Mudanças

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Estaciono o meu carro ao lado da minha antiga vaga, que é ocupada agora pelo carro do Matteo. No qual eu ainda não tinha reparado que tem os vidros tão escuros.

Desço e caminho em direção ao prédio administrativo da vinícola, observo que agora possui um jardim na entrada, vejo um rapaz com uma camisa cinza e um macacão azul marinho agachado mexendo na grama, percebo que ele me encara por alguns segundos a mais do que esperado, mas logo volta para sua atividade como se estivesse robotizado naquilo.

Parece que fazem anos desde que eu estive aqui e na verdade faz poucos meses.

Assim que eu entro no saguão, alguns funcionários que estavam passando me cumprimentam brevemente e eu sigo para a minha, ou melhor, para a sala do Matteo.

- Senhora Adrastéia. - Ouço uma voz que não conheço a me chamar.

Eu amo ser chamada de senhora Adrastéia, mas aqui, neste lugar, depois de tantas coisas e por uma voz desconhecida, isso me gera um incomodo no qual eu não sabia que poderia a vir sentir e descobre a minha frustração que estava guardada,  aqui na vinícola, sempre fui Capeletti, a final, esse é o negócio da famíli.

- Senhora Adrastéia. - Ouço novamente a voz, agora mais próxima à mim.

E novamente a onda de frustração e incomodo vibram forte dentro de mim.

Ajusto a minha postura, sinto meu rosto se contrair em seriedade e me viro.

- Capeletti. - Corrijo séria ao homem próximo à mim.

Por um momento, um breve momento, eu tenho a leve sensação de que ele surpreendeu a me ver cara a cara, como se não esperasse, mas logo assume uma expressão séria e sóbria.

Eu o encaro aguardando que me diga o porquê me chamou, mas ele continua apenas a me olhar, então eu pigarro frustrada e bufo impaciente.

- Então? - Pergunto erguendo uma sobrancelha para ele e o encarando de volta.

- Em que posso ajuda-la? Tem horário marcado com o senhor Capeletti? - Ele me pergunta como se fosse algo automático, uma frase pronta.

Isso me irrita.

- Você é... - Não finalizo a frase de propósito e aponto desleixadamente para ele.

- Sou o recepcionista do prédio. - Ele responde completando a minha frase com firmeza.

- Recepcionista do prédio? -Pergunto sem entender ao certo. 

Antes tínhamos apenas um porteiro e agora tem um recepcionista, Matteo mudou mesmo este lugar.

Um jardim na entrada, um recepcionista na recepção do prédio, o quem mais posso esperar? 

- Sim. - Ele confirma.

Novamente o silêncio permanece por um minuto.

- E então? Tem horário marcado com alguém presente no prédio? - Ele pega uma espécie de agenda, que até então eu não havia notado em sua mão e finge estar procurando o meu nome.

Isso instantaneamente em irrita em um nível muito alto. Respiro forte, e engulo a vontade de gritar com ele, descontando toda a irritação que está me causando.

- Eu preciso agendar um horário para vir à vinícola? - Minha voz  ainda sai um pouco mais alta do que o normal e com irritação.

- Sim. - Ele responde mantendo o mesmo tom. - Ordens do senhor Capeletti. Observei na agenda que não possui um horário, deseja agendar um? - Ele me olha e depois olha para uma página aleatória em sua agenda.

- Você só pode estar brincando comigo? Eu não preciso agendar horário nenhum para visitar... 

- Marco. - Matteo o adverte firme surgindo atrás de mim. - O que está fazendo? - Ele pergunta sério ao homem parado em minha frente agora fechando a agenda. - Não aborreça à minha irmã, além dela não poder passar por um estresse, você não vai querer experimentar ver ela assim. - Ele o adverte novamente. - Vai por mim! - Ele deixa transparecer uma leve ameaça em sua voz.

Ver e ouvir o Matteo com está postura soa um pouco estranho, ele é sempre brincalhão e descontraído, mas há algo entre eles que eu não sei dizer, mas posso sentir, talvez por agora ele tenha que assumir uma postura de mais autoridade, mas isso ainda me faz pensar que existe algo além.

- Estava apenas seguindo às ordens, chefe. - Ele olha Matteo nos olhos e pronúncia a última palavra de forma diferente, como uma espécie de código entre eles.

- Certo, mas está é a minha irmã, à quem tudo isso também pertence, já conversamos sobre isso, minha família não precisa agendar hora, ok? - Matteo pergunta sério com ele e pronúncia de forma diferente.

- Ok, chefe. - Ele responde. - Bem vinda à vinícola Capeletti, senhora Adrastéia. - Ele fala cordialmente e sai.

-  Capeletti. - O corrijo novamente e solto uma bufada ao vê-lo andando até uma espécie de bancada próxima a porta de entrada.

- Pensei que gostasse do Adrastéia. - Matteo fala em tom mais leve comigo. - Não vai me dizer que você e o Apolo... - Eu o interrompo.

- Não, estamos bem. É que aqui, sou Capeletti, sempre fui. - Falo para ele ainda irritada. 

- Bom, e como vai a minha sorella favorita? - Matteo pergunta abrindo um sorriso e me dá um beijo na bochecha seguido de um abraço caloroso amenizando o clima.

Este é o Matteo que eu conheço.

- Você diz isso para a Nella também? - Pergunto abrindo um sorriso e correspondo ao beijo e abraço dele, ele assenti em resposta. - E ela acredita? - Pergunto mais calma.

- Claro. - Ele assume, solta um riso e estica a mão esquerda em direção à sua sala.

- Eu não caio nessa. - Falo para ele me virando, seguindo sua mão.

Ele solta outro riso e balança lentamente a cabeça.

- E então, como está? Tudo bem com a Chiara? Nada de parto por hoje né? - Ele pergunta preocupado e brincalhão ao mesmo tempo.

- Não, sem parto... ainda. - Faço uma pausa dramática ele me olha rapidamente. - Estamos bem, eu a cada dia enorme e ela a cada dia maior e gorduxinha. - Afago a minha barriga, que aos pouco está ficando difícil de carregar.

- Você está ótima. - Ele me elogia com um sorriso breve no rosto.

- Senhora Capeletti, que bom vê-la aqui. - Eu instantaneamente olho para Laura atrás de sua mesa que ainda mantém a formalidade em ambiente de trabalho.

- Laura! - Exclamo o seu nome cordialmente.

Ver um rosto conhecido me alivia, ver que nem tudo mudou, que pessoas a quem confio e conheço permaneceram, Laura além de uma boa amiga, é uma excelente secretária, por mais que eu a acha boa, seus projetos como arquiteta são ótimos e lindos, um grande desperdiço ela está aqui e não seguindo sua profissão.  Eu ainda não a entendo por escolher continuar em um cargo mais comum, do que seguir sua carreira, seu sonho.

Ambas caminhamos na direção uma da outra e nos cumprimentamos com um beijinho na bochecha.

- Ainda por aqui? Matteo, você deveria se preocupar com a possibilidade dela entrar em trabalho de parto a qualquer momento por ter dois bebês e não eu. - Brinco com ele.

- Eu me preocupo, mas temos uma insistente entre nós. - Ele fala encarando ela.

- Bom, eu preciso deixar tudo pronto, para quando eu sair de licença. - Ela se justifica voltando para a sua mesa.

- Não se prenda demais aqui, Laura. - Advirto ela suavemente.

Ela assente e o telefone toca, atendendo rapidamente.

- Primeiro as damas. - Matteo se refere à mim e Chiara, estica o braço direto ao abrir a porta e me dar espaço para entrar .

A sala passou por algumas modificações, troca de móveis, cor de cortina, pode parecer besteira, mas não se parece em nada ao lugar que eu deixei e em que passei meus últimos anos aqui trabalhando incansavelmente.

- E então, a que devo a honra da sua ilustre visita? - Matteo brinca ao se sentar em sua cadeira atrás da mesa.

Tão sonhadoOnde histórias criam vida. Descubra agora