CAPÍTULO 29

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Kian

Os olhos de Dara acenderam. Brilhantes como uma estrela. Depois se apagaram depressa.

Primeiro achei que havia imaginado, mas quando a Wendigo se afastou obediente, eu entendi.
— Você a hipnotizou — Falei,  mantendo o tom baixo.

Dara me olhou, assustada, mas pareceu ter chegado à mesma conclusão. Sempre soube que havia algo estranho no fato de Dara não precisar tocar nas pessoas para que sua vontade fosse feita, mas quando o poder dela não funcionou em mim eu descartei aquela teoria. Agora, vejo que não estava louco e que, talvez, apenas eu fosse imune ao seu dom. Ou talvez esteja mais forte agora que Dara é um anjo caído.

Com meu dom foi da mesma forma. Quando era um anjo vingador, não conseguia fazer o que faço hoje. Não me surpreenderia se com Dara fosse do mesmo jeito.

A cabeça de Dara tombou, cansada, me arrancando dos meus pensamentos.
— Me sinto fraca — ela murmurou.

— Você está se recuperando. Descanse. Talvez seja nossa única chance de sair daqui.

Ela fechou os olhos e assentiu. Apesar de eu estar com a energia carregada, meu corpo estava ferido demais para suportar o poder. Eu estava me curando muito lentamente e, infelizmente, tempo era a última coisa que tínhamos.

Mais algumas horas se passaram e Dara havia apagado. Me concentrei nas correntes que prendiam meus pulsos, tentando rompê-las de alguma forma. Infelizmente, fiquei tão concentrado que não notei o Dax se aproximar e, quando virei o rosto, uma barra de ferro atravessou meu estômago, me fazendo cuspir sangue.
— Tentando fugir, caído? — ele sorriu, enquanto eu engasgava, limpando a barra de ferro na calça.

— Kian! Kian! — a voz de Dara estava distante.

— Recebemos as ordens que estávamos esperando — ele olhou para Dara — Você é de interesse do meu mestre, mas seu namorado…tsc tsc…vai virar jantar.
Seu mestre…?

— Deixa ele em p…— ela não terminou de falar

Virei o rosto a tempo de ver Petra perfurar a costela de Dara com uma adaga, a deixando alojada ali.  Tentei falar, mas tudo que consegui foi apenas cuspir mais sangue.
— Eu queria muito jantar essa aqui — Petra rosnou

— Ela é do arcanjo.

Zadkiel

— É ela um dos ingredientes?

Dax rosnou, como se ela tivesse falado demais. Ingredientes? Petra se encolheu.
— Ele tem planos para ela. É isso que importa. — Dax se virou para mim — vamos ter que nos contentar com esse aqui.

— Kian! Kian! — Dara berrava.

Tentei olhar para ela outra vez, mas Petra surgiu no meu caminho e acertou meu rosto com a barra de ferro que eu não havia visto pegar. Tudo girou; uma dor atravessou meu crânio e eu caí para o lado. Os gritos de Dara estavam muito distantes.

Se eu apenas pudesse acessar meus dons; eu os queimaria de dentro para fora. Eu mataria dentro de suas mentes. Que merda. Um dom tão poderoso e eu havia esquecido dele justo quando mais importava.

Um deles soltou meus grilhões e me arrastou pelo chão lamacento. Minha visão estava turva; o apito em meu ouvido estava mais agudo e o gosto de cobre não deixava minha língua. Fui jogado perto da fogueira e senti a presença deles ao meu redor. Haviam mais. Saindo das sombras da caverna e me cercando como um bando de hienas em busca dos restos.
— Deixem o coração para mim — Dax ordenou.

Fechei os olhos, tentando visualizar o rosto de Dara e aqueles olhos que eu tanto amava.

Te amo, Bravinha.

Respirei fundo e gritei quando senti a primeira mordida.

***

Dara

Kian…Kian…Kian…

Ele gritava. Tanto. Tão alto que eu senti o chão da caverna tremer. E então um brilho forte encheu a caverna e os gritos mudaram para ganidos. A caverna tremeu mais uma vez e a fogueira se apagou. Um frio se estendeu pelo chão como um abraço gelado. Eu me encolhi, gemendo ao sentir aquela faca ainda alojada entre minhas costelas. E então, das sombras, ele surgiu. As asas negras abertas e os olhos verde-oliva acompanhados pelo cheiro forte de chuva e hortelã.

Meus olhos se encheram de lágrimas quando Nathan se abaixou para me ajudar com as correntes.
— Calma, Dara. Vou tirar você daqui.

— K-kian… — consegui indagar.

— Verena está cuidando dele.
Verena…ela…veio ajudar?

Nathan tirou a faca da minha costela e eu trinquei os dentes. Rapidamente, ele me ergueu em seus braços.

Foi tudo muito confuso.

Um par de olhos brancos, brilhantes e fios de ouros dançando no ar, saindo de mãos finas e delicadas; os fios criaram símbolos que eu não consegui identificar, e nem estava em condições para isso pois, assim que vi Kian estirado no chão de olhos abertos e com mordidas em todo o corpo, eu apaguei.

***

Kian

Havia um portão. Vermelho. Com desenhos e escritos antigos.
Na frente dele havia um anjo, parado de costas para mim. Parecia estar rezando pois eu escutava seus sussurros. Não entendia o que ele estava dizendo, mas parecia ser uma oração.
Dei um passo e o portão se abriu. Um calafrio percorreu meu corpo quando Grame surgiu do outro lado do portão. O anjo deu um passo para o lado e se afastou, deixando diante dele alguém de joelhos.
Não alguém qualquer.
Dara…

Ela estava nua, os cabelos ruivos-acobreados caiam molhados em suas costas sujas de sangue. Onde um dia tiveram asas, agora possuíam apenas dois cortes largos, revelando carne e osso. Tentei dar mais um passo, mas meus pés pareciam chumbo. Tentei gritar, mas nenhum som saiu.
Ainda assim, ela deve ter escutado, pois olhou em minha direção por cima do ombro; o rosto molhado pelas lágrimas e os olhos azuis-prateados vermelhos de tanto chorar.

Não. Dara…

Ela suspirou e então foi sugada para Grame.

Um Doce Sacrilégio | Corações Infernais | Livro umOnde histórias criam vida. Descubra agora