De repente mãe • Simone & Soraya

XV. Mágoa enraizada.

Anos em meio a dor que a abalaram por completo parecia o tipo de sentimento que nunca poderia ser curado ou amenizado, mas os últimos dias mostraram que podiam estar erradas em relação a isso. Não que tivesse deixado de existir aqueles resquícios de mágoa e dor que por muito tempo foram as maiores companhias das duas mulheres. Só haviam entendido que nada mudaria o passado, não importa o quanto pedissem e o quanto desejassem para todos os nomes que vinham em suas mentes. Maria tinha uma grande parcela de culpa naquilo, afinal, desejavam ter uma boa relação para poderem conviver com a garota.

O clima tenso que duas semanas atrás poderia facilmente ser cortado por uma faca, tinha se suavizado com o passar dos dias e agora uma relação tranquila havia sido estabilizada entre as duas, o que era o motivo da felicidade diária de Cecília.

Simone acabou dormindo no apartamento da ex-esposa mais vezes do que poderia esperar naquelas duas últimas semanas, às vezes era por pedido da filha e outras porque o cansaço acabava a derrotando antes que pudesse chegar em casa. Em um desses dias Lilian subiu para ver Soraya e a sobrinha após chegar do hospital e se surpreendeu ao ver as três dormindo no sofá da sala de estar, as pernas entrelaçadas, os braços se tocando, Simone abraçava o corpo da filha e, sem querer, parcialmente o da ex-esposa. Tirou uma foto do momento e caminhou até o quarto principal para pegar uma coberta, as cobrindo cuidadosamente, deixando o apartamento quando garantiu que estavam em uma pose confortável para passar as próximas horas.

A cada dia que passava começava a concordar um pouco mais com as conversas de Cecília em relação a chance de ver as duas mulheres ficarem juntas novamente. E se sentia aliviada em notar que a sobrinha entendia o peso da possibilidade daquilo acabar não dando certo.

O tempo em Brasília não era dos melhores naquela manhã, mas não impediu que ficasse entusiasmada por ser sua volta ao trabalho depois de jurar que poderia morrer de tédio ficando só naquele apartamento, por maior que ele fosse. Lilian ainda estava no hospital por estar fazendo plantão e Cecília havia passado a noite passada no apartamento de Simone, fazendo todo aquele silêncio ser muito estranho para a loira. Nunca escolheria aquilo ao invés das risadas e vozes altas, da animação em todos os cômodos, do calor humano que preenchia sua alma em ter a família por perto.

Deixou os saltos altos de lado por puro medo de acabar virando o pé mais uma vez e por ainda sentir um desconforto em seu tornozelo, precisando de mais alguns dias para se sentir cem por cento recuperada. Beto já estava estacionado na frente de seu prédio e não sabia que poderia sentir tantas saudades do homem como naquele momento, correu até a cozinha e se limitou a pegar uma maçã, andando para fora do apartamento. Cumprimentou as pessoas no hall do prédio e viu o porteiro sorrir abertamente para ela, completamente animado em vê-la depois de dias.

— Bom dia, senhora Thronicke — acenou com a cabeça e, para sua surpresa, Beto também estava no primeiro andar. Ele andou até ela com uma expressão suave e feliz, estendendo a mão na direção de sua bolsa para não permitir que levasse tudo sozinha.

— Bom dia, Soraya.

— Aí Beto, que felicidade poder te ver — a mais nova se jogou contra o corpo do homem, o abraçando de um jeito engraçado ao ponto de arrancar uma risadinha rouca do mesmo, que devolveu o aperto  um pouco mais contido.

— Digo o mesmo. Confesso que acabei sentindo falta mesmo tendo recebido descanso durante esses dias.

— Pois agora tomarei mais cuidado e nós dois não precisaremos ficar enfurnados dentro de casa — se afastou, abaixando o olhar para as mãos  do homem, que agora seguravam todas suas coisas — Estou recuperada agora, posso fazer isso — tentou pegá-las de volta, mas Beto desviou de seu contato e começou a andar para fora do prédio após se despedir do homem ao lado oposto da advogada.