CAPÍTULO 32

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Kian

— Verena! — Avancei ao lado de Dara, mas a bruxa acenou com a mão, nos jogando para o outro lado da clareira, contra duas árvores robustas.

Senti minha coluna reclamar com o impacto. Lion gritou, assustando os pássaros presentes. Então a voz de Verena ecoou, doce e hipnotizante.

— Eu reivindico você, Lion, para que seja minha serva. Você me servirá, obedecerá e protegerá até o fim de seus dias, e realizará todos os meus desejos. Deste dia em diante por toda a eternidade você é minha.

Me coloquei de pé ao mesmo tempo que Dara. A Guia caiu de joelhos diante da Bruxa e eu senti a raiva me consumir.
— Sua desgraçada! — Dara avançou para cima de Verena, asas negras abertas e olhos brilhando.

Verena virou o rosto e apontou a mão para ela, prendendo-a em amarras de ouro reluzentes que a colocaram de joelhos. E, quando Dara começou a berrar de dor, eu esqueci como ser bom.

Verena perdeu o sorriso e me olhou, sabendo o que aconteceria a seguir. Em um impulso desesperado ela ergueu a mão para mim, na tentativa de se salvar, e eu a admirei por aqueles dois segundos, tanto que dei um sorriso de canto. E, foi aquele mesmo sorriso que a derrubou no chão e a fez se contorcer.

Verena arregalou os olhos, como se visse a morte diante de si, e de fato estava vendo. Ela se contorcia e berrava, gritos esganiçados que ecoavam pela floresta e de queimar a garganta. As mãos arranhavam o próprio corpo, como se quisesse arrancar a pele. E ela convulsava, tremia e berrava. Eu não enxergava mais nada ao meu redor, apenas Verena morrendo diante de mim.

Ela estava mais perto agora, ou talvez eu tenha andado. Sim. eu quem me movi já que ela não podia. A bruxa chorava, os olhos amarelos opacos e a boca suja de sangue. Ela engasgava com o próprio líquido vermelho, se afundando na lama enquanto implorava para que aquilo acabasse. Mas não acabaria…ainda não.

— Kian! — escutei a voz de Nathan. Provavelmente Verena havia despistado ele em algum momento.

Não o dei ouvidos, nem quando ele segurou um dos meus braços para me puxar para longe da bruxa que ainda morria no chão.
— Kian, para com isso! PARE!

Não dei ouvidos. Ela merecia. Ela atacou Dara, nos traiu para…O que ela faria com a Guia? Não importava. Ela tinha que morrer.

Verena berrou mais uma vez, o corpo formou um arco e os olhos ficaram tão arregalados que jurei que saltariam das órbitas.
— Kian! — era a voz de Dara.

Franzi a testa e abaixei o olhar, encarando os olhos azuis-prateados me encarando. Um brilho de desespero reluzia neles, o que fez minhas amarras afrouxarem um pouco na mente da bruxa.

— Kian…— ela tocou meu rosto — Você não é assim. Pare.

Libertei a mente de Verena que sugou o ar com dificuldade antes de tossir e se encolher.

Pisquei para afastar aquela névoa que se formou em minha mente e suspirei. Dara assentiu e me abraçou. Ela estava tremendo.
— Desculpe. — Murmurei

— O que aconteceu? — Nathan olhava para Verena e para nós alternadamente.
Lion estava no chão ainda, tremendo e abraçando o próprio corpo.

— Seu filho da puta! — Verena engasgou e senti aquela raiva retornar, mas tudo que fiz foi abraçar Dara com mais força enquanto lançava à bruxa um olhar de aviso — Perdeu o juízo?

— Você quem perdeu, sua puta! — Coloquei Dara para o lado e avancei para ela.

Verena se arrastou no chão, assustada. Bom.

Dara foi até Lion e tocou o ombro da Guia que ergueu o olhar para ela. Envolta do pescoço agora havia uma coleira tatuada com um V no centro.

— Desgraçada! — Dara rosnou para Verena — Ela confiou em nós e você…você…

— Ela confiou em vocês. Eu não estava aqui — Verena me olhou, os olhos amarelos brilhando de raiva — e devo lembrar que vocês me devem? Este é meu pagamento por toda ajuda que dei e darei.

— Eu sinto muito — Dara apertou a mão de Lion que apenas se encolheu.

Me sentia enganado. Envergonhado. Lion havia confiado em nós; estava disposta a nos ajudar e acabou perdendo a única coisa que tinha: Liberdade. Cerrei os punhos para controlar a vontade de matar Verena.

Nathan deve ter sentido, pois veio para o meu lado e apertou meu ombro. Quando o olhei nos olhos, percebi que ele também estava com raiva.

— Eu jurei que não cobraria nada que os prejudicasse — Verena tentou se levantar, mas falhou, fazendo um careta de dor — Isso é um pagamento justo. Uma bruxa com uma guia tem tudo. Respeito, poder…

— Inimigos. — rosnei.

— Um bônus — Verena olhou para a Guia.

Lion levantou depressa e foi até a bruxa, oferecendo uma mão gentil e a ajudando a se levantar. Verena nem se deu o trabalho de agradecer e começou a limpar as próprias roupas.

— Bem, eu perdoo você, amorzinho — Verena sorriu para mim e eu trinquei os dentes — Homens tentando me matar são excitantes.

— Posso fazer de novo se quiser. — dei um passo em frente.

Lion se colocou no caminho e Verena sorriu.
— Chega. — Dara pediu e veio para o meu lado — Já chega.

Respirei fundo, mas assenti. Aquilo não ia ajudar em nada. Já estava feito.

— Que tal irmos atrás dos Serafins? — Verena tocou o ombro de Lion — Você vai nos levar, Coração.

— Sim, senhora — Lion falou. O tom baixo e gentil.

— Só uma coisa.

A bruxa tocou o queixo da Guia, fazendo-a olhar em seus olhos. Dara segurou minha mão e, antes que eu pudesse perguntar, Verena arranhou o rosto da Guia. Lion caiu de lado com o impacto.

— Mas que porra…? — Nathan avançou, mas eu o impedi. Não havia nada que pudéssemos fazer. Lion era de Verena agora.

A bruxa piscou para nós.
— Só para ela e eu termos algo em comum.

Lion se levantou e nos encarou, exibindo o corte no olho esquerdo que deixaria uma cicatriz igual à da sua dona.

— Eu sinto muito — Dara murmurou mais uma vez.

— Não sejam dramáticos — Verena bufou — Vamos, Lion. Nos leve ao templo das Seis Asas.

Naquele momento, um trovão ricocheteou no ar como um tiro de canhão. Olhamos todos para o céu, encarando assustados a nuvem negra que se formava, pairando sobre nós e toda Roths.
— Que merda é essa? — Nathan olhou para nós.

Segurei firmemente na mão  de Dara e a puxei para mais perto. Os olhos de Verena se acenderam, Dara, Nathan e eu soltamos nossas asas e Lion, que até então só tinha nos apresentado sua face humana, começou a se metamorfosear. Os cabelos laranja viraram pelos que se espalharam por todo o seu corpo até um grande leão surgir em seu lugar, ao lado da Bruxa.

Olhamos para os cantos da floresta que agora estava envolta a penumbra. Outro raio e trovão ecoaram ali perto e, mais rápido que uma piscada, eu senti uma fisgada na costela me derrubar de joelhos no chão.

— Kian! — Dara se abaixou ao meu lado.
Meu estômago se retorceu e eu gritei. Foi quando das profundezas da floresta, por entre as árvores, ele surgiu. As asas longas brancas e a postura pomposa, exalando poder e superioridade.

— Não — a voz do arcanjo era como aço frio e cortante —Vocês não vão a lugar nenhum.

Um Doce Sacrilégio | Corações Infernais | Livro umOnde histórias criam vida. Descubra agora