XI. Bom dia, Senhorita Vitória

11 2 0
                                    

- Elas já partiram.

Ainda sentada em sua cama de camisola e cabelos desgrenhados, Vitória quase engasgou quando Marjorie lhe informou que sua mãe e irmãs já haviam saído com Guilherme havia pelo menos duas horas para a cidade.

- E ninguém veio me acordar? Por que não me acordou?! - Vitória fez bico.
- Eu também estava dormindo há até pelo menos meia hora atrás - Marjorie colocou um último grampo em seu cabelo castanho trançado em um arco ao redor da cabeça, e olhou para a irmã mais nova - além do mais, você é sempre a primeira a acordar, aconteceu alguma coisa para estar ainda na cama há esta hora?
- Dormi mal - Vitória esfregou os olhos, as veias vermelhas e azuis de suas pálpebras se destacavam com facilidade em sua pele pálida.
- Pensando em alguém?

Vitória encarou Marjorie com as sobrancelhas franzidas, a irmã continuava séria e com aquele ar misterioso de quem sabe de tudo o tempo todo - principalmente do que nem nós mesmos sabemos.

- Quem eu haveria de pensar, irmã? - Vitória respondeu quase com humor.

As irmãs continuavam se encarando quando batidas foram ouvidas na porta.

- Está aberta - Marjorie deu permissão e quem apareceu no batente foi Nininha, com seu lenço vermelho na cabeça e sorriso doce. Marjorie se levantou da penteadeira imediatamente munindo-se de seu melhor sorriso – Nininha! bom dia.
- Bom dia senhoritas - a sobrinha de Tia Luzia respondeu cordial - Seu Coronel pediu que eu as chamasse, temos visita então ele pediu que se aprontassem e descessem o quanto antes.
- Há está hora? - Vitória olhou para o relógio de parede, era 8 em ponto - quem há de ser?
- Ora, quem mais? - Nininha chacoalhou os ombros - Os novos sócios da família de vocês!

Em meio a um grunhido, Vitória se jogou de volta em sua cama, puxando seu travesseiro e o colocando sobre a cabeça. Marjorie e Nininha se entreolharam confusas, agora que o mistério sobre o que o Coronel faria acabou, parece que o interesse de Vitória se foi também.

Nininha voltou para o andar de baixo para ajudar a tia no que fosse preciso, e Marjorie tratou logo de se esconder pela casa para que ninguém interrompesse sua leitura, deixando que Vitória se arrumasse no tempo dela - e na coragem dela!

Depois de vestir o primeiro vestido que viu pela frente, um azul cinzento não muito novo, Vitória escovava seus cabelos dourados encarando o espelho com uma cara terrivelmente séria, como se estivesse se arrumando para a guilhotina e não para receber quem até pouco tempo atrás ela estava formigando de vontade de ver.
A verdade é que, da noite anterior para aquela manhã, as coisas mudaram, e a ideia de fazer sala para Vicente e César Castilho por horas não lhe era muito agradável.
Por mais que tentasse não levar em conta as provocações e aquela necessidade que Marinês tinha em colocá-la como rival em absolutamente todas as áreas que podia desde que eram crianças, a sensação de pisar em ovos para evitar confusões rasas com sua irmã era extremamente incômoda, e muitas vezes ela sequer precisava fazer alguma coisa para que Marinês lhe apontasse o dedo, ainda mais quando o assunto eram garotos.

Quando fixou a tiara nos cabelos, ajeitando alguns fios para fora, Vitória encarou seu reflexo uma última vez, suspirou e levantou-se da penteadeira, não muito certa se Marinês iria querer entender quando voltasse para casa.

Enquanto descia as escadas para o saguão, Vitória foi mentalizando seus cumprimentos cirurgicamente. Já estava quase decidindo entre "Bom dia senhores" ou só "bom dia" quando o até então silêncio ambiente foi invadido por uma voz que embora não fosse alta, era firme o bastante para deixá-la em alerta.

- Bom dia, Senhorita Vitória.

A garota olhou imediatamente para o saguão e viu diante da porta de entrada, ele mesmo, Vicente Castilho.
Vicente usava roupas sociais comuns, um terno azul acinzentado, gravata cinza e sapatos sociais marrons. Suas mãos estavam dentro do bolso da calça e em seu rosto havia um sorriso gentil direto para Vitória, que ainda estava estática no alto da escada.

Ela pretendia fugir dos Castilho, mas na primeira oportunidade, mal havia saído da cama! Lá estava um deles ali, sozinho com ela. Como não achar que o destino estava querendo coloca-la em confusão de qualquer forma? Vitória não sabia ser rude, nem gostava de ser assim, mas não estava vendo outro jeito de evitar uma nova briga com a irmã se não fosse o ignorando completamente.

O olhar severo de sua mãe ecoou em sua cabeça. Se ela soubesse que um dos filhos foi grosseiro com visita a bronca duraria horas! E agora? Era pior ouvir gritos da irmã ou da Mãe?

HERDEIROSOnde histórias criam vida. Descubra agora