A ideia daquele mundo ser um exuberante museu parecia cada vez mais distante para Harumi, a cada minuto que seus olhos passavam decorando as partículas de poeira acumuladas nos cantos do quarto escuro. Seus olhos, que se acostumaram com o imenso breu ao seu redor, assim como seu coração sempre se adequou a escuridão do mundo, pouco a pouco pareciam ver a sujeira rodopiando vez ou outra diante alguma entrada de ar que passava pela porta. Lugares como aqueles não pareciam mais dignos a museus, guardados delicadamente sobre molduras luxuosas ou mesas adornadas, e as pessoas com quem Harumi estava lidando tão pouco se adequavam a tal posto. Os passos ecoando pelos corredores eventualmente, inquietando o peito cansado da morena, lhe fizeram uma hora até mesmo perceber que nem ao menos ela era decente o suficiente para a metáfora.
Entre aquele vazio, que residia tanto no cômodo quanto dentro de si mesma, a única hipótese que aquele país parecia merecer, era de um enorme cemitério. Faria sentindo, afinal de contas, tudo ali estava morto, depravado por seus próprios traumas e medos, devorados pelos vermes da terra de desesperança que os fazia precisar enfrentar tudo que sempre evitaram.
Harumi nem ao menos tinha medo do escuro, mas já estava há tanto tempo cercada por aquela morbilidade que sentia começar a ter. O ferimento em sua coxa, apesar de não ter sido estancado, já havia parado de sangrar, devido ao período que esteve sentada. O líquido avermelhado já não escorria por sua perna, apesar da sensação viscosa ainda estar presente, e a lembrança arrepiante tão fresca em sua memória.
A verdade era que apesar de muitos considerarem as lembranças como uma das poucas coisas que permanecem conosco por um longo tempo, até elas mesmas nos abandonavam uma hora ou outra, esquecer era como morrer, e todos se enganavam ao acreditar que só se morria uma vez. Fora estranho as sensações que as últimas cenas dentro do bunker despertaram no corpo de Harumi, com pequenos espasmos musculares ainda percorrendo vez ou outra os seus membros, lhe carregando novamente para um sentimento tão horrível que só havia sentindo uma vez, um sentimento que apesar dela acreditar que seria uma das únicas coisas que não se esqueceria, esqueceu, talvez como uma proteção de seu cérebro, que tentou apagar aquele trauma de sua mente quando fora jogada naquele mundo. Ou talvez como um castigo perante todas as lembranças que já havia roubado de outras pessoas, condenada a permanecer sem nenhuma como pena de seus atos.
A ex jogadora se protegia tanto com a ideia de que sempre se esquecia, deixava totalmente para trás, tudo aquilo que viveu e abandonou, apenas para não ter que enfrentar a dor de saber que apenas as boas memórias pareciam evaporar de sua mente, apenas para não ter que enfrentar a dor de saber que era seu próprio cérebro, em um mecanismo de defesa, que tentava apagar as lembranças ruins o mais rápido possível. Quando aquelas mãos grotescas socaram o rosto de Chishiya, fora quase automático aquela mesma insuficiência atingir seu peito, da mesma forma de quando passou meses vendo Fuyuki morrer em sua frente, todavia parecia que agora havia sido atingida por algo multiplicado em mil, acelerado a um simples movimento de mãos, sufocante por saber que não conseguia fazer nada, Harumi não podia literalmente se mexer enquanto via Chishiya ser brutalmente espancado, não podia cuidar de suas feridas, e agora, mais uma vez, como tudo que ela parecia se importar fazia, não podia nem ao menos ter a certeza que ele havia sobrevivido, se seus míseros esforços foram suficientes.
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𝐓𝐇𝐄 𝐑𝐄𝐀𝐋 𝐆𝐀𝐌𝐄 - 𝘚𝘩𝘶𝘯𝘵𝘢𝘳𝘰 𝘊𝘩𝘪𝘴𝘩𝘪𝘺𝘢
Fanfictionㅤ E se não houvesse como voltar para casa? Quando mesmo após conquistar todas as cartas, Harumi, o estranho garoto qual salvou depois do jogo do rei de espadas, chamado Chishiya, e as demais pessoas que conheceu, descobrem com o fim dos jogos q...