Como eu deveria reagir a aquelas palavras? Ouvir Freen relatar aquele tempo do seu ponto de vista me fez ver o quão pouco eu realmente sabia sobre o seu lado da história. Meu peito ardia. Eu não podia acreditar que ela tinha passado por tudo aquilo sem eu saber.
Tinham horas do seu relato que eu não conseguia encará-la, porque parte de mim, com esses novos detalhes, conseguia lembrar de um sinal e outro de que Freen não estava muito bem. Ela tinha oscilações de humor e estava mais retraída, mesmo sendo a mais extrovertida de nós duas. Ela continuava gentil e atenciosa, mas honestamente, isso era instintivo dela. Eu achei que na época esse comportamento era cansaço misturado com a falta de interesse em mim. Queria ter olhado mais profundamente para isso e ter estado ali para ela.
Não me bastava ser essa "salvação" abstrata que ela me intitulava. Eu queria ter estado ao seu lado, segurando sua mão, a esperando nas consultas, a reconfortando com suas inúmeras qualidades até que ela voltasse a acreditar. Não queria ter sido um remédio amargo que ela precisava para lembrar que a cura é lenta, queria ter sido o repouso para seus dias mais difíceis, a esperança de que as coisas melhorariam.
Mas eu não podia mudar mais nada disso.
"Foi nessa época que eu fui passar alguns meses com a minha avó no interior," ela continuou, colocando seus pés sobre o sofá, com seus joelhos dobrados a sua frente. "Eu precisava me afastar das coisas do trabalho, dos meus gatilhos e do mundo, um pouco. Comecei minha terapia e passava os dias no meio da natureza, lendo e tentando melhorar," ela continuou, enquanto passava seus dedos pelo sofá ao seu lado. Era claro que doía falar dessa época, mas ela estava se esforçando para me contar tudo o que tinha acontecido.
"E sobre a carta que você falou?" me vi perguntando. Seus olhos, que acompanhavam o movimento dos seus dedos, levantaram até o meu rosto. Ela deu um sorriso forçado que mais parecia uma careta de dor.
"A minha terapeuta disse que era um bom exercício escrever sobre os meus sentimentos. Eu escrevi várias cartas para você, na verdade," ela disse, apoiando seu rosto nos seus joelhos, ainda me olhando.
Ela tinha um olhar tão inocente e ao mesmo tempo tão perdido. Era difícil reconciliar essa Freen com a que eu havia me reconectado nos últimos meses. A Freen de agora parecia tão madura e segura. Era estranho, porém estranhamente reconfortante, saber que eu ainda podia reconhecer partes dela.
"Uma dessas cartas, no entanto, eu decidi que lhe enviaria. Eu pedi para a minha mãe levar para Bangkok em uma das suas visitas e ela disse que havia entregado a alguém da sua equipe," Freen continuou. "Durante todos esses anos eu achei que você tinha lido essa carta," ela disse, virando o seu rosto para o enterrar entre seus joelhos. "Eu ainda não acredito que você nunca a leu," ela terminou, suas palavras abafadas pela posição que ela estava.
Meu peito só fazia doer. Por ela, por mim. Claramente a maior parte do nosso sofrimento veio de inúmeros desentendimentos. Eu achei que Freen havia deixado de me amar e Freen achou que eu havia desistido dela...
"Como você pode pensar que eu desistiria de você assim? Que eu sabendo da sua saúde, não teria lutado com unhas e dentes para lhe ajudar?" me peguei falando em um tom acusatório. Eu não queria confrontá-la, não era a minha intenção para aquela conversa, de maneira alguma. Mas foi instintivo.
Seu rosto levantou da sua posição anterior e seus olhos estavam surpresos com a minha reação.
"Me desculpa, eu não devia ter..." comecei. Eu não podia nem imaginar o que ela estava passando, então não tinha como exigir nada dela.
"Não se desculpe, você tem razão," ela falou, descendo seus pés do sofá e sentando normalmente de novo. Eu comecei a negar com a cabeça, porque tudo o que eu menos queria era que ela voltasse a se ver negativamente. Ela tinha feito um grande progresso até ali, isso era claro para mim. Eu não queria lhe dar nenhum motivo para ela voltar com aqueles sentimentos tóxicos. Eu ia a interromper, mas ela não me permitiu, levantando sua mão, me pedindo para continuar. "Eu quero dizer que, naquela época eu realmente não estava bem o suficiente para entender que você não faria isso. Você não me deixaria passar por tudo aquilo sozinha. Mas você tem razão, quando eu estava melhor, eu deveria saber. Eu devia ter lhe buscado novamente. Tudo poderia ter sido diferente."
Ela concluiu, abaixando seu rosto, como se o escondendo, mas eu ainda assim pude ver as lágrimas que escorriam pelas suas bochechas.
Com um suspiro pesado, eu levei minha mão para tocar a sua que repousava ao seu lado no sofá. O toque fez com que ela me encarasse prontamente.
"Não adianta a gente pensar assim. Sim, tudo podia ter sido diferente, mas não foi. Eu queria ter estado ao seu lado no seu pior momento, mas não estive. Eu poderia ter me esforçado mais para saber o motivo do nosso término, mas eu não me esforcei. A gente podia ter se comunicado melhor mas não o fizemos. Tem tanta coisa que a gente poderia ter feito, mas não fez," eu disse, com uma voz tão suave que eu praticamente não a reconheci. Ela me encarava tão fixamente que me surpreendi quando seus olhos caíram para as nossas mãos juntas entre a gente. Meus olhos seguiram os seus e vi, que sem perceber, meu dedão traçava deus dedos em um carinho familiar.
Um sorriso leve surgiu no rosto de Freen e eu me peguei sorrindo também.
"O importante é como a gente vai encarar o agora," falei, em quase um sussurro.
Seus olhos arregalaram e neles brilhou esperança. Clara e vibrante.
Não vou mentir que isso me assustou. A nitidez dos seus sentimentos me apavorava. Ela sabia o que ela queria, isso era óbvio. Mas eu não. Saber a verdade não magicamente arrumava todas as sequelas e consequências do passado.
"Como quer que ele seja," concluí, em um pedido mudo para que ela tivesse paciência.
Eu não saberia dizer o que o futuro nos reservava. A única coisa que eu tinha certeza era que se eu fosse perdê-la de novo, nunca mais seria por nós mesmas.
Notas da autora:
Olá, bbs. Como estamos?
Espero que estejam gostando e até o próximo!
"Se a gente perder, que seja derrota suada, sofrida, roubada
De mão beijada nem a pau
Se a gente ganhar, que seja vitória disputada, merecida, conquistada
Vou pro pau
Apostar na parte bacana do tal do amor
Do tal do amor"- Tal do amor (8 ou 80) - Jay Vaquer
Esse final me lembrou dessa música kkkkkk.
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People Change
FanfictionDez anos após a estréia de Gap e de um romance escondido, Freen e Becky são convidadas para um reencontro na mídia, mas a verdade é que ninguém sabe que elas não se falam há anos. Freen reconstruiu sua vida e montou uma família. Dez anos depois, Be...