Capítulo 1: Criar asas

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9 anos atrás...

— Vou sentir tanta saudade, mas ao mesmo tempo fico tão feliz e aliviada que você está indo. Que vai seguir o seu sonho e que vai ficar o mais longe possível daqui. — Tamy disse enquanto me ajudava a arrumar as minhas malas.

Nem eu estou acreditando que vou ir embora de Campinas. Na verdade, estou em choque ainda por ter passado no vestibular da USP.

Estou tão orgulhosa de mim mesma por ter conseguido uma vaga na faculdade de música. O mais incrível nisso tudo é que poderei dividir uma casinha com algumas amigas minhas do colégio.

Elas também passaram na universidade de São Paulo, é o que torna a minha ida pra lá muito mais empolgante e muito mais acolhedora, porque me sentirei em casa por tê-las por perto.

Estudei tanto esses últimos anos pra conseguir essa benção. Pra conseguir a minha escapatória dessa casa, dessa cidade.

Ela por si só não me traz boas recordações. Paulínia pode até ter locais legais, passeios divertidos para se fazer, lugares bonitos para se visitar, mas deixou de ser meu refúgio há muito tempo.

Estar fazendo as minhas malas é como estar tirando um peso enorme das minhas costas, como se um trator tivesse tirando todo o cimento que foi sido posto ali no decorrer dos últimos anos.

Atualmente estou com dezessete anos e fiz tudo o que estava ao meu alcance para ser o mais independente possível.

Tanto que por ser uma cidade do interior, eu trabalhei desde os treze anos na biblioteca da cidade, exatamente por querer passar o tempo que eu pudesse longe da casa dos meus tios.

E também por querer guardar um dinheirinho. Não que eu não tenha, já que minha avó Amália fez o meu tio me emancipar a ponto de me transferir todo o dinheiro da herança que os meus pais me deixaram.

Contando com a venda da nossa antiga casa, contando com a venda dos moveis, dos outros carros que os meus pais tinham. Enfim, eu tenho uma boa renda e fiz questão de deixa-la em uma poupança.

Meus tios não gastaram muito comigo no decorrer dos anos. Eu já tinha tudo de que precisava e sempre estudei em escola pública. Então não gastaram com mensalidade, nem nada do tipo.

Ainda bem... Porque não gostaria de ter que recompensá-los de alguma maneira. Foi-se o tempo de fazer isso. Agora eu quero pensar apenas em mim e no meu bem estar.

Olho para a minha prima e suspiro pesadamente. 

A Tamy nos últimos anos definhou tanto. Se meteu com gente errada, fez escolhas erradas, mas não posso culpá-la por isso. Na verdade, eu mais do que ninguém posso entender muito bem pelo que ela vem passando.

E não é nada fácil, ainda mais na posição em que se encontra. Totalmente vulnerável e a mercê dos próprios pais. Embora tenha seus dezenove anos, a Tamires sempre foi dependente e tanto o meu tio quanto a minha tia sempre a prenderam muito.

Ao ponto dela sequer saber o que quer fazer da própria vida. Ao ponto dela não saber o que gosta e o que não gosta. Se tem dom pra algo que não seja a dança.

— Você tem certeza que não quer ir comigo? Que não quer criar asas e voar pra longe de tudo que tem aqui? — perguntei bem baixinho, sentindo uma angustia gigantesca tomar conta de mim.

Não quero deixá-la pra trás. Sinto que não posso abandoná-la assim. Porque a Tamy jamais me abandonaria, na realidade, ela se colocaria na minha frente pra enfrentar as coisas por mim. Como fez tantas e tantas vezes.

Minha doce melodiaOnde histórias criam vida. Descubra agora