People Change

6. Cafeína

Saí do café com um sorriso ameno e educado em meu rosto, mas sabendo que eu havia perdido. Mesmo sem querer, havia sim voltado no tempo, mas da pior maneira possível. Havia voltado para o início do fim. Tinha aceitado Freen de volta na minha vida, mesmo sabendo a dor que me causaria vê-la vivendo tudo o que eu havia sonhado viver com ela, mas só que com outra pessoa. Me senti estúpida. Parecia que tudo que tinha sofrido até ali tinha sido em vão, afinal não a tinha superado e continuaria sofrendo ao seu lado.

Porém era impossível não aceitar essa reconexão, porque os alguns minutos que passamos juntas foram o suficiente para me relembrar de o quanto bem ela me fazia. O cuidado que ela me tinha, nas pequenas coisas faziam sim o meu coração acelerar e doer simultaneamente, mas o conforto que ela me propiciava só com a sua presença ainda era alarmante. A dor não superava a luz que ela reacendeu em minha vida.

Não falamos sobre assuntos pesados nos minutos restantes que passamos juntas. Falamos sobre as pequenas coisas. Ela falou sobre o seu atual projeto em uma novela no maior canal aberto da Tailândia e eu falei sobre as composições que mais me animavam no momento. E pareceu como se nada tivesse mudado. Eu me senti como se na traseira da Van da Idol Factory indo até mais um dos nossos compromissos, imersa no nosso próprio mundo.

Não era certo o quanto aquele momento me fez sentir viva depois de tanto tempo.

Ela me abraçou apertado em seus braços antes de ir embora com a minha promessa de que nos veríamos em breve. Ali, imersa no calor da sua presença foi fácil dizer sim para tudo o que ela me pedia, porém algumas horas depois, longe dos efeitos hipnotizantes que sua presença me causava, eu pude ver a grande besteira que eu havia feito.

Que lugar eu tinha na vida de Freen? Onde se encaixaria uma ex namorada/ ex companheira de trabalho no meio da vida de uma atriz de sucesso casada e com uma linda filha de 3 anos de idade?

Mesmo que tivéssemos estourado na fama juntas, o tempo, e o meu grande esforço, haviam feito com que os nossos destinos estivessem inteiramente afastados. Começamos como Freenbecky, mas o espaço entre os nomes hoje em dia era ensurdecedor. Havia Freen e havia Becky. E havia o grande abismo entre nós.

Fui para  casa e enquanto comia minha salada de abacate, alface e salmão, recebi mensagem de Aran. Era a primeira vez que ele me contatava desde o e-mail encaminhado de Saint. Minha atual "paquera" estava ocupado nos últimos dias em uma turnê pela Tailândia sendo o guitarrista de alguma dupla da nossa gravadora, por isso o nosso contato havia sido restrito. E não vou mentir, esse era um dos motivos de nos darmos tão bem. O fato de Aran estar sempre ocupado demais para me cobrar uma atenção que eu não tinha, o tornava perfeito.

"Becky, estou em Bangkok, podemos nos ver?"

Essa foi a mensagem que ele me enviou depois de 8 dias. Geralmente eu o responderia facilmente com uma afirmação, ficando feliz com o fato de ter sua companhia leve e agradável por alguns dias. Ele viria uma noite até a minha casa, beberíamos alguns vinhos enquanto ele falava das suas experiências nos nossos dias afastados e eu escutaria, perguntando algumas coisas nas horas certas. Sua companhia me faria feliz por algumas horas, trocaríamos algumas carícias, se eu estivesse disposta atuaríamos em algumas atividades "físicas" e na manhã seguinte eu inventaria alguma justificativa para ficar sozinha de novo. Essa era a minha rotina.

Nesse momento, no entanto, eu estava com todos meus sentimentos a flor da pele e só em pensar em ter que passar algumas horas fingindo pensar em qualquer coisa que não fosse Freen, parecia exaustivo demais. Inventei uma desculpa qualquer para não ver Aran no dia seguinte e fui me arrumar para a cama.

Com os olhos fechados no escuro do meu quarto, tentei dormir. Mas tudo o que eu conseguia pensar eram nos olhos pequenos de Freen, no seu sorriso de canto e na sua postura ainda mais elegante. Pensei no que a promessa de voltar uma para a vida da outra acarretaria.

Ainda estava perdida nesses pensamentos quando o meu celular alertou uma nova mensagem. Suspirei descontente com a interrupção dos meus pensamentos e alcancei o aparelho na mesa de cabeceira. Abri o aplicativo de mensagens e li a mensagem mais recente:

Você sabia que chá verde tem cafeína? E eu pensei que tinha feito a opção saudável.

Freen completou suas palavras com um stciker de um coelho com os olhos arregalados e vermelhos. Não pude evitar de rir, imaginando os mesmos olhos e irritação na remetente da mensagem.

Sim, eu sabia. Imaginei que alguém tão exigente para as suas bebidas saberia também.
Respondi via mensagem, a provocando.

Fui enganada por um chá verde. Na próxima vou me afogar no chá com leite igual você, porque se for para ficar acordada a noite inteira, é melhor ter sido por uma overdose de açúcar.
Freen brincou.

Saiba que faz anos que troquei o doce do chá com leite para o café puro. O amargo na dose certa é melhor que muito doce.
Continuei o tom de brincadeira.

Essa frase é grande demais para um outdoor, Becky, que tal algo mais leve como "pelo menos o amargo não causa diabetes".

A resposta de freen me fez gargalhar e revirar os olhos ao mesmo tempo.

Essa mensagem pode salvar muitas vidas inocentes. Por que você não tenta encaixá-la em alguma de suas futuras entrevistas?

Claro! E não se preocupe que eu citarei a minha fonte.

Antes que eu pudesse responder, outra mensagem veio em seguida.

Obrigada mesmo por hoje. Eu imaginei esse encontro tantas vezes durante esses anos, de tantas formas diferentes. Eu sei que o começo foi meio turbulento, mas com a gente é sempre assim, não é? Obrigada por me permitir estar na sua vida novamente, eu juro que dessa vez eu vou ser e fazer melhor, Becky. Você é uma das melhores coisas que já me aconteceram na vida, espero que apesar de tudo, você não duvide disso.
O efeito da cafeína está passando e acho que é um bom jeito de finalizar um dia tão bom. Bons sonhos, Becbec. 🤍

Com algumas lágrimas sorrateiras nos olhos e um sorriso teimoso no rosto, concluí que Freen era mais poderosa contra o meu sono que qualquer cafeína.

Eu estava ferrada. Mais uma vez.

Notas da autora:

Primeira interação mais despojada de Freenbecky para vocês.

Não se preocupem que eu já tenho tudo pensando, os motivos, a forma como elas vão se reconectar finalmente. Tô amando muito pensar e escrever essa fic, como fazia tempos que não me sentia inspirada. Espero que aproveitem dessa jornada comigo.

Eu vou viajar hoje, então deixo esse capítulo e volto na segunda.

Fiquem bem e até o próximo!