(Amanda)
16h:19min – Quinta feira
Já disse o quanto adoro horários livres?
Quando tenho alguns minutos a mais entre um aluno e outro? Quando eu posso, por um momento, focar em mim e no que tanto gosto de fazer?
Sim. Eu ainda estou dentro da minha sala de música. Só que ao invés de estar acompanhando os dedos de algum aluno sobre as teclas do piano. São os meus dedos que tenho acompanhado.
O gelado da tecla sempre causa um choquinho contra os meus dedos e me faz arrepiar até o último fio de cabelo. É tão bom essa conexão. Sentir que o instrumento pode fazer parte de mim nesses instantes. Como se ele fosse uma extensão do que eu sou.
Estava mergulhando profundamente enquanto tocava Wake Up de Julie and de Phantoms. A canção que ensinarei detalhadamente para a minha próxima aluna.
Em cada nota atingida com maestria, permito transbordar inúmeras emoções ao pensar no que a letra representa pra mim, no que a canção me diz.
É como um grito silencioso. Faz sentido?
Como se eu só conseguisse expressar tudo que sofri com a perda dos meus pais através da música. Como se muitas tivessem sido escritas com vários pensamentos meus.
Desperto do meu pequeno transe e paro de tocar ao ouvir o toque do meu celular. Mesmo sem vontade nenhuma, pego-o do meu bolso.
Olho para o visor e estranho ao ver que se trata de um número desconhecido.
Quase que eu decido não atender, mas antes do último toque, me vi deslizando o botão verde e colocando o aparelho no ouvido.
— Alô? — falei bem baixinho.
— Oi, minha criança! Quanto tempo. — imediatamente meus olhos lacrimejam.
Não ouço essa vozinha há tanto tempo que tinha me esquecido do quanto eu sentia falta.
— Vovó... Não acredito! Como você está? — digo com um sorriso suave nos lábios, imaginando o quanto o seu semblante devia estar tranquilo.
— Muito melhor sabendo que está bem. Você está bem, não é? — Dona Amália parecia incerta quanto a isso.
Não podia falar a verdade. Que estou muito melhor aqui, do que jamais fui quando estava em Campinas.
— Extremamente! — garanti e me levantei, começando a andar de um lado para o outro dentro da sala de música.
Vovó nunca me liga. Só se tiver algo muito importante pra falar, sabendo disso não pude afastar o pânico que passou a se instalar dentro do meu peito.
— Aconteceu alguma coisa com você? A Tamy está legal? — questionei, preocupada.
— Nada pra se preocupar. Quis ligar pessoalmente para convidá-la para o meu aniversário de 90 anos, minha criança. — ela me lembrou e eu paralisei no lugar.
Caralho. Eu tinha esquecido completamente disso. Agora estou me sentindo uma desnaturada.
Mas, espera um pouquinho ai... Isso significa que terei de ir pra lá?
— Fico grata por lembrar de mim. Quando será a festa, vovó? — perguntei de maneira robótica.
— Sem ser esse sábado, no da semana que vem. Por volta das 19h:30min. — Vovó avisou. — Posso contar com sua presença?
Contar com a minha presença? Eu nem sei o que dizer pra ela.
Posso até ir e estar de corpo presente, mas com toda certeza minha mente estará o mais longe possível de lá.
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Minha doce melodia
RomanceMesmo fazendo terapia há cinco anos, Amanda Siqueira ainda carrega inúmeros traumas dentro de si. Apesar de ter alguns receios, ela busca sempre ver o melhor da vida, por mais difícil que seja. Extremamente determinada no que diz respeito ao trabal...