De repente mãe • Simone & Soraya

XIX. Ruínas.

Não se recordava a última vez em que dormiu tão serenamente durante toda a noite, nem mesmo pesadelos foram capazes de afetá-la, eles se mantiveram longe o bastante para conseguir respirar tranquila e aproveitar a presença das duas ao seu lado. Assim que abriu os olhos notou ainda estar com a mão entrelaçada na de Soraya, que tinha um semblante sereno e calmo, exatamente como Cecília, abraçada a Pipoca, que aparentemente desistiu de ficar em seus pés e preferiu se manter na mesma altura delas durante a noite.

Desejava poder se manter ali por um tempo indeterminado, que pudesse esquecer seus deveres e se perdesse mais naquele abraço, onde parecia que nada era capaz de atingi-las, que nenhum mal de fato existia.

Mas a realidade estava batendo suavemente em sua porta, a tirando daquela onda de sentimentos. Se esforçou para sair daquela bolha ao levantar da cama para verificar se tudo estava pronto para seu voo até Campo Grande, que aconteceria em menos de duas horas. Antes de deixar o cômodo pegou seu celular sobre a mesa de cabeceira da filha e tirou uma foto das duas, a fitando por alguns segundos com um sorrisinho doce nos lábios, definitivamente a imprimiria para deixar em seu apartamento.

Cobriu o corpo das duas com cuidado, já que estavam parcialmente descobertas pelo jeito que se remexiam enquanto dormiam e rumou para fora do quarto a passos baixinhos para não acordá-las. Ouviu barulhos vindos da cozinha e não precisava pensar muito para saber que deveria ser Lilian preparando o café da manhã para Soraya e Cecília, como de costume. Andou até o cômodo e se recostou na porta, fitando em silêncio a mais nova que, por motivos muito óbvios, estava com um humor invejável para aquele horário.

— Eu até perguntaria a razão desse sorrisinho, mas eu já o conheço muito bem — prendeu uma risada baixa ao ver a médica dar um sobressalto antes de voltar o olhar em sua direção.

— Você deve desejar que eu tenha um ataque do coração a qualquer segundo, não é possível — revirou os olhos, sorrindo docemente em seguida — Não sabia que estava aqui — Simone se aproximou da mais nova, a fazendo deixar de lado as frutas que cortava para preparar o suco e o iogurte que Cecília costumava tomar todas as manhãs para receber um beijo suave no topo de sua cabeça.

— A pequena pediu para eu dormir aqui essa noite — explicou, se afastando da ruiva — Não pude negar isso a ela.

— É claro que não, você é uma mãe babona. Por sinal, deveria deixar algumas roupas suas aqui, facilitaria a sua vida, sabia? — a morena abaixou o olhar para a camisa social amarrotada e a calça na mesma situação, coisa que costumava acontecer com frequência quando decidia dormir no apartamento de Soraya e pegava no sono antes de conseguir vestir uma das roupas largas de Lilian que ficavam no closet da advogada.

— É, eu acho que não seria uma péssima ideia. Vou precisar pedir para a minha assessora separar uma roupa para conseguir ir até o aeroporto — respirou fundo, se recostando no balcão ao lado da médica para responder as mensagens que ignorou completamente desde o início da noite anterior — Precisa de alguma ajuda?

— Não, morena. Pode ficar só no seu mundo de trabalho para aproveitar a família assim que chegar em Campo Grande.

— Você vai querer ir com a Soraya amanhã pra lá? — sua pergunta sem antes explicar que a loira se faria presente na casa de seus pais também, mas em dias diferentes, causou um enrugar de sobrancelhas na mais nova, que repousou o olhar nas íris escuras.

— Ela também vai? Passei algumas horas longe e perdi coisas?

— Cecília pediu para ela ir — Lilian mordeu o lábio para não deixar escapar um sorrisinho que entregava sua surpresa pelo quão convincente e empenhada a sobrinha estava sendo para deixas as duas mulheres mais juntas do que elas se permitiriam se agissem por conta própria.