Simone piscou algumas vezes, atônita, perdida no que Soraya estava querendo dizer. Cartas? Ligações? Voltar para a sua filha?.
A dor pode ser classificada em vários níveis dependendo da situação pela qual estamos passando. Quando rompemos uma amizade na infância, uma amizade que só tinha uma grande importância para um dos lados é como se tivessem acertado um soco em cheio em nosso coração. Quando passamos pelo primeiro amor que iniciou em sorrisos bobos e acabou em lágrimas, juramos que nunca mais seremos capazes de amar alguém, não na mesma intensidade, com a mesma devoção. E, talvez a pior de todas seja quando perdemos alguém, quando a dor percorre cada célula de nosso corpo, quando nos sentimos anestesiados e, acima de tudo, compreendendo que aquele sentimento nunca irá nos abandonar. Apenas passará a fazer parte de quem a carrega.
Havia crescido com a percepção e entendimento da palavra "dor", jurou estar pronta para o dia que a encontrasse frente à frente, mas talvez tenha falhado miseravelmente. Porque ninguém nunca a preparou para aquela dor. Uma dor que começava no fundo de seu peito, como se viesse de sua alma, e alastrasse por todo o restante de uma maneira tão lenta que poderia facilmente ser comparada a uma das piores torturas. E o pior de tudo era saber que ela não estava sozinha, ela vinha acompanhada de um vazio ensurdecedor, de um vazio que a fazia se questionar se algum dia viveu algo real, algo que não envolvesse dor. Fechou os olhos em busca de memórias para espantar aquela sensação de alguém estar percorrendo sua alma com a ponta de uma faca, e encontrou apenas o nada.
Nada. Talvez fosse a melhor e única palavra que resumia todas as lembranças que um dia pensou que teria ao lado de sua filha ou filho. Planejar por anos a fio a chegada de um serzinho para dar um novo sentido em sua vida, mas ser presenteada com negativos, com a perda de uma sementinha que amou incondicionalmente durante três longos meses sempre lhe pareceu algo injusto. Muito injusto. Mas nunca esperou que aquela sensação pudesse piorar, principalmente em poucos minutos.
Filha.
Havia escutado perfeitamente, não estava em mais uma das várias noites em que fechava os olhos e conseguia imaginar uma vida calma ao lado de Soraya, ouvindo passinhos rápidos acompanhados de risadas travessas ecoando pelo corredor, da brisa fresca batendo contra seu rosto e seu corpo sendo envolvido pelo calor que se fez presente por tantos anos, o calor que a loira exalava sem dificuldade. Aquela era a sua realidade, lhe nocauteando friamente ao ouvir a confirmação que há anos existia uma parte sua pelo mundo que desconhecia por completo.
Se um dia pensou que a vida havia sido muito injusta com ela, constatou que nada chegaria aos pés de perder uma vida inteira de primeiras vezes da própria filha.
— Do que você está falando?
Soraya quis soltar uma risadinha irônica, de raiva pelo desentendimento da mulher a sua frente. O que não aconteceu quando levantou o olhar para o semblante de confusão de Simone. Ele também carregava dor, mas não conseguia entender realmente o motivo.
— Das cartas que eu te mandei algumas semanas após eu ir embora da nossa casa. Das cartas seguintes que Lilian mandou quando não obtivemos resposta. Da insistência dela em te achar e te fazer ser presente na vida da nossa filha, das ligações que ela fez para a casa que um dia foi nossa e a resposta que a fez esquecer de uma vez a ideia.
A bolsa de gelo que segurava caiu no chão, causando um barulhinho baixo que interrompeu o silêncio recaído pelo cômodo. Conseguiam ouvir a respiração pesada uma da outra, como se tivessem corrido uma grande maratona, como se tivessem acabado de acordar de um pesadelo que nos causa pânico.
Era a primeira vez em anos que ouvia sobre cartas ou ligações, que ouvia sobre uma tentativa de contato com ela. Sempre imaginou ter sido deixada no escuro. Sem explicações. Sem consideração. Sem a oportunidade de provar sua inocência. Não sentia raiva por isso, talvez porque a dor sempre fora a grande campeã entre os dois sentimentos, se tornando sua principal companheira. Mas agora, ouvindo aquilo, a raiva aflorou em seu peito como se estivesse no meio da primavera, só havia uma simples diferença: nada do que estava sentindo era bonito como um grande campo florido.
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De repente mãe • Simone & Soraya
FanfictionSimone e Soraya estavam casadas há dez anos, o relacionamento de ambas era considerado, por amigos e familiares, algo saído de um conto de fadas. Mas até os mais belos dos romances podem não aguentar uma grande ruptura e causar danos irreversíveis...