já no dia seguinte vasculhou o casarão Castilho inteiro atrás de um radinho, passando a ouvir os capítulos religiosamente desde então, Francesco nunca poderia saber que venceu.
Ele jurava para si mesmo que era só para saber do que tanto o italiano tagarelava, mas no fundo, sabia que também era para se sentir mais perto dele naquele único dia em que não conseguiam se ver.

Mesmo após semanas, eles ainda não admitiam muitas coisas um para o outro, como o fato de Francesco ficar relembrando histórias e colecionando possíveis assuntos a tarde inteira só para contar a Henrique à noite, e quantas vezes já foi questionado por suas irmãs ao ser pego rindo sozinho pelos cantos de algo que elas nunca sabiam o que era. Henrique também nunca admitiria que ver Francesco era melhor parte de seu dia, e que a imagem dele não saía de seu caderno de desenhos – e principalmente de seus pensamentos de forma cada vez mais frequente.

Mesmo em meio a tanto orgulho, no fundo eles sabiam que não importava a quantidade de farpas trocadas e as diferenças gritantes, no fim da noite tinham certeza que estariam na beira do lago rindo de qualquer piada ruim, contando histórias, se alfinetando e curtindo aquela relação de amor e ódio que construíram negando veementemente gostarem um do outro, pois segundo Francesco: "falar que eram amigos em voz alta soava estranho", e Henrique não deixava de concordar.

Eles não se diziam amigos. Mas aprenderam de forma mais que natural a gostarem um do outro o suficiente para o que quer que quisessem ser.

Era o primeiro domingo de fevereiro e Henrique sentia cada vez mais que os dias passavam rápidos demais para acompanhar.
Como na maioria de suas tardes mais normais ele estava sentado numa cadeira ao pé da janela de seu quarto, desenhando o que o bloqueio não o deixou desenhar no passado. Era uma onda de criatividade libertadora.

- Olá - Vicente bateu duas vezes na porta entreaberta, Henrique o recebeu com um sorriso simples - atrapalho?
- Imagine! - ele respondeu receptivo, conseguindo um sorriso orgulhoso do irmão.

Com calma, Vicente entrou no quarto encostando a porta atrás de si e se aproximou, observando o que o caçula estava fazendo desta vez.

Vitórias-régias floridas num lago cristalino, emoldurado de flores dente de leão, sapos e borboletas entre a relva. Ele reconheceu a paisagem, mas não disse nada.

- Está ficando ótimo.
- Aos poucos estou me desenferrujando...
- Devo dar o mérito ao "irritante"?

Henrique olhou para Vicente que sorriu afiado. O garoto revirou os olhos claros e fechou seu caderno.

- Não, não deve! - ele segurou na garganta um risinho denunciador, Vicente riu disfarçadamente - então, a que devo sua visita?
- Estamos indo à Fazenda Villamazzo.

Henrique despertou, endireitando a postura e ficando atento.

- Vamos agora e voltaremos no início da noite, mas se o Coronel oferecer mais de uma garrafa de vinho branco, pode ser que retornemos algumas boas horas depois.

Os braços de Vicente se afrouxaram e ele apoiou as mãos nos bolsos da calça. Os irmãos se entreolharam entendendo o plano sem precisar de uma única palavra.

- Obrigado por tudo que vem feito, Vicente.
- Você é meu irmão, é meu dever ser seu cúmplice.

Vicente tocou o ombro de Henrique lhe dando um apertão confortante. Depois de semanas o acobertando e de certa forma indo contra o pai, agora Henrique finalmente conseguia acreditar que Vicente estava mesmo do seu lado. E era bom saber que ainda tinha alguém dentro de casa que pudesse confiar.

- Bem, era só isso... - Vicente recolheu sua mão - sairemos daqui alguns minutos, pedirei ao Francesco que vá até o lago então se apronte.

Henrique acenou com a cabeça e sorriu. Vicente sorriu de volta e voltou para a porta. Mas assim que encostou na maçaneta, virou-se novamente.

- Ah, não se esqueça de perguntar o endereço do internato em que ele estuda.
- Do internato? - Henrique franziu as sobrancelhas
- Pensei que gostaria de mandar cartas quando ele voltar para a cidade, as aulas retornam esta semana após os festejos de carnaval, ele não lhe contou?

As palavras o atingiram como um balde água fria. Ele sabia que alguma hora as férias de Francesco acabariam mas foi como se seu cérebro tivesse apagado aquela informação. Talvez ele estivesse em negação todo aquele tempo e o choque de ser lembrado o pegou de calças curtas.

- Henrique? - Vicente chamou percebendo como o rosto do irmão esmaeceu.
- Eu... havia me esquecido, é, me esqueci completamente... mas ainda bem que me lembrou a tempo de me despedir.
- Ei, não precisa ficar assim, duvido que ele vá esquecer de você.
- Não é bem isso que eu temo.
- Quer me contar então?

Vicente olhou para Henrique disposto a ficar mais alguns minutos para ouvi-lo se ele quisesse desabafar, mas o sorriso leve no rosto de Henrique não foi de quem gostaria de chorar mágoas tão cedo.

- Eu sairei assim que vocês partirem - ele se levantou da cadeira - obrigado novamente, estarei de volta antes que percebam.

Ele sorriu uma última vez para o irmão mais velho e saiu do quarto fugindo novamente de suas emoções. Vicente nem pensou em impedi-lo.

Henrique caminhou pelos corredores sem pensar muito para onde iria, a cabeça ocupada demais.
Francesco e Henrique não admitiam muitas coisas um para o outro. Para Henrique, mais do que os desenhos e a inspiração que o italiano o trazia, ele não admitiria que depois de tantos dias naquela rotina, quando voltava para casa ao nascer do sol e se via completamente sozinho em seu quarto novamente, um estranho e amargo medo subia-lhe a garganta o trazendo de volta para o velho casarão Castilho e toda a sua solidão. Longe dos lanches de rua, das sessões de cinema, das professoras de álgebra e erros de gramática. Longe das histórias e piadas sem graça dele, longe das mil cores de Francesco.

Ele não sabia se ainda conseguia se acostumar a solidão novamente. Isso o assustava.

Os cavalos partiram poucos minutos depois, Henrique os viu seguir pela estrada encostado na cerca do curral. A distância, César ainda lhe acenou cheio de deboche achando que o motivo de seu rosto sério fosse ser ele o único filho a ficar para trás. Firmino o olhou rapidamente com a frieza de sempre, mas já não fazia mais diferença. Já Vicente, bem, ele tentou sorrir mostrando que ainda estava lá.

Pelo menos ele ainda estava lá.

Com a família já longe o suficiente, Henrique seguiu para o lago mais cabisbaixo do que pretendia. Ele se sentou perto da água e abraçou os joelhos mergulhando no momento. Ouviu os pássaros, o vento nas árvores, a água balançando, o sol quente na pele. Ele poderia voltar ali a qualquer momento, mas nunca seria a mesma coisa.

Um novo pensamento lhe veio à cabeça surtindo um pequeno sorriso nostálgico em seus lábios. O que Vivian lhe diria numa situação como essa? Ela acariciaria seus cabelos e diria que ele nunca estaria sozinho assim como Vicente fez? Ela iria gostar de Francesco e de como ele o fazia rir. "gosto de quem te faz bem, meu amor", ele até conseguia ouvi-la dizer.

Bobagem - pensou, a verdade é que se Vivian estivesse viva, ele provavelmente nunca teria se aproximado de Francesco, não como as coisas se deram.

Ou talvez se aproximassem sim, mas não como o mimado Francesco e o filho secreto do rei do gado. Mas como o herdeiro Villamazzo e aquele garoto Castilho sentado na ponta da mesa, silencioso e mais diferente dos irmãos do que deveria. Eles trocariam olhares comuns, tirariam suas próprias conclusões e acabaria ali.

- Oi

Inclinado sobre Henrique apoiando as mãos em seus ombros, Francesco surgiu de cabeça para baixo diante dos olhos dele, seu sorriso largo estava ali como sempre. Henrique pensou que se sentiria triste ao vê-lo, mas não chegou nem perto disso.

- Oi - ele inclinou a cabeça para cima para o ver melhor e sorriu, sentindo seu coração saltar alegre em seu peito - não te ouvi chegar.
- Percebi - Francesco soltou-lhe os ombros e se sentou ao lado de Henrique - O Vicente me passou o recado assim que me viu, te deixei muito tempo esperando?
- Se deixou eu não percebi, mas o que são alguns minutos comparado há alguns meses, não é?

Francesco riu soprando ar pelo nariz num entendimento rápido.

- Antes que ache que sou algum desalmado, eu ia te contar hoje.
- Ia mesmo?
- Para com isso! - Francesco lhe deu uma cotoveladinha no antebraço - eu nunca sumiria assim sem mais nem menos, e nem pense também que estou morto de vontade de voltar a estudar pois não estou.
- Mas você ama aulas de álgebra!
- Está todo irônico hoje não é?!

Henrique deu de ombros, Francesco revirou os olhos e riu.

- Eu não vou te abandonar seu dramático - Francesco sacudiu Henrique pelos ombros, ele reprimiu um sorriso e evitou os olhos azuis do Villamazzo - sei que morreria de tristeza em dois dias sem a ilustre presença de sua musa inspiradora, você me adora, não vou te condenar.
- Ainda é chocante a quantidade de besteiras que você consegue dizer em uma só frase.
- Se você não gostasse, não estaria aí com essa cara de cão arrependido.

Os dois finalmente se olharam, diante da seriedade de Henrique, Francesco firmou ainda mais seu rosto bem humorado. Ele sempre dava um jeito de quebra-lo.

- Vou mandar cartas te xingando todos os dias por ser tão insolente - Henrique sorriu de leve.
- Não esqueça de assiná-las com "Do seu maior admirador, Henrique Castilho".
- Claro! Vai querer flores também?
- Só se forem gazânias, se não, mande apenas a carta.
- Anotado - Henrique levou as mãos ao rosto e riu. Como resistir? - e você já sabe quando vai?
- O Miguel e o Nando queriam que eu ficasse na cidade depois da festa de carnaval esta noite, as aulas retornam na terça então pouparia dar duas viagens, mamãe apoiou.
- Esta noite então... hoje?
- Uhum - Francesco acenou com a cabeça - eu tinha prometido que não ia mais invadir a sua casa mas, antes do Vicente me avisar eu já planejava bater na sua janela antes de ir. Ver a sua cara de espanto melhoraria totalmente o meu humor.
- Você a teria pode apostar.

Ainda com um sorriso nos lábios, Francesco se esparramou no chão e fechou os olhos. A pálpebras cintilaram no sol alaranjado das 16 horas.

"Não tanto pela visita" - Henrique pensou, só pensou.

- Ah você devia agradecer por ter estudado em casa a vida toda, Castilho - a voz de Frances se arrastou enquanto ele se espreguiçava - tem certas coisas sobre viver em sociedade que sinceramente ugh!
- Uma festa de carnaval não parece o fim do mundo pra mim - Henrique se deitou ao lado dele, seus ombros se tocaram.
- Não, uma festa de carnaval é ótimo! O que não é ótimo é ser perseguido pela irmã mais nova do seu amigo.
- A Lurdinha vai estar lá?
- Infelizmente!
- Maravilha - Henrique gargalhou - adoraria ver você fugindo dela.
- Adoraria ver você fugindo dela! - Francesco retrucou também rindo - se ela já não estivesse noiva podia apresentar vocês dois, te garanto que nunca mais ia saber o que é espaço pessoal.
- Dispenso, obrigado, já percebi que não sei lidar muito bem com garotas.
- A Lara que o diga, hm?
- Ela ainda evita olhar para mim, mas tenho certeza de que fui educado o suficiente.
- "Desculpe Lara, mas sua tamanha graciosidade é demais para um vampiro como eu" - Francesco apoiou o dorso da mão na testa de forma teatral.
- Eu não disse isso!
- Verdade, você disse que era uma górgona.

Henrique revirou os olhos e deu um sorrisinho.

- Se acalma, garanhão - Francesco lhe deu um tapinha no ombro com o dorso da mão - ainda há tempo para achar a tampa da sua panela, você vai achar tenho certeza.

Devagar, Henrique virou seu pescoço e olhou Francesco. O pôr-do-sol iluminava metade do rosto dele de um jeito único e bonito. Não importava quantas vezes ele olhasse para Francesco o sentimento era sempre o mesmo. Todas as vezes.
Ele sentia muitas coisas, coisas novas, sentimentos que ele nem achava que existiam e nunca havia sentido por nada ou ninguém. Ele não sabia explicar o que era, quando foi que começou, se era certo. Talvez fosse por Francesco ser seu único amigo em uma vida inteira, ou por ele ter trago sua criatividade de volta, uma musa como o próprio havia dito. Mas não, não era isso, parecia raso demais, muito simples de definir.

O que era? Que resposta faltava? E o quanto de orgulho o impedia de perguntar a Francesco se ele sentia a mesma euforia, a mesma arritmia, o mesmo calor que ele sentia quando o via? E era mesmo orgulho que o impedia de dizer?

Ele não sabia. Talvez nunca soubesse e tudo sumisse quando ele fosse embora. Quem sabe fosse até melhor assim.

Henrique engoliu duramente suas consternações e voltou a olhar para a copa das goiabeiras antes que Francesco percebesse para onde ele estava olhando antes.

- Você devia usar uma máscara então. Aquelas coloridas de rosto inteiro, se a mantiver no rosto a noite inteira é mais difícil que ela te veja.
- E cobrir o rostinho lindo que Deus me deu? Que pecado! - O italiano exclamou horrorizado - fora que seria difícil conseguir uma máscara de pierrot há essa hora.
- Pierrot? Combina com você.
- Sem gracinhas, Castilho! - Francesco franziu as sobrancelhas - Foi obra da Marinês, é claro que se a escolha estivesse nas minhas mãos eu ia de algo mais legal tipo... Salvador Dalí.
- Eu me ofereceria pra pintar o bigode.
- Claro... CLARO!

Francesco se sentou na grama de repente com um sorriso de orelha a orelha no rosto e uma genuína expressão de epifania.

- Ei, tive uma ideia - ele olhou para Henrique enquanto ele se levantava.
- Da última vez que me disse isso criamos um clube de conversas noturnas - ele passou os dedos entre os cabelos fazendo algumas pétalas de dente de leão se desprenderem dos fios - o que foi dessa vez?
- Você vai ter que confiar em mim.

E Francesco sorriu, daquele jeito angelicalmente diabólico que só ele conseguia. Henrique engoliu seco. Ele tinha quase certeza de que mais uma vez não conseguiria dizer não.

***

- Tá certo Francesco chega, eu já me arrependi, vamos voltar - Henrique pediu com a voz ameaçando tremular.
- Já te falei, não vai dar nada! Não confia em mim não?
- Não!

Puxando Léo pelas rédeas, Francesco caminhava ao lado do cavalo em direção aos fundos do estábulo da fazenda Villamazzo. E logo atrás dele, com as costas curvadas disfarçando seus 1,86 de altura, apertando as juntas dos dedos e sentindo um ódio mortal de si mesmo, estava Henrique.

Com a eletricidade da adrenalina formigando debaixo da pele, diferente de Henrique, Francesco se sentia o próprio espião do serviço secreto. Se olhasse por cima de seu cavalo podia ver as paredes de sua casa não muito distante de onde estavam, seus olhos estavam atentos a qualquer movimentação, mas sabia que fora Tia Luzia e sua família que moravam no casebre poucos metros atrás do celeiro - e no momento todos estavam na casa grande para o chá com os Castilho -, dificilmente alguém os veria passar por ali se fossem discretos o suficiente.

A passos furtivos, os dois chegaram até a parede lateral do celeiro, Francesco foi se aproximando da aresta para espreitar a entrada logo ao lado.

- O que eu estava pensando, é claro que ia ser uma ideia maluca e arriscada, até parece que não te conheço - Henrique resmungava baixinho.
- Era só você ter me dito não e nada disso estaria acontecendo.

Francesco fez questão de olhar para o rosto de Henrique sobre seu ombro e teve de controlar uma risada quando se deparou com a cara mau humorada dele. Ninguém conseguia dizer não a Francesco, ambos sabiam muito bem disso.

O plano era o seguinte: Henrique ficaria escondido no celeiro e Francesco pularia a janela do quarto de Marinês, lá buscaria todo tipo de maquiagem e tinta facial que achasse, então voltaria para o celeiro e Henrique pintaria uma máscara de pierrot em seu rosto, no fim, da mesma forma que entraram, eles voltariam ao lago e tudo ficaria bem.

Devagar, Francesco inclinou a cabeça para a entrada do celeiro. Não havia ninguém e as portas estavam abertas.

- Beleza, vamos!

HERDEIROSOnde histórias criam vida. Descubra agora