PRÓLOGO

294 36 23
                                    

Eu tenho uma questão a ser considerada. De todos os animais, os humanos são os mais complicados, o que é interessante, por que, de todos os animais, os humanos são os ditos racionais.

Será que a irracionalidade é mais racional do que a racionalidade?

Bem, não.

As formigas, por exemplo, se organizam por classes muito bem definidas. Há uma formiga rainha que é o centro de todo formigueiro e há as formigas que trabalham para fazer do formigueiro próspero, trazendo folhas, pedaços do pão que eu joguei perto da entrada do formigueiro. Ah, e elas adoram água com açúcar, mas o mesmo não vale com o sal. Não tentem com o sal, elas não gostam. E acho que são como sapos, sapos ressecam se jogarmos sal neles. Eu não gosto muito de sapos e agregados, acho eles nojentos, mas não os maltrato.

Observar formigas era entediante, então não demorou muito para que eu estivesse fitando uma colmeia não muito longe dali, ela ficava sobre uma árvore bem alta, e eu só conseguia ver pouco, mas, pelo jeito, elas se pareciam com as formigas no quesito organização. As colmeias são perigosas, é um fato, então vamos passar para outra observação.

Em minhas mãos estavam o senhor Guaxinim e a senhora Porcelana, meus dois bonecos. Eles me acompanhavam em todas as minhas jornadas pelo jardim, e se tivéssemos sorte, hoje veríamos algum animal incomum, talvez um esquilo, mas eu prefiro os coelhos, coelhinhos são fofos, já os esquilos são meios violentos.

Fiz uma careta ao lembrar o dia que fui perseguida por um.

E foi nesse exato momento em que ouvi um barulho vindo de uma moita não muito longe, só podia ser um coelhinho. Corri na direção dele, mas acho que isso o assustou, pois ele logo correu para mais longe. Devo admitir que sou uma criança muito determinada, então, não vencida, corri atrás do pobre animal.

Nem me importei se o senhor Guaxinim ou a senhora Porcelana estavam incomodados de serem carregados pelas pernas, o importante era ver aquele coelhinho.

— Sissi! — A voz do papai me assustou, sequer tinha percebido ele se aproximando. O homem me levantou sem muita dificuldade e me colocou no braço. — O que está fazendo? Sabes que não pode ir para muito longe.

— Ia observar um coelho com o senhor Guaxinim — mostrei meu boneco de pano, — e a senhora Porcelana — quando levantei ela, percebi que a mesma estava sem a cabeça, restando apenas um pedaço do pescoço, quebrado por sinal.

Papai riu, e meus olhos se encheram de lágrimas. Foi a segunda vez que quebrei a cabeça dela só essa semana.

Ele logo enxugou meus olhos com delicadeza, sorrindo para mim.

— Tenho certeza que Matilda tem uma gaveta cheia de cabeças de porcelana para essa boneca.

Engoli o choro e assenti.

— Precisamos logo ir ajeitar a senhora Porcelana — disse, decidida, então olhei para o papai, ele me sorriu com os olhos e voltou comigo nos braços, assim como os cavalheiros carregam as princesas — Papai... Eu tenho uma questão — disse.

— É claro que tem... Diga.

— O senhor é um cavalheiro? — perguntei.

— Ora, que pergunta é essa, é claro que eu sou.

— Então... cadê o seu cavalo, a sua armadura e a sua espada? — indaguei, séria.

Papai riu.

— Este é um cavaleiro, não um cavalheiro.

Não entendi a diferença, as palavras são exatamente iguais. Vou me lembrar de perguntar isso para Matilda depois porque não quero parecer burra na frente do papai. Ah, Matilda era a minha dama de companhia, e também governanta da nossa casa.

UMA DAMA E QUATRO CAVALHEIROS Onde histórias criam vida. Descubra agora