15. Fazer diferente

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Freen me encarava do seu canto no sofá e eu fingia que escrevia algo em meu caderno, como se continuasse meu trabalho. A verdade era que eu não conseguia escrever sabendo que ela estava ali, observando meus sentimentos sobre ela se formarem em palavras.

"Eu sinto que estou atrapalhando. Você não escreveu nada desde que cheguei," ela falou, se levantando do sofá, como se pensando em ir embora, mas eu a interrompi.

"Não vá," praticamente supliquei, sem querer, a fazendo sentar novamente. "Eu não estou acostumada a escrever com outras pessoas, mas eu não quero que você vá," confessei. A sua presença poderia não ser propícia para o meu trabalho, mas apesar de tudo, me fazia bem.

"Tudo o que você escreveu até hoje, foi sozinha, então?" ela perguntou, parecendo legitimamente curiosa. Ela ainda não parecia relaxada, mas voltou a se sentar no sofá.

"Sim," falei, me sentindo tímida por algum motivo. Eu não queria que ela me achasse estranha por ter me isolado depois do nosso afastamento.

"Você escreveu coisas incríveis. Eu particularmente gosto muito do seu primeiro EP, mas o restante do seu trabalho continuou me impressionando," ela disse com um sorriso relaxado e um olhar distante, como se estivesse pensando sobre o que estava falando.

"Você acompanhou meu trabalho?" perguntei em tom de surpresa, mesmo que se, parando para pensar em suas atitudes desde que nos reconectamos, não fosse tão surpreendente assim.

"Mas é claro, Becky. Eu me surpreendi com as suas composições. Você sabe que eu sempre lhe admirei como artista,mas lhe ver compositora foi uma nova faceta que você nunca demonstrou e, eu confesso que me surpreendi positivamente. As suas músicas me tocaram muito durante os anos," ela falou, parecendo tímida mais uma vez.

Eu tentava entender a complexidade das suas reações ao meu redor. Se eu tivesse com a mente clara, talvez eu entendesse melhor Freen, mas a verdade é que desde que ela terminou comigo, mesmo que meus instintos dissessem algo sobre suas atitudes, eu sempre desconfiaria desses. Afinal eu achava que a entendia naquele tempo, quando compartilhávamos tudo. Se eu tinha errado antes, agora, depois de anos separadas, que chances eu tinha de entendê-la?

"Honestamente, eu nunca imaginei você seguindo o meu trabalho," falei, tímida de repente por todos os sentimentos que havia colocado em minha música ao longo dos anos. A maior parte girava em torno dos meus sentimentos por ela, então era somente lógico ficar tímida em saber que ela não só ouviu tudo,mas como apreciou.

"Olha, Becky, eu sei que desde que voltamos a nos falar, meio que entramos em um acordo mudo de não tratar de assuntos pesados que envolvessem o passado," ela começou, se levantando do lugar que ocupava e vindo sentar ao meu lado no chão. "Mas eu acho que chegou o momento da gente pelo menos tentar iniciar algumas conversas," ela disse brincando com o tapete que nos separava.

"Hum... E sobre o que você queria falar, então?" questionei, me sentindo completamente insegura com o sentido daquela conversa.

"Eu sei que já pedi desculpas algumas vezes, mas , sinceramente, acho que você não entende as raízes desses meus pedidos," ela disse, buscando meu olhar, que teimava em desviar do seu. "Eu não lhe culpo por ter se afastado de mim quando terminei nosso relacionamento," ela disse, diminuindo o seu tom de voz a cada palavra, deixando claro que era tão desconfortável para ela quanto para mim aquele assunto. "Mas eu sei que você sabe que nunca foi minha intenção sair da sua vida," ela praticamente sussurrou esse final.

"Eu sei," falei, de repente me sentindo aborrecida. Se ela fosse me culpar sobre aquilo, eu surtaria.

"Calma, eu não tô lhe culpando," ela disse levantando suas duas mãos em um gesto de "rendimento", me compreendendo além das minhas palavras. "Eu só estou querendo dizer que eu achei, naquele momento, que a gente conseguiria manter alguma espécie de relação..." ela falou e eu quase a interrompi com uma expressão de descontentamento sobre como essa conversa estava indo, mas ela levantou ainda mais suas mãos, como se me pedindo paciência. "Eu sei hoje que isso era pedir mais do que você podia me dar, eu sei," ela confessou, suspirando pesadamente.

"Ok, e o que você quer de mim, então?" falei, ainda mantendo o meu aborrecimento em minha voz.

"Que você saiba que, hoje, eu entendo completamente os motivos de você ter se afastado de mim," ela disse, seus olhos brilhando sinceridade e tristeza. "Eu nunca quis lhe magoar, eu juro. Mas eu o fiz e entendo que você se afastou para se proteger."

"Eu não quero falar sobre isso," eu falei bruscamente.

Desde que Freen havia terminado comigo anos atrás, ela tinha deixado claro que queria se manter na minha vida. Que estava terminando o nosso romance e não a nossa relação. E da mesma forma que eu não consegui compreender antes, eu ainda não conseguia compreender agora e eu não queria passar por essa dor de novo.

"Mas eu acho que a gente precisa," ela tentou, mas eu neguei com a cabeça. Ela podia achar que já tinha passado tempo o bastante para ela me explicar o suficiente para eu entender sem me quebrar por dentro, mas eu sabia melhor que isso.

"Freen, quando você pediu para a gente voltar a se falar, você disse que queria um novo começo e, honestamente, é isso que eu quero também," eu meio que menti. Eu sim queria entendê-la enfim, mas uma voz gritava em mim que eu nunca queria ouvir que o amor acabou. Mesmo seis anos depois, eu ainda não era forte o suficiente para ouvir essas palavras.

Seus olhos atentos me analisaram, como já era de prache e eu aguardei suas conclusões. Eu esperava que ela entendesse que desde que ela havia voltado para minha vida, a minha necessidade de mantê-la havia se reinstaurado. E eu estava disposta a trabalhar nos meus sentimentos para isso.

Pareceu que ela entendeu isso, ou ao menos algo similar a isso, porque ela soltou um suspiro pesado, fechando seu olhos rapidamente, antes de voltar a me encarar com intensidade.

"Desde que eu me permiti lhe contatar de novo, eu decidi que seria respeitando os seus limites e sentimentos e é isso que eu vou fazer," ela falou com uma segurança que eu conhecia bem. "Como eu já falei algumas vezes, tudo o que eu quero é ter você na minha vida. Nos seus termos," ela me assegurou.

"Eu quero muito ter você na minha vida também," eu a respondi, confessando algo que nem eu mesma sabia conscientemente. Mas a verdade era essa: não importava o papel dela na minha vida, eu só não suportaria perdê-la mais uma vez.

"Então estamos na mesma página," ela disse, parecendo aliviada. Eu concordei com a cabeça, mesmo sabendo que não estávamos nem no mesmo livro.

O que me surpreendeu foi que, diferentemente de anos atrás, eu não me importava. Eu queria e necessitava Freenbecky, mesmo que nunca mais fosse Canon. Ter clareza sobre isso, me trouxe um conforto que nunca imaginei possível.

"Acho que finalmente estamos no caminho certo," pensei para mim mesma.

"Você quer ouvir o que eu escrevi hoje?" me vi perguntando a Freen, que concordou prontamente.

E quando eu estendi meu caderno com as letras que gritavam a minha inspiração nela para Freen, eu não me senti acuada, porque, de novo, eu sabia, Freen me entenderia. E ali, eu prometi a mim mesma que faria de tudo para manter essa nossa nova relação.

Eu precisava de Freen na minha vida. Para isso, eu teria que aprender a ser feliz sozinha. Essa era nossa única chance e eu estava disposta a lutar por ela dessa vez.

Notas da autora:

Eu gostei de escrever esse capítulo, mas não sei se ele ficou tão claro quanto eu queria. Espero que sim.

Aguardando os feedbacks e até o próximo!

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