VI. A curiosidade...

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Vitória caminhava entre as estantes logo atrás de Vicente, ele tagarelava com muita propriedade alguma coisa sobre as enciclopédias que a garota mal prestava atenção, pois silenciosamente ela bolava um novo plano para contrariar sua mãe, e a peça principal para o sucesso da missão investigativa era ele: o primogênito dos Castilho logo diante de seus olhos.

Com certeza essa ideia não passou pela cabeça ruiva de Pilar Villamazzo.

- Eu não imaginava que existiam tantos livros assim - ela parou e pegou um dos volumes na estante o folheando rapidamente, Vicente foi até ela esquecendo o papo sobre as enciclopédias - este mesmo está em...
- Grego - ele respondeu rapidamente e apontou para a capa marrom escura um pouco envelhecida - veja, este aqui é de Homero.
- Uau! - Vitória sorriu - você já leu?
- Pode parecer hipocrisia mas se li por conta própria três livros dessa biblioteca, já pode se considerar muito - Vicente riu, Vitória colocou o livro de volta na estante e eles voltaram a caminhar, desta vez lado a lado - minha mãe era quem mais consumia este acervo, do contrário de mim ela leu mais da metade. Inclusive era uma grande fã de mitologia grega, tá aí o nome do meu irmão para provar.
- Júlio César... - Vitória repetiu – é o nome de um Rei romano, não?
- Você já entende mais de mitologia que este que vos fala.

Vicente sorriu de forma encantadora para Vitória, por um momento ela ficou sem reação mas depois, sorriu de volta. A Marinês realmente não estava exagerando quanto a beleza dos irmãos Castilho... mas não era isso que ela devia estar pensando agora!

- Meu irmão também tem nome composto, ele deu a sorte... ou o azar... de herdar o nome do nosso pai - Vitória puxou assunto - Carlos Francesco Villamazzo Junior.
- Imponente - confessou Vicente para não dizer exótico - combina bem com ele, e como ele mesmo disse "seu posto de herdeiro".

Os dois acabaram rindo.

- Ele está apenas blefando, se formos analisar eu me preocupo mais com os negócios da família do que o Francesco – Vitória enrolou uma mecha de seu cabelo dourado em volta do dedo indicador.
- É mais velha que seu irmão não é?
- Três anos e alguns meses.
- Se estivéssemos numa monarquia, você ainda estaria na linha de sucessão.
- As coisas não são assim tão fáceis - Vitória prendeu a mesma mecha atrás da orelha. Agora era sua deixa! - Bem, você deve ter ficado sabendo da chuva que destruiu os vinhedos da minha família.
- Uhum - Vicente confirmou de forma simplória – soubemos no exato momento, uma tragédia.
- Mesmo diante de um problema notável como esse o papai não divide suas decisões com a família. Para você ter uma ideia, até agora nós não sabemos com exatidão o que o papai vai fazer a respeito e sabe, a curiosidade e a preocupação estão me corroendo!
- E a senhorita, como membro da família, está preocupada com o futuro da fazenda? - ele palpitou, Vitória sorriu e estalou os dedos.
- Exato! Me diga, você também não ficaria preocupado? Como vai ser a vida daqui para frente? O que ele vai fazer? O que será de nós e dos nossos... - a garota abusava do drama quando percebeu um sorrisinho de lado no rosto de Vicente Castilho, Vitória franziu as sobrancelhas - você está rindo?!
- Mil perdões, Senhorita Vitória, mil perdões - seu sorriso se abriu mais um pouco - é que... a forma como a senhorita está tentando arrancar alguma coisa de mim é realmente engraçada.

O rosto claro de Vitória foi gradativamente se tornando um pimentão, ela engoliu em seco.

- E-eu... eu não...
- Ora não tente esconder, na verdade, deveria se orgulhar!
- Me... orgulhar?

Vitória parou no meio do corredor, Vicente olhou para trás encarando a garota que abandonara completamente a atuação dramática e agora parecia apenas confusa.

- Sim - Com um sorriso solene, Vicente andou até mais perto de Vitória – Estava indo bem, sério, você só errou de Castilho. Tenho certeza de que se tivesse jogado esta estratégia para cima do meu irmão César ele teria dito tudo sem nem questionar, mas aparentemente com sua mãe por perto não teria chances de fazê-lo, estou errado?
- Espera, tudo? - Vitória ignorou todo o discurso de Sherlock Holmes de Vicente e olhou no fundo dos olhos castanho escuros dele - Isso quer dizer que tem alguma coisa! Tudo o quê? Vocês realmente estão montando uma sociedade?
- Porque te interessa tanto saber a que pé andam os negócios entre nossos pais? Está com medo de perder os confortos com os quais cresceu?
- Ah! – Vitória exclamou com os olhos arregalados - Eu pareço esse tipo de pessoa para você?

Então Vicente ficou mudo, ele estava esperando tudo vindo da filha caçula de um dos homens mais poderosos da região, mas ainda na igreja, quando foi arrebatado por seu rosto delicado e trejeitos dóceis, diria até frágeis! De quem mal conhece o mundo que a cerca, ele erroneamente não imaginou que ela teria coragem de levantar a voz de forma tão firme.

E, a falta de autoridade que normalmente faria com que ele se sentisse irritado, fez seu coração acelerar fervorosamente.

- Quer saber? - Vitória suspirou profundamente e começou a andar para longe de Vicente - é melhor continuarmos andando, eu devia parar mesmo de ficar metendo o nariz onde eu não sou chamada e..
- Sim - Vicente respondeu fazendo Vitória virar-se para ele ainda mais ofendida.
- Como é?
- Não! - Vicente se alterou brevemente erguendo os braços em rendição - não, não é isso! Eu... e-eu tô falando da sociedade!

A boca de Vitória se abriu levemente.

- Você... – ela apertou os olhos - você está dizendo que...
- Sim - Vicente encolheu os ombros - nossos pais vão montar uma sociedade. De uma forma ou de outra vocês iam acabar sabendo, então não achei que cabia a mim dizer alguma coisa.

Vitória levou as mãos a boca com um sorriso tão genuíno que seus olhos se fecharam.

- Isso... meu Deus! Isso é fantást...
- Vitória!!!

A comemoração de Vitória foi interrompida bruscamente pela voz de Marjorie vinda da porta. Sabendo bem como a irmã é, para chegar a ponto de Marjorie Villamazzo elevar sua voz a uma altura que não fosse de quase sussurro, algo havia acontecido.

Sem esperar por Vicente, Vitória correu até a entrada da biblioteca e encontrou a irmã parada no corredor do lado de fora com três livros nas mãos e uma feição preocupada.

- O que aconteceu? Está tudo bem? - Vicente chegou logo depois.
- Que foi Marjorie? - a caçula olhou em volta do salão - E cadê o Franc-

Em um súbito entendimento, Vitória olhou devagarinho para a feição da irmã esperando não captar o que imaginava que seria. Mas, não poderia mesmo ser outra coisa.

- Ah Marjorie! - Vitória lamentou com as mãos na cabeça - A mama vai nos matar!

***

O que era para ter sido apenas um único quadro, se tornou dois corredores inteiros de pinturas dos mais variados temas. A cada metro, uma nova obra quase tão bonita quanto a anterior surgia. No início eram só paisagens, depois móveis e bibelôs, animais (na maioria cavalos) e, dando uma expectativa do que poderia vir a seguir, o retrato de uma dama na dobra que dava para o terceiro corredor.

Francesco prometeu a si mesmo que aquele seria o último corredor, nem estava disposto a percorrê-lo até o fim para ver todos os retratos - que com certeza continuariam sem assinatura como todos os outros -, fora que também já estava com medo de não saber voltar para a biblioteca dentre tantos corredores iguais.

Mas ao virar o corredor que prometera a si mesmo que seria o último, Francesco se surpreendeu com duas coisas, primeira: não havia mais nenhum quadro ali

E segundo: aquela curva não era um corredor.

Francesco havia virado com tanta certeza achando que encontraria mais uma das longas passagens de parede bege e rodapé alto que freou bruscamente quando deu de cara com o que ele achou inicialmente que era uma floresta dentro de casa, mas quando percebeu a cúpula de vidro sobre sua cabeça, notou ser na verdade uma estufa dentro de casa.

E, o que poderia ter facilmente passado despercebido, foi visto com todos os detalhes por alguém que estava no lugar certo na hora certa.

Sentado em um banquinho de frente para um cavalete, segurando em suas mãos um pincel longo e olhando diretamente para Francesco com um olhar mais que surpreso, havia um garoto.

HERDEIROSOnde histórias criam vida. Descubra agora