XXVIII. O futuro parece promissor, não?

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Firmino e César voltaram para casa mais cedo naquela noite. Henrique viu o pai e o irmão partirem a cavalo depois de uma série de pedidos de desculpas de Pilar por conta de toda a confusão que se deu entre as filhas. Firmino agiu com naturalidade, rindo e dizendo que coisas assim aconteciam nas melhores famílias, já César ainda parecia frustrado com o fim que se deu ao seu relacionamento. Para um cafajeste de primeira, era até estranho vê-lo tão cabisbaixo, ele havia mesmo sido laçado pela garota Villamazzo de cabelos vermelhos.

E falando em estranho, era assim que Henrique se sentia sentado junto a família quase toda de Francesco na mesa dos fundos da casa.

Tia Luzia acabava de trazer um bule de chá de maracujá e uma fornada de brevidades da cozinha, o vento frio fazia a fumaça de cada xícara esvoaçar quente e densa, deixando um delicioso perfume frutal no ar. Vitória e Vicente ainda não haviam retornado do escritório do Coronel, e o clima de tensão entre os presentes pedia mesmo algo para acalmar os nervos.

- Não tem jeito - disse Amália assim que retornou de dentro de casa, ela se sentou ao lado de Guilherme no muro baixo da varanda, com uma feição exausta - A Marinês não abre aquela porta de jeito nenhum.
- Pelo menos você tentou - Tia Luzia entregou uma xícara de chá à Amália e se sentou ao lado de Nininha na mesa - ela fazia a mesma coisa quando criança, uma hora vai se acalmar.
- Então espero que seja antes da hora de dormir ou terei de arranjar um lugar na casinha da Pandora e do Max para passar a noite - Amália tomou um gole do chá, suas bochechas coraram com a temperatura.
- Se o problema for lugar para dormir, você pode ficar na casa da Tia Luzia - Francesco sugeriu limpando os farelos da boca - o Guilherme vai adorar, não vai?

Nininha e Tia Luzia se entreolharam e deram uma risadinha uma para a outra. Guilherme baixou o chapéu cobrindo o rubor no rosto e se encolhendo de vergonha.

- É mesmo uma boa ideia! - Amália se animou, totalmente sem noção do que realmente Francesco quis dizer - Posso, Tia?
- Talvez o papai tenha mais visitantes ao escritório dele antes do que imagina... - Marjorie sibilou, Francesco riu.

Percebendo que todos estavam com estranhas risadinhas no rosto, o sorriso de Amália se desfez e ela cruzou os braços.

- Estão fazendo isso de novo... - ela apertou os olhos na direção de Guilherme, que continuava encolhido ao seu lado - você por acaso está me escondendo algo?

Guilherme arregalou os olhos enquanto Amália o encarava realmente intrigada, ele engoliu seco.

- Ah e-eu ahm...
- Que tal mudarmos de assunto hm? - Nininha se prontificou a salvar o irmão mais novo, que suspirou aliviado - a menos que o Chiquinho tenha explicado as nossas piadas internas ao Henrique...

Então todos os olhares caíram sobre o Castilho, que mordiscava uma brevidade quietinho ao lado de Francesco. Ele olhou para todos um pouco aturdido.

- Essa eu não contei - Francesco também o olhou - mas terei tempo, as férias serão longas.

Francesco sorriu todo enamorado para Henrique que, com um sorriso lutando para ser contido, desviou seu olhar do rosto dele antes que começassem a ouvir as batidas de seu coração de longe.

O olhar deles mal havia se separado quando Pilar finalmente retornou, ela se juntou à família na mesa com uma feição cansada.

- Pronto, desculpas feitas - ela se sentou ao lado de Tia Luzia, servindo chá em sua xícara - nada ainda? Marinês? O pai de vocês...?

Ela perguntou olhando para Amália, que negou com a cabeça.

- Caspita... - ela suspirou, seu olhar caiu sore Henrique logo à sua frente - desculpe mesmo Henrique, não devíamos tê-lo recebido desse jeito depois de tantos anos longe da cidade, que primeira impressão deve ter tido de nós...
- Está tudo bem - ele disse baixinho e sorriu - foi uma festa muito divertida mesmo assim, eu diria a mais divertida que já fui.

Francesco contraiu os lábios segurando uma risada. Era bem irônico.

- Oh meu Deus, é mesmo uma graça de menino, igual aos seus irmãos - Pilar sorriu encantada - Mas claro, o que esperar de um garoto que fora criado por Vivian Castilho? Riposa in pace.

Pilar fez o sinal da cruz, todos ao redor repetiram o gesto.

- A senhora a conheceu? - Henrique perguntou singelamente. Seria uma oportunidade de saber como outras pessoas além dele e da família viam Vivian - eram próximas?
- Infelizmente não, caro mio. Nunca chegamos a conversar, mas sempre a víamos na igreja com seus irmãos e seu pai. Era impossível não notá-la! Por mais quieta e misteriosa que fosse, era muito bela, muito refinada... muito alta também! Ninguém ficava tão bem num vestido longo verde escuro quanto ela! - Henrique riu com a ênfase, sentindo a nostalgia enrolá-lo num abraço quentinho - te contar que, olhando para você, eu até vejo um pouco dela.
- Uau - Henrique pigarreou, buscando sua voz em meio a emoção - é... uma honra ouvir isso, mesmo. Nós sempre fomos muito próximos, éramos melhores amigos. Por mais que agora já não doa tanto quanto há alguns meses atrás, ainda é muito estranho não tê-la mais em casa... nas raras vezes em que venho para cá, claro, internato em São Paulo...

Henrique acrescentou imediatamente, tinha de manter a farsa se pudesse ter mais momentos sociais assim no futuro, agora era torcer para que ninguém mais fizesse perguntas sobre São Paulo.

- Sempre fica aquele vazio não é? - Guilherme citou - como se faltasse algum espaço a ser preenchido que a gente aprende a conviver mas não necessariamente a deixar de sentir falta.
- É - Henrique concordou, ele sentiu a identificação nos olhos escuros de Guilherme - é exatamente isso.

Guilherme tirou o chapéu o apoiando sobre o peito, seus cachinhos caíram sobre a testa. Ele sorriu melancólico, mas cheio de empatia.

- Mas e a sua mãe de sangue? Você não chegou mesmo a conhecê-la?

A língua de Nininha estalou, Guilherme arregalou os olhos.

- Eita Juliana, isso é pergunta que se faça?! - ele repreendeu, a irmã encolheu os ombros e mordeu o lábio - se o pai te ouve ele te caça!
- Desculpa... - ela sibilou e fez um biquinho.

Henrique olhou para as pessoas ao seu redor. Mesmo que Guilherme tenha chamado a atenção da irmã, de algum jeito todos olhavam de canto para o Castilho recém descoberto, curiosos, esperando que ele respondesse alguma coisa. Não os culpava, era uma história realmente intrigante, qualquer um iria querer saber quem Rosalina era além de uma cozinheira que engravidou e porque exatamente fez o que fez. E querendo ou não, era uma das poucas coisas que era verdade no meio daquele mar de mentiras.

- Não tem problema - Henrique disse com menos dificuldade do que imaginou, todos prestaram atenção assim que ele começou a falar - eu não cheguei a conhecer a minha mãe de sangue, não tenho memória alguma. Tudo que eu tenho dela é um bilhete que deixou quando foi embora e só.
- E... você não tem vontade de saber onde ela está? - Aproveitando o ensejo, Amália perguntou baixinho, pisando em ovos - de repente com alguma foto ou algo que você saiba sobre ela deva dar para encontrá-la.

Debaixo do olhar atento de todos, Henrique se deu conta de algo que ele nunca havia parado para pensar antes, talvez por nunca lhe terem perguntado, ou até mesmo por nunca ter sentido falta de uma presença materna tendo Vivian com ele a vida toda ocupando aquele papel: Ele não sabia nada sobre Rosalina.

Nada. Absolutamente nada. E só sabia seu nome pois as provocações de César nunca o deixaram esquecer. Pior do que ter de inventar nomes de ruas e colégios internos paulistas, aquele questionamento ficou martelando em sua cabeça de um jeito estranhamente doloroso.

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