XXIX. Era uma promessa.

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Em algum lugar ela tinha certeza que algum pássaro estava cantando, como um daqueles momentos idílicos de contos de fadas em que a personagem principal está acordando um monte de pássaros que estão aninhados bem na janela. Na verdade ela nem sabia que tinha pássaros cantando tão alto naquele barulho infernal de Brasília, mas podia jurar ter ouvido o bichinho em algum lugar assim que acordou, os olhos lutando contra a luz da janela, as pálpebras pesadas. O sol estava cobrindo a sua cama, deitado sobre ela, esquentando os lençóis grossos, uma breve olhada de soslaio na janela percebeu, sem nenhuma sombra de dúvida, que seria um dia bonito, um dia de céu azul, sol forte e a sensação de dia perfeito, a ansiedade engoliu seu estômago como uma sombra fria e ao mesmo tempo esfuziante.

Sua noite de sono não tinha chegado perto da tranquilidade, a falta de Simone ao seu lado na cama a lembrava de dias que detestava com todas as forças, mas havia se rendido a superstição que Lilian e Janja fizeram questão de relembrá-la diariamente nos últimos dois meses. Não acreditava que ficar com a morena um dia antes ou vê-la pronta para o casamento fosse interferir em algo no amor que viviam, mas também não desejava arriscar.

E, por pura garantia de que não voltaria atrás do combinado com as duas mulheres, Tebet havia voado para Campo Grande no início da noite anterior. O casamento aconteceria na fazenda principal da família Tebet, a mesma que carregava lembranças da época que já fora casada com a morena e do recomeço de ambas. Soava como o lugar ideal.

A notícia de uma das ministras de estado prestes a se casar com uma mulher tinha sido um choque, ao menos para a maioria das pessoas, mesmo que a verdade sempre estivesse evidente para quem quisesse ver de verdade. Mas não podia esperar reação diferente, já contava com isso desde o primeiro instante, desde seu pedido para que Tebet voltasse a ser sua esposa. A sua única preocupação, de fato, era em relação a Maria Cecília.

Jamais desejaria escondê-la, mas queria ao máximo protegê-la de possíveis comentários maldosos, de pessoas que encontravam mais prazer em criticar a vida alheia do que cuidar da própria. Ninguém merecia tal tipo de coisa, mas a garota menos do que qualquer um, não queria que sua doçura e ingenuidade fosse rompida dessa maneira.

Mas Simone tinha se certificado de manter a vida da filha o mais privada possível e, se alguém ousasse tentar mencioná-la em algo, ambas se tornavam a versão que qualquer pessoa com o mínimo de senso desejaria evitar. Podia dizer que estavam se saindo bem, principalmente para duas mulheres que sofreram com tantos comentários terríveis anos atrás, era como se estivessem tão entretidas em um mundo só delas que nada fora disso importasse.

Elas podiam sobreviver a qualquer coisa que surgisse em seus caminhos se tivessem uma à outra.

O barulho da porta de seu quarto atraiu sua atenção e espantou seus devaneios, o aroma floral com um fundo doce entregou a presença da mulher antes de repousar o olhar sobre ela. Um sorriso nostálgico tomou conta de seus lábios ao encontrar a imensidão das íris azuis, há quase trintas anos atrás, quando estava a algumas horas de se tornar a esposa de Simone pela primeira vez, Lilian tinha sido a pessoa a invadir seu quarto para acalmá-la, quando, claramente, ela era a mais nervosa entre as duas. E, anos depois, a cena se repetia. Mas Bagman não era mais a mesma jovem daquela época, ela era a mulher que Heloísa, sua mãe biológica, tinha sonhado e muito mais, ainda carregando a mesma doçura de sempre.

— Bom dia, noivinha! — ela cantarolou em um tom suave, colocando apenas a cabeça para dentro do cômodo, franzindo o nariz ao notar a felicidade genuína e rápida que tomou conta da feição da loira — Como você está? — indagou carinhosamente, adentrando por completo o quarto, revelando a bandeja de café da manhã preparada minuciosamente e, aparentemente, em um tempo recorde.

— Com você aqui agora, bem melhor — descansou as costas na cabeceira, puxando os lençóis para cobrir ainda mais seu corpo. Fechou os olhos e inclinou a cabeça para receber um beijo de Lilian em sua testa, fazendo parecer que ali ela era a mais nova. Mas a médica não se importava em nada com o quesito idade, teria a imagem de uma Soraya indefesa independente do momento que se encontrassem — Você não deveria estar arrumando as suas próprias coisas para voarmos até Campo Grande?

De repente mãe • Simone & SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora