Prólogo

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ANOS ANTES - Lyria, Serein

Nas profundezas da floresta, longe da civilização, o frio se esgueirava entre troncos, folhas e tocas. Os animais já haviam se recolhido àquela altura, buscando calor uns nos outros para enfrentar a noite alta de inverno. 

Já passava das duas da manhã quando os dois jovens surgiram em meio a névoa densa, abrindo caminho entre os galhos de árvore e arbustos. O rapaz, mais alto de olhos verdes e pele pálida erguia uma lanterna para iluminar a trilha diante de si enquanto segurava a nuca de uma bela garota, aparentemente mais nova e frágil, que estava amordaçada, com sinais evidentes de uma luta corporal muito recente. Ela havia resistido, e ainda tremia - frio e medo. O semblante era de sofrimento ao encarar os cantos escuros da mata densa que se encontrava. Ela sacudiu o corpo levemente ao passar por cima de um tronco, e o rapaz forçou o aperto em torno dela. 

— Estamos quase lá — ele a puxou para mais perto — Não tente nenhuma bobagem. Não quero bater em você de novo. 

A menina engasgou e começou a chorar, o que levou o jovem a lhe puxar pelos cabelos ruivos acobreados e apressar o passo. 

Alguns passos à frente, finalmente chegaram ao local preparado por ele. Por mais assustada que estivesse, a garota não pôde evitar reconhecer o caminho, as árvores e o vento familiar que soprava ali perto. Ela morava naquele bosque, costumava caminhar entre as árvores durante as manhãs ensolaradas. Muito diferente do cenário atual, é claro, mas aquele era seu bosque. Sua mãe iria procurá-la, seu pai logo estaria de volta. E onde ela estaria? 

No meio do bosque, o rapaz a jogou contra um altar de pedra enquanto ela lutava inutilmente contra as amarras que ele envolvia em seus pulsos. Com os braços e pernas rendidas e a camisola branca suja de terra e lama, ela se sentia o ser mais incapaz do universo; impotente enquanto se debatia sem forças, rompendo em lágrimas. Certo de que a garota não teria êxito em uma fuga, o rapaz se apressou em montar o altar, sendo observado a todo momento por sua vítima enquanto acendia as velas e desenhava os símbolos.

Por fim, após checar seu trabalho bem feito, ele caminhou até a garota e lhe tirou a mordaça para admirar o rosto de porcelana e os olhos azuis-prateados hipnotizantes. 

— Me solta…por favor — ela chorou, encarando-o nos olhos. —Por favor, não vou contar para ninguém. Por favor. 

— Shhh! Nada vai acontecer com você, querida — ele passou o polegar pela maçã do rosto dela, que se desvencilhou do toque com repulsa — eu sei exatamente para onde você vai. 

— Não, não…

— Vai dar tudo certo. 

—Não! Por favoor! — ela gritou e se debateu — Não faça isso comigo!

O garoto sacou um punhal serrilhado de cabo branco como osso. 

— Eu não quero morrer! Não quero morrer! — Ela chorou mais alto, engasgando com as lágrimas

— Mas você vai — ele sussurrou ao se aproximar dela

A menina continuou a berrar e se debater enquanto o rapaz erguia o punhal e proferia algo estranho em uma língua antiga. O bosque que um dia fora belo aos olhos da garota ficou carregado por algo tenebroso; as sombras pareciam criar vida e garras; as nuvens cobriram a lua em um céu sem estrelas. As velas tremeluziam, os desenhos arderam como brasa, e o coração da garota quase saltava para fora do peito e, no momento que as velas se apagaram, o seu raptor abaixou o punhal. 

Ela berrou, e berrou, a cada golpe que foi dado um atrás do outro, perfurando pele, carne e o coração, que parou de bater depois da quinta lesão. 

O garoto limpou o sangue do rosto com a costa das mãos enquanto observava o sangue da menina escorrer pela pedra, encarando por fim os olhos chorosos e sem vida que ainda estavam nele.

Estava feito.

Uma vida inocente. 

Um caminho sem volta

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