29. Lar

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Eu tentei fingir que não me abalou o fato de descobrir que Freen cantava a música que eu escrevi para ela, todas as noites para a sua filha dormir. Claro que a maioria das minhas músicas tinha Freen como inspiração de certa forma, mas essa era especial para mim. Essa era sobre como ela havia se tatuado em mim permanentemente. Como, mesmo com tudo o que aconteceu, ela sempre estaria em tudo, silenciosa e sorrateira.

Quando Li começou a falar das reações de Freen em relação ao mar, eu senti dentro de mim um alívio. Como uma mão para apertar em seu momento de dor. Apesar do que eu tinha pensado todos aqueles anos, o mar a afetava tanto quanto a mim. Talvez eu estivesse em todo lugar para ela também. Esse pensamento, perigoso e no limite do que eu considerava seguro, formou um sorriso leve na minha boca.

"Esse é meu sorriso favorito," Freen falou, me tirando dos meus pensamentos. Ela me olhava, do outro lado do bangalô, onde tinha se deixado confortável para ficar de olho em Li, que brincava na piscina de crianças bem na direção do seu olhar, com suas bóias infladas em seus pequenos braços.

O nosso momento com a música foi interrompido rapidamente com as demandas da menina de entrar na piscina. Freen mais que rapidamente arrumou para que ela estivesse segura e a levou até a piscina a alguns passos de onde estávamos. A piscina era funda o suficiente para cobrir do umbigo para baixo da menina, logo Freen disse que ela podia ficar la sozinha, só que com bóias nos braços e os olhares atentos de Freen sobre ela.

Eu havia decidido que me deitaria na sombra em uma das espreguiçadeiras de madeira e tentaria ler o livro que eu havia trazido comigo. Missão que claramente havia falhado com os pensamentos sobre Freen ocupando minha cabeça.

Pensei em o que respondê-la, mas tudo o que vinha na minha cabeça eram flertes inapropriados para o tipo de relacionamento que mantínhamos. Eu ainda tinha minhas inseguranças em relação ao que eu queria de Freen e mesmo que naturalmente, eu tivesse começado a reagir mais livremente aos meus sentimentos nas nossas ultimas interações, eu tinha que ser cautelosa. Por mim, por Freen e por Aran também.

"Pensei que tivesse de olhos grudados em Li," decidi optar pelo caminho mais simples: a brincadeira.

"E quem disse que eu não estava falando do sorriso dela?" Freen respondeu, com um sorrisinho de canto que fez as borboletas no meu estômago parecerem mais como morcegos.

"Não sei, algo me diz que essa é a sua vingança por ser a minha quinta Chankimha favorita," trouxe a tona a nossa birrinha de uns dias atrás.

Isso fez Freen rir alto, levando sua mão direita até os óculos escuros que cobriam seus olhos, os tirando para me olhar diretamente.

"Nem você acredita nisso, Becbec," ela disse, tão confiante, que fez meu corpo inteiro arrepiar com lembranças de como sua atitude confiante me fazia sentir. A piscadela no final só serviu para embaralhar ainda mais meus pensamentos.

"Você não sabe brincar," resmunguei mais para mim, mas ela com certeza escutou e entendeu bem o que eu quis dizer com isso, porque voltou a rir alto antes de recolocar seus óculos escuros.

Dessa vez eu voltei a tentar me concentrar em meu livro e consegui. Me sentia leve ali, como se fosse mais um dia comum na minha rotina. Ler meu livro enquanto Freen, logo a minha frente, repartia seus olhares entre reparar Li na piscina e me encarar lendo. Eu sabia que ela fazia isso, porque conseguia sentir seu olhar em mim. Era estranho, mas eu percebia a forma que ela me olhava, mesmo por trás das lentes escuras. Era sua postura que não negava. Os anos poderiam ter passado, mas eu sabia as reações que eu causava em Freen.

Ela sempre teve um grande apreço pelos meus ombros, clavícula e pescoço, os quais estavam a mostra no maiô branco que eu havia escolhido para aquele dia. Assim como ela sabia que meu ponto fraco eram suas pernas, longas e delgadas. Desviei meus olhos rapidamente quando meus pensamentos começaram a ficar perigosos e palavras como "macias" e "estranhamente fortes" surgiram em minha mente. Águas perigosas, Becky.

Me forcei a tentar me concentrar em meu livro novamente para fugir desses tipos de pensamento e consegui.

"Becbec," a voz de Freen de repente tão próxima, me tirou do meu transe induzido pelo meu livro. Ela pareceu achar divertido o meu pequeno susto. Levei minha mão esquerda até meu peito e a direita até meus óculos, para abaixá-los levemente para lhe lançar um olhar brabo. "Eu pedi um suco para você," ela disse, ainda sorrindo e ignorando a minha reação. Eu, como a idiota que sempre fui por aquele sorriso, me derreti pela enésima vez aquele dia.

"Obrigada, P'Freen," me ouvi falando por força do hábito, enquanto pegava o suco que ela me oferecia e me sentava com as pernas cruzadas embaixo de mim. Talvez por me sentir cuidada como há muitos anos atrás. O sorriso dela aumentou, fazendo algumas ruguinhas aparecerem nas laterais dos seus olhos. Como podia ser tão linda, meu Deus?

"Em breve vou chamar Li para sair da piscina e vamos almoçar no restaurante principal antes de irmos até o chalé," ela disse, se sentando no espaço que eu havia esvaziado na cadeira que eu ocupava. "A não ser que você prefira que a gente peça algo lá mesmo," ela continuou quando eu não respondi. Provavelmente achando que eu não tinha concordado com sua primeira opção.

"A que você preferir," a assegurei, com um sorriso leve, voltando a tomar meu suco. Abacaxi com hortelã. Claro. O meu favorito. O que esperar de Freen?!

Ela retornou meu sorrindo, concordando com a cabeça e voltando seu olhar para a direção da piscina infantil. Ela esticou seus braços para trás do seu corpo, apoiando o seu peso com eles na cadeira. A nova posição, no entanto, deixava sua mão direita tocando levemente o meu joelho.

Não era nada demais. Era um quase toque, quase nada, mais que inocente do final da sua mão e seu pulso em meu joelho direito, mas era o suficiente para fazer o meu corpo inteiro sentir. Em um impulso, me vi ajustando minha posição para que mais dela tocasse em mim. Ela claramente percebeu meus movimentos e se virou lentamente em minha direção. Como ela não tinha mais seus óculos escuros no rosto, eu podia ver claramente o seu olhar. 

Engoli em seco, me arrependendo do meu ato um pouco impulsivo. Antes que eu pudesse me arrepender completamente no entanto, foi a vez de Freen ajustar sua posição, deixando de se apoiar em seus braços e se sentando um pouco mais para trás na cadeira, quebrando o nosso contato. Eu não sabia se respirava em alívio ou bufava em protesto, mas não precisei escolher o sentimento vencedor, porque em seguida a mão que tocava levemente meu joelho, estava sobre a minha coxa.

Meus olhos, surpresos, foram rapidamente para o local onde podia sentir o calor do seu toque. A mão de Freen, no entanto, não segurava a minha perna, estava virada para cima em um claro convite. Meus olhos subiram para encarar os seus, em dúvida.

"Não precisa significar nada mais do que a gente não queira," ela disse.

Eu encarei seus olhos por alguns segundos antes de voltar a olhar para sua mão em minha coxa. O meu coração acelerou no peito e eu senti os pensamentos nublarem na minha cabeça. Por um instante eu não queria ser razão. Por um instante eu queria me permitir o que eu mais desejei durante tanto tempo. Minha mão foi de encontro a sua e, como a ultima peça perdida de um quebra-cabeça, nossos dedos se encaixaram. E no enlace das nossas mãos, meu coração batia compassado no peito: lar.

Notas da autora:

Boa noites, bebês.

Vamos dando passos lentos a Freenbecky.

Espero que gostem e até o próximo!

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