10. Ela era linda

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Aproveitei os minutos de silêncio no templo para acalmar meus pensamentos e sentimentos. Pedi forças para enfrentar o que quer que viesse e proteção para todos os que eu amava. Fiquei em silêncio aguardando Freen terminar sua oração e assim que ela o fez, ela me sorriu gentilmente, acenando para que saíssemos dali.

Segui a mãe e filha a alguns passos atrás e quando voltamos para o estacionamento, Freen caminhou até o seu carro.

"Li, bebê, você pode segurar a mão da tia Becky um pouco enquanto a mamãe pega as coisas no carro?" Freen falou para a menor, mas me olhando como se me perguntando se tudo bem. Eu acenei com a cabeça.

A menina deu um passo tímido em minha direção e eu estendi minha mão em sua direção ao mesmo tempo que tentava lhe mandar um sorriso encorajador. Parece que funcionou, pois logo senti sua pequena mão segurar a minha. Sorri verdadeiramente para ela, tomando sua mão gentilmente e esperando Freen tirar as coisas, que agora eu percebia, eram do nosso piquenique.

"Você deveria ter me deixado trazer algo," falei trazendo a tona a mesma conversa que estávamos tendo nesses últimos dias. Na qual Freen se recusava em me deixar fazer qualquer coisa para o dia de hoje, dizendo que como tinha sido sua idéia, ela organizaria tudo.

"Hoje essa discussão chega ao fim, já que você não pode fazer mais nada," ela disse com um tom de vitória, enquanto demonstrava as coisas nas suas mãos como provas de suas palavras. Eu revirei os olhos para seu jeito "amostrado".

"Que seja, Sarocha. Eu espero que essa comida esteja boa e nada apimentada," falei enquanto pegava uma bolsa com a minha mão desocupada.

"Depois de trocar o chá por café, achei que também tivesse se aventurado nas comidas apimentadas," ela continuou, mas agora eu podia ver que ela realmente estava curiosa para saber a resposta. Seu tom ainda era brincalhão, mas retornava a gentileza de alguém que quer saber mais sobre você.

"Eu até tentei, mas pimenta não é pra mim," respondi, dando de ombros, a fazendo rir ao mesmo tempo que finalmente fechava seu carro.

"Não se preocupe, eu fiz a minha comida separada da sua e da Li," ela disse tomando a outra mão da pequena que agora estava entre nós. "Pimenta para a mamãe e comida de criança para as baby's," ela disse fazendo uma careta que fez Li rir e eu revirar os olhos, também rindo.

Teve um tempo na nossa relação que eu odiava quando ela me tratava como mais jovem, mas confesso que na maior parte do tempo, eu simplesmente amava ser cuidada por ela.

Caminhamos a curta distância até o parque, que ficava do lado oposto do estacionamento em relação ao templo, e quando Freen e Li cantavam músicas infantis que eu nunca havia ouvido. Apesar de desconhecer as melodias, me via embalada naquele momento.

Chegamos na parte do parque onde árvores volumosas criavam sombras perfeitas para o nosso objetivo e dessa forma, arrumamos a toalha que Freen havia trazido sobre o gramado. Freen ofereceu um livro cheio de figuras coloridas para Li, o que para minha surpresa, tomou a total atenção da pequena. Freen deve ter entendido meu olhar questionador, porque logo respondeu:

"Ela ama figuras e livros de histórias, mesmo que ainda não saiba ler," ela disse passando uma de suas mãos nos cabelos de Li, em um ato de afeto.

"Ela é inteligente como a mãe, então," respondi me fazendo confortável no meu lugar na toalha.

Eu tinha minhas pernas esticadas na minha frente e apoiei o peso do restante do meu corpo no meu cotovelo e antebraço. Minha cabeça pendeu levemente para trás e eu fechei meus olhos, sentindo a brisa do vento tocando meu rosto.

Abri meus olhos quando a iluminação e o barulho de um flash me assustaram. Me vi encarando a expressão sapeca de Freen, que tinha sua câmera retrô em frente ao seu olho enquanto a ponta da sua língua estava a mostra presa entre seus dentes.

"Vejo que você não perdeu essa mania," falei fingindo um aborrecimento que na verdade sempre foi um sentimento de satisfação de saber que ela sempre que podia, tentava capturar o que ela chamava de "minha fofura".

"Bons hábitos devem ser preservados, Becky," ela disse, lançando uma piscadela em minha direção antes de virar sua câmera na direção se Li e tirar várias fotos da menina, que virava as páginas de seu livro como se o mundo não existisse ao seu redor. "Acho que ela já está acostumada as minhas manias," Freen respondeu minha pergunta muda.

Depois disso, passamos mais algum tempo em silêncio, cada uma imersa em sua atividade. Freen fotografava livremente, Li olhava seu livro e eu tentava não surtar com todas as sensações que explodiam dentro de mim quando eu via Freen tão em seu elemento, como numa imagem perfeita de um futuro que eu tanto sonhei.

"Você está com fome, pequena?" a voz de Freen me tirou dos meus pensamentos mais uma vez. "E você, Becky, pronta para comer?"

Eu apenas assenti com a minha cabeça e me sentei com minhas costas eretas e minhas pernas cruzada embaixo de mim. Li fez o mesmo, deixando o livro ao seu lado.

"Eu quero suco e arroz frito, mamãe," Li pediu de uma maneira tão educada e formal para uma criança de três anos que estranhei. O jeito bobalhão de Freen era a única coisa que eu ainda não havia visto em Li que era exatamente idêntico a mais velha.

"Claro, bebê," ela disse pegando dois contêineres de dentro da bolsa térmica. Um ela abriu e colocou um garfo de plástico, entregando na mão da sua filha. O segundo, ela também abriu, mas dessa vez pegou um garfo normal e me deu.

"Obrigada, mamãe."

"Obrigada, Freen,"  falamos ao mesmo tempo e ela apenas sorriu em nossa direção.

Freen, em seguida,  pegou dois sucos de caixinha e espetando os seus respectivos canudinhos, deu um para cada uma de nós novamente. Peguei meu suco e levei o canudo até meus lábios, tomando pequenos goles enquanto esperava Freen pegar sua própria comida para poder começar a comer. Olhei para o meu lado e percebi que Li fazia o mesmo. Ela era realmente uma criança muito educada.

"Bón apetit," Freen fingiu um sotaque francês em brincadeira antes de levar a primeira porção até sua boca, fazendo com que Li começasse a comer do seu arroz também.

Eu, no entanto, fiquei observando as duas. Meu estômago estava cheio de repente. Eram muitas borboletas ao mesmo tempo. Isso porque eu via claramente pela primeira vez em tantos anos. A felicidade para mim, mais uma vez, tinha forma, cor, cheiro e nome. E meu Deus, ela era linda.

Notas da autora:

Ai, mal posso esperar para escrever boiolices dessas três.

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