53. Kuan Yin

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POV BECKY

Acordei sentindo o meu corpo relaxado e me sentindo mais descansada do que havia me sentindo em muitos dias. Um pouco confusa, pois havia dormido um daqueles sonos realmente pesados, fui recobrando lentamente os meus sentidos. Me sentia confortável em minha posição e um cheiro familiar e agradável completavam aquele sentimento. Demorou alguns segundos para eu perceber o toque suave em meus cabelos e meus olhos se arregalaram imediatamente, como um sobressalto.

"Hey, shiu, calma, babe," a voz doce e inconfundível de Freen me pediu, enquanto suas mãos agora seguravam a minha cintura.

"Freen?" perguntei, ainda confusa em meio a minha sonolência. Apoiei meu braço na lateral do corpo abaixo do meu para poder erguer meu corpo.

Assim que o fiz, me deparei com o sorriso lindo da mulher que eu amo. Confesso que meu coração errou nas batidas dentro do peito, como ele sempre fazia na sua presença. Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios.

"Oi, meu amor," ela falou, ainda com o mesmo sorriso no rosto, levando suas mãos para segurar meu rosto entre elas e usando dos seus polegares para acarinhar minhas bochechas. "Que saudades que eu estava de você," ela falou ainda sorrindo, mas isso fez com que o sorriso diminuísse em meu rosto, me lembrando, afinal, de que eu havia adormecido sem a presença de Freen.

"O que você faz aqui?" perguntei, não de maneira rude, mas ainda confusa. Olhei para os lados e percebi que ainda estava deitada sobre a grama na parte de trás da minha casa.

"Eu vim assim que pude depois da minha viagem," Freen respondeu, tirando suas mãos do meu rosto e me encarando de forma inquisitiva.

"Ah," foi a minha resposta eloquente, enquanto aproveitava para tirar meu corpo de cima do seu e me sentando sobre minhas pernas ajoelhadas.

Freen me acompanhava com seu olhar atento, e agora claramente preocupado, me fazendo desviar do seu olhar. Eu sabia que o meu silêncio a teria preocupado e já devia esperar que sua reação fosse aparecer aqui na primeira oportunidade que tivesse. Não me entenda mal, eu não queria ela longe, só tinha receios das suas muitas perguntas que eu não queria responder.

Eu pensei que ela falaria algo, mas o silêncio se manteve e a única coisa diferente era que, agora as sua mão direita, acariciava gentilmente a pele exposta do meu joelho ao seu lado. Era um carinho simples, seus dedos deslizando delicadamente e de forma ritmada sobre a região. Meus olhos foram daquele ponto de contato até o rosto de Freen, que ainda se mantinha deitada, na mesma posição. Ela não me encarava mais, no entanto, apenas olhava em direção ao céu, mantendo uma postura relaxada. 

Pensei em questionar sua atitude, mas depois de pensar um pouco, entendi o que ela estava fazendo. Ela não iria me pressionar a nada. Ela estava ali para oferecer sua companhia e seu afeto, nada mais. Isso sim me fez sorrir novamente, enquanto aquela sensação de preenchimento tomou conta do meu peito mais uma vez. Não havia formas de descrever o quanto Freen era perfeita e exatamente o que precisava.

Com isso em mente, tomei sua mão que estava em meu joelho, na minha e me deitei ao seu lado, entrelaçando nossos dedos enquanto também encarava o céu estrelado sobre a gente.

"Eu também senti sua falta," decidi que precisava deixar isso claro depois de alguns segundos em silêncio.

Freen não respondeu imediatamente, apenas levou nossas mãos entrelaçadas até os seus lábios e deixou um beijo em meus dedos.

"Posso te contar uma história?" ela, enfim, voltou a falar, com as nossas mãos ainda próximas ao seu rosto. Virei meu rosto em sua direção.

"Claro," respondi, enfim. Ela continuou encarando o céu, enquanto eu observada seu perfil.

"Minha avó costumava me falar sempre de uma Mestra chamada Kuan Yin quando eu fui morar com ela naqueles meses," Freen começou em voz suave e íntima. Fechei meus olhos, sentindo um aperto no peito só em pensar em quais meses ela se referia. Ainda sentia muita dor por não ter estado nesse momento tão importante com ela, mas não ousei interrompê-la. "Ela dizia, que há muito, muito tempo, em um reino celestial, existia uma bodhisattva chamada Kuan Yin, conhecida por sua imensa bondade e coração generoso. Ela vivia em um lugar mágico onde a luz brilhava como o arco-íris, e a serenidade enchia o ar," Freen completou, com uma risadinha baixa, desviando seus olhos até os meus brevemente, antes de volta a encarar o céu. 

"Um dia, enquanto Kuan Yin se preparava para entrar no Nirvana, algo incrível aconteceu. Ela ouviu risos alegres e canções vindas da Terra, mas também ouviu suspiros tristes e pedidos de ajuda. Curiosa, Kuan Yin parou no limiar do Nirvana e escutou com atenção. Os sons da Terra eram como uma melodia complexa, cheia de alegria, mas também de tristeza. Ela percebeu que as pessoas na Terra estavam passando por momentos difíceis e clamavam por ajuda," Freen continuou. "Então, com um sorriso gentil, Kuan Yin decidiu não entrar no Nirvana. Ela queria ficar e ajudar aqueles que precisavam. Seus olhos brilhavam com compaixão enquanto ela olhava de volta para a Terra , assim como seus mil braços se estendiam para acolher e consolar todos os que estavam tristes. Até hoje ela é conhecida como 'aquela que considera, vigia e ouve as lamentações do mundo," Freen concluiu, voltando a virar seus olhos em minha direção, mas dessa vez sem desviá-los.


"Toda vez que a minha própria mente queria me consumir, minha vó me dizia que eu devia chamar por Kuan Yin e lhe contar as minhas dores, que ela me escutaria e me consolaria," ela continuou, desentrelaçando nossas mãos e levando a sua até seus dedos tocarem meu rosto. Seus olhos brilhavam um sentimento tão poderoso que era como seu eu pudesse sentir em todo o meu corpo de uma só vez. "E sim, às vezes eu chamava por Kuan Yin, mas aí eu percebi que ela não era a fonte do meu conforto. Quando eu precisava de claridade e alívio, eu escrevia para você," ela disse com um sorriso que ficava entre um lamento e um alívio. "Quando tudo era muito, você era meu acalanto, Becky," ela sussurou essa última parte.

Eu podia sentir as lágrimas se formando na ponta dos meus olhos, assim como os dedos gentis de Freen as impedindo de rolar pelo meu rosto.

"Eu não vou ser e nem posso ser a sua cura, isso você vai ter que buscar dentro de você, se possível com a ajuda de um profissional, mas eu posso e quero ser amparo. Para todos os seus fantasmas e lamentos, eu serei sua Kuan Yin," ela disse, agora com suas próprias lágrimas rolando pelo seu rosto. "Me deixa ser sua Kuan Yin?" ela pediu.

Eu sabia o que ela estava me pedindo, e sabia que não seria fácil, mas também sabia que já era a hora.

No lugar de lhe responder, eu puxei seu corpo contra o meu e encaixei meu rosto em seu pescoço, aproximando minha boca do seu ouvido:

"Obrigada por seu meu tudo."

Notas da autora:

Boa boa boa noite, bbs. Como estamos?

Obrigada pelos "oi, sumida" e até alguns xingamentos. Só fico feliz que vocês ainda estejam aqui mesmo depois de tanta demora.

Não sei o que vão achar desse capítulo, eu mesma estou em dúvidas. Mas aqui o entrego a vocês.

Espero que gostem e até o próximo!


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