XX. Você pode ficar comigo essa noite?

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Escolhas. Decisões. Ambos são os principais moldantes da vida de qualquer pessoa. Se feitos com sabedoria, podemos ser levados para um caminho que sempre desejamos, mas se forem feitos com a indiferença do momento, ninguém poderá dizer o que pode nos esperar. Alguns sequer se importam com as consequências causadas, é como se nada fosse capaz de fazê-los sentir um arrependimento, frios demais para serem considerados pessoas de bem. Já outras acabam sentindo quando é tarde demais, o peso de algo errado não é tão fácil e tranquilo para todos que juram conseguir seguir em frente sem remoer o passado diariamente.

Às vezes o peso na consciência não irá surgir no mesmo segundo, pode demorar horas, dias, semanas, meses, ou até mesmo anos. Mas nada fará determinadas pessoas conseguirem fugir dessa sensação, é um destino traçado, um destino a qual poderia ter sido evitado se as vozes insinuando determinadas coisas não ganhassem espaço na mente das pessoas, se fossem ignoradas por completo até desaparecerem do mesmo jeito que surgiram.

Fairte foi alguém que optou a ouvi-las. E o arrependimento veio, mas já era tarde demais para mudar o que tinha feito.

Viveu anos no impasse de contar ou não a verdade para Simone. Isso não deveria ser uma decisão em sua vida, mas se colocou no meio do caminho da própria filha por motivos que, ao decorrer dos anos, entendeu não ser o mínimo plausível para causar dor na mulher que jurou proteger desde o dia que descobriu estar grávida. No início, olhava para a filha e sentia a culpa percorrer suas veias, era um desconforto que jurou ser capaz de conseguir conviver com ele, poderia fazê-lo de sua companhia se isso significasse continuar tendo a morena lhe amando. Mas a cada ano que passava percebia estar perdendo a sua garotinha, o brilho já não existia, a felicidade era quase como estar no automático, ela não seguiu em frente e muito menos tocou no nome de outra pessoa. Afundou no trabalho e ele se tornou a única coisa de fato importante para ela, era o que um dia desejou, mas em proporções totalmente diferentes.

Quando tudo ocorreu pensou ser a chance perfeita para fazê-la se casar com um dos pretendentes que tinha em mente antes de Soraya surgir em suas vidas, mas sequer foi ouvida. Esperou que Ramez a apoiasse, afinal, ele sabia muito bem que isso serviria como uma "passe limpo" para a reputação da filha, que, na opinião da maioria das pessoas que conheciam, havia sido manchada no dia que decidira se casar com a única filha da família Thronicke. Havia sonhado com uma carreira perfeita para Simone antes mesmo dela ter idade para pensar nisso, acabou colocando a maioria de suas expectativas nela ao ver que seus filhos mais velhos não deram qualquer sinal sobre o desejo de seguir os passos do pai.

Pensou que o sentimento de Simone pela loira seria uma fase, algo bobo da faculdade, não tinha como não pensar o contrário quando nunca viu a filha com ninguém por mais do que algumas semanas. Sempre fora assim, porque acabaria se tornando diferente de uma hora para a outra?. Mas então a morena surgiu com Soraya ao seu lado em um jantar, se lembrava do dia que ouviu a filha falar abertamente sobre a pessoa que tirava seus sorrisos bobos com facilidade era uma mulher, fora um choque inesperado e não soube ao certo como reagir com isso, mas acabou assumindo uma expressão carinhosa que fez Simone achar não ser em nada um problema.

Mas era. Não sabia dizer se apenas pelas mesmas razões que leva alguém até o preconceito, ou se pelo pensamento de que todo o sucesso que deveria ser de Simone poderia escorrer da ponta de seus dedos antes de realmente tê-lo, exatamente como o nome da família que tanto desejou prezar desde que se tornou uma Tebet. Pensou nos comentários que precisaria ouvir, na possível chacota que se tornariam e, com o passar dos anos, de um jeito que jamais deveria ter acontecido, o bem estar e a felicidade de sua filha não soaram como a coisa mais importante.

Tentou se acostumar com o casamento das duas mulheres ao constatar que não seria uma fase, pensou que as pessoas estariam ocupadas demais com suas próprias vidas para focar nas alheias mas, como já esperava desde o início, isso não aconteceu. Eles gostavam de ser "pessoas de bem", de ter o preconceito enraizado no fundo do peito, de julgar o que não era tradicional em suas percepções, de apontar o dedo bem no rosto de cada uma delas e de toda a família para perguntar como tinham coragem de expor a relação sem sentir repúdio. E, sem pensar duas vezes, se rendeu a todos os comentários durante os dez anos.

De repente mãe • Simone & SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora