VII. Eu me negaria a fazer qualquer coisa que a machucasse

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Simone não respondeu a pergunta feita pela socióloga, ao invés disso, fez o percurso até o palácio da Alvorada em um completo silêncio, mas aquele silêncio respondia muitas das perguntas de Janja. Era nítido que algo havia acontecido entre as duas mulheres, o choque de Tebet ao ver a loira mais cedo, a pressa de Soraya para deixar a cerimônia e o breve desconforto relampejando em suas íris castanhas, o espanto em cada movimento da mulher ao seu lado após ouvir o sobrenome da advogada e o laço que a unia com Cecília.

Não insistiu em fazê-la falar, não naquele instante. Sabia que nada adiantaria. Quando a ministra passou pelos portões do Alvorada e estacionou o carro na frente do local, manteve os olhos em qualquer ponto à sua frente, não sendo capaz de fitar Janja.

— Desça do carro — a mais velha disse, seu tom era firme, entregando que ela não estava fazendo um simples pedido. Aquilo beirava uma ordem — Não me faça te arrancar daqui — desceu do veículo ao pegar sua bolsa, fechou a porta e fitou a morena pelo vídeo entreaberto do lado em que estava.

Tebet suspirou pesadamente, não havia para onde correr naquela altura do campeonato. Acompanhou os movimentos anteriores da primeira dama, sentiu o vento frio daquela noite bater contra seu corpo, mas ele não se comparava em nada com o frio que assombrava sua própria alma. Janja estendeu uma mão em sua direção, esperando pacientemente para que a segurasse, e assim ela o fez.

Elas andaram lentamente até a entrada do palácio, cumprimentando educadamente os seguranças que passavam por ali. O local estava mergulhado em um silêncio absoluto, a única luz acesa vinha da sala principal no segundo andar, as guiando em meio a escuridão. Janja ouviu o barulho das patinhas de suas cachorras contra o chão, foram recepcionadas por abanadas de rabos e rodopiadas animadas, causando uma risadinha baixa na socióloga.

Seguiram na direção de um dos quartos vagos, o que a loira tinha o costume de destinar a amigos quando acabavam dormindo ali. Abriu a porta do cômodo, dando passagem para a morena. Ela estava incerta e com certeza pensava em alguma desculpa para fugir dali e, quando notou não ter escapatória, deu passos curtos para dentro do amplo quarto.

— Se sinta à vontade — fechou a porta atrás de si, ligando apenas a luz do abajur na mesa de cabeceira. Simone se sentou na ponta da grande cama, mexendo em seus dedos em um sinal de nervosismo — Eu sei que algo aconteceu, talvez qualquer pessoa que pense o bastante tenha notado isso — seu tom era calmo, aveludado, como se tomasse cuidado com suas palavras para não assustar a advogada. Sentou lentamente ao seu lado, mas em uma distância que não a sufocasse — Nós não somos amigas a muito tempo, Simone, mas, pra mim, é o bastante para ter certeza que estarei do seu lado em todas as situações que me permitir. Carregar o peso do mundo em silêncio só vai te causar dor. Se abrir com as pessoas ao seu redor não é um sinal de fraqueza, e sim de coragem.

Deixou seu olhar recair em suas mãos, já sentia seus olhos marejarem sem que pudesse controlar. Nunca havia falado sobre Soraya para alguém que não fosse seus pais, sentia que não tinha motivos para isso. Quando se mudou de Campo Grande foi como se, a cada ano que se passava, deixasse todos os laços que a ligavam com Soraya morrerem. As pessoas não falavam mais sobre elas como um casal, ninguém sequer sabia desse fato, mesmo com anos na vida política. Se perguntava se eles haviam esquecido, se preferiram deixar por debaixo dos tapetes por pensarem que tinha tomado a decisão certa ao seguir sem a loira, ou se seu pai havia feito bem o trabalho de não permitir que nada se alastrasse.

Foram mais de dez anos que simplesmente desapareceram. Às vezes até chegou a se perguntar se todos aqueles momentos ao lado de Soraya existiram em sua vida.

— Eu conheço a Soraya — sua voz não passava de um sussurro, mas tinha certeza que Janja a escutava perfeitamente — Na verdade, eu e ela fomos casadas durante dez anos.

De repente mãe • Simone & SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora