CAPÍTULO 26

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Dara

A sensação de vigia não me abandonou em nenhum momento. Na verdade, ficou mais forte quando pousamos em Roths ao anoitecer. Kian, Nathan e eu em nossa forma humana, apesar de mais discretos, éramos mais vulneráveis, mas ele ressaltou que era o melhor.

O antiquário estava fechado quando espiamos pelas vidraças sujas da janela. Tudo estava ainda mais escuro do que a última vez e, se não fosse pelo som de algo quebrando no lado de dentro, poderia jurar que estava vazio.

— Está fechado — Nathan apontou para a placa.

Kian ignorou e bateu com violência na porta, com intervalos curtos de tempo, o que fez uma Verena irritada surgir na soleira. Fui atingida pelo cheiro de folhas de papel e café, e precisei recuar um pouco.
— Eu deveria arrancar sua mão e enfiar na sua bunda — ela rosnou.

— Tente — Kian sorriu de canto.

— Calma. — Puxei Kian um pouco e Nathan chegou mais perto de nós — Precisamos da sua ajuda e é urgente.
Os olhos da Bruxa pareciam ainda mais amarelos, mas foram suavizando ao nos reconhecer. Ela usava um robe de seda vermelho e os cabelos castanhos ondulados estavam bagunçados. Talvez ela estivesse dormindo…

Mudei de opinião assim que entramos e encontramos um homem fechando os botões da calça jeans enquanto terminava de colocar a camisa.

— Estava ocupada, como podem ver — a bruxa caminhou até sua escrivaninha para se sentar atrás dela — a placa de fechado não diz nada a vocês?

— Achei que fossemos amigos, Verena — Kian me puxou para mais junto de si enquanto sorria para a bruxa. Nathan se manteve mais atrás, olhando para todos os artefatos da loja em silêncio.

— Faça-me o favor — ela revirou os olhos — O quê você quer?

Kian olhou para o homem que já estava vestido, olhando de Verena para nós de modo atento. Tinha olhos verdes como esmeraldas e pele bronze reluzente; o corpo era grande, cheio de músculos, com mãos grandes e pernas grossas. Era da mesma altura de Kian, mas ainda assim parecia maior.
— Esse é Elliot — Verena acenou para o homem.

— Está tudo bem? — Elliot indagou olhando para mim e para Kian.
Kian inclinou a cabeça para ele e eu senti aquela energia estranha pairando no antiquário.

— Você é um lobisomem — Kian anunciou.

Senti os pelos dos braços ficarem de pé. Não gostava de lobisomens; eram sujos, tanto quanto vampiros. Transformam humanos por diversão, apenas para fazê-los sofrer e os verem agonizar. Fui tomada por uma repulsa repentina, algo que nunca havia sentido antes. Em geral, eu não sentia raiva de seres impuros. Apesar de terem sido criados da maldade, não permitia me deixar consumir por sentimentos ruins a respeito deles. Os evitava, claro, mais por medo do que qualquer outra coisa. Contudo, agora tudo estava diferente; não era mais um anjo de Caelum e aqueles sentimentos estavam ali, e não os podia ignorar mais.

Elliot olhou para Kian depois para mim.
— E vocês são caídos. — ele tinha uma voz grossa, carregada de irritação contida. Parecia ter engolindo um rosnado — O que querem com Verena?

— Isso não é da sua conta, cão — retruquei.

Nathan engasgou e Kian me apertou junto de si. Os olhos de Elliot ficaram mais animalescos; as pupilas foram diminuindo até se tornarem um risco apenas.
— Veja como fala, sua…

— Elliot…— Verena falou em um tom baixo, mas firme.

Elliot trincou os dentes. Kian me colocou atrás de si, mas não parecia inclinado a brigar com o lobisomem.
— Vamos ficar todos calmos, tá bem?

— Vá embora, Elliot — Verena apertou a ponte do nariz e suspirou com pesar — falamos outra hora.

O lobo rosnou, mas caminhou em direção a porta parando diante de nós no caminho. Primeiro ele me olhou, com o mesmo desprezo que eu direcionava a ele, e então ergueu o olhar para Kian.
— Você devia dar uns tapas na sua garota. Ensiná-la bons modos.

— Talvez, mais tarde — Kian respondeu, e eu pude sentir a malícia em sua voz — Não bato em mulher vestida.

Senti meu rosto esquentar e a risada maliciosa de Verena foi o suficiente para quebrar o clima tenso do ambiente. Elliot grunhiu uma última vez e saiu por fim, batendo a porta com violência.
— Lobos são temperamentais — olhamos para Verena que ainda sorria — Coragem falar assim com ele, Coração.

Me senti culpada. O que deu em mim? Nunca havia me comportado daquela forma e, agora que aquele lobo havia ido reconheço que foi estúpido da minha parte.

Kian me soltou e virou para mim, me lançando um olhar questionador.
— Ficou doida? Se ele se transformasse aqui teríamos um problema.

— Mas não se transformou, não é? — Balbuciei.

Verena pigarreou.

— Podem discutir a relação mais tarde? Ainda quero saber porque atrapalharam a minha foda.

Engasguei e Kian riu baixinho antes de se sentar em uma poltrona no canto; Nathan se mexeu atrás de mim, ainda vasculhando as quinquilharias da bruxa. Eu fiquei em meu lugar, sem saber o que responder ou o que fazer com o meu próprio corpo, então apenas cruzei os braços e encarei Verena. A bruxa sorriu de canto e me analisou, de um jeito tão minucioso que me senti transparente. E nua.
— E como vai a nova vida de caída? — Ela olhou de esguelha para Kian por um segundo antes de tornar a encarar meus olhos — Aposto que sei a primeira coisa que você experimentou.

Imaginei que não seria possível meu rosto esquentar ainda mais, mas estava enganada. Olhei para Kian que havia colocado os braços atrás da cabeça e exibia um sorriso presunçoso nos lábios.

— Nem foi grande coisa — Consegui dizer com o resto de dignidade que tinha.
Nathan soltou uma risada.

— Ei! — O sorriso de Kian se foi e ele me olhou, com incredulidade.

Verena gargalhou e cruzou as belas pernas sobre a mesa, então lançou um olhar para Nathan, reconhecendo a presença dele pela primeira vez naquela noite.
— Quanto tempo, Nathan, meu bem.

— É. Como vai? — ele resmungou. O sorriso já estava longe de seu rosto.
Ela olhou para mim, depois para Nathan de novo, e abriu um sorriso como quem sabe de algo que ninguém mais sabe, mas adoraria contar, mesmo que não fosse de fato fazer isso.

— Isso está muito divertido, mas tenho certeza que não vieram discutir o desempenho sexual do casal, não é?

Kian resmungou algo sobre nosso desempenho está ótimo, mas não dei ouvidos e fui direto ao assunto. Nathan foi para o lado de Kian e ficou olhando para mim e para a bruxa de lá.

— Precisamos da sua ajuda. Queremos saber como encontrar e nos comunicar com Serafins.

— Interessante — Ela deslizou os dedos finos pelo queixo redondo. A unha vermelha brilhou com a luz — Querem que eu faça nevar em Verdent também?

— Se tem uma pessoa que pode nos ajudar, Verena — Kian ganhou a atenção da bruxa — , é você. Deve ter escutado algo sobre isso.

Ela suspirou, mas no fim sorriu.
— Eu sou boa, não sou?

Revirei os olhos.
— Nos diga como.

— Não é assim que funciona, Coração. — Ela analisou as próprias unhas.

— Tô sabendo — Kian se levantou — Pegue seu cristal.

— Não. Eu acho que não — os olhos amarelos dela encararam os de Kian — Essa informação é valiosa demais para ser paga com apenas uma dose de energia.

— O que você quer? — Nathan perguntou.

Verena baixou as pernas e pegou um frasco de vidro na prateleira atrás de si, depois o pousou na mesa antes de me olhar nos olhos.

— Seu sangue.

Um Doce Sacrilégio | Corações Infernais | Livro umOnde histórias criam vida. Descubra agora