De repente mãe • Simone & Soraya

III. Te ver ir embora mais uma vez

As paredes do apartamento que antes eram coloridas e cheias de vida, agora pareciam mais sem graça do que nunca. As decorações com apego emocional não tinham mais algum significado para contar, os móveis cheios de porta retratos com fotos que carregavam tantas memórias, não existiam mais. O cheiro de baunilha que exalava em cada canto de sua antiga casa era só mais um aroma que a cada ano se tornava mais distante.

Seus dias se tornaram cem por cento focados em trabalho, às vezes esquecia até mesmo de sua vida social, odiava cancelar reuniões como costumava fazer para estar ao lado de sua família, seu ciclo social havia diminuído drasticamente e sentia saudades de ter alguém em que pudesse confiar plenamente. Risadas não ecoavam mais pelos cômodos com frequência, principalmente nos finais das noites. Era um completo vazio e ensurdecedor silêncio.

Se sentia orgulhosa de si mesma em relação a carreira que construira com o passar dos anos, era mais do que ela e seu pai imaginaram. Mas isso não era o bastante para preencher as outras lacunas de sua vida.

A notícia de que assumiria um dos ministérios no governo já havia saído, Leila, Eliziane e Janja estavam mais animadas com a notícia do que ela mesma, o buquê de flor que recebeu das mulheres era a única coisa que trazia cor para a grande sala bem iluminada, agradecia por ter as duas senadores ao seu lado pelos últimos quatro anos, respeitando cada limite que o tempo e as consequências lhe causaram e, agora, a primeira dama também fazia parte disso.

Seu quarto era o único cômodo do apartamento com uma das paredes de uma cor que não fosse neutra, o marrom claro atrás de sua cama a lembrava dos olhos que tanto amava admirar quando jovem. O lado da cama que um dia Soraya ocupou sempre amanhecia intocável, a relembrando da solidão que recaiu sobre seus ombros no dia em que ela foi embora. Deixava uma foto na gaveta de sua mesa de cabeceira para quando sentia a saudade corroer suas veias, o sorriso de sua ex esposa, mesmo depois de tanto tempo e de todos os acontecimentos, fazia um mínimo sorriso surgir em seus lábios.

Manter a mente focada no trabalho era o único jeito de se entreter e não pensar em tudo o que acabou perdendo. Também sentia saudades da presença de Lilian, melhor amiga da loira, a rotina da ruiva era turbulenta pela faculdade de medicina, mas sempre encontrava tempo para jantarem juntas. A família que tanto desejou construir tinha escapado entre seus dedos de uma hora para a outra, sem que pudesse fazer algo para evitar.

O toque do telefone a tirou de seus devaneios antes que pudesse cair em um mar de sensações que não poderia controlar, o nome da primeira dama na tela a fez soltar uma risada nasal antes de atender a ligação.

— Boa tarde, ministra! Como é que você está? — o entusiasmo na voz da mais velha era contagiante em qualquer situação, não conseguia entender como isso era possível.

— Boa tarde, Janja. Estou bem e você? — colocou a água quente na xícara com as folhas de seu chá, fitando a paisagem que tinha da grande janela da cozinha.

— Animada! As pessoas agora já tem a confirmação que você vai ser ministra e vamos poder trabalhar perto uma da outra em certas situações, não vai ser ótimo?

Simone soltou uma risadinha, conseguindo ter a visão de Janja andando pelo palácio do Planalto com um enorme sorriso, faltando dar pulinhos animados.

— Claro que vai.

— Vou conseguir te fazer almoçar direito em alguns dias do mês, sabia que isso é uma missão mais difícil do que governar um país? Não sei como pode ser tão cabeça dura — revirou os olhos, entrando em seu gabinete. O cheiro doce do perfume de Maria Cecília estava impregnado em todos os cantos do cômodo, jurava também conseguir ouvir o som da risada da mais jovem — O que acha de um jantar para comemorar? — queria dizer não, como todas as outras vezes, mas essa era realmente uma ocasião diferente. Talvez não fosse de todo mal aceitar o convite, ao menos uma vez.