Capítulo 29

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CAPÍTULO 29

Após um mês inteiramente investidos em uma rotina exaustiva de dias inteiros no hospital e noites maldormidas, finalmente era chegada a hora em que podíamos levar nossas pequenas para casa. Mas onde era a nossa casa?

Um retorno para Nova York se tornava cada vez mais improvável. Jessie estava decidida a ficar na Flórida e eu estava disposto a fazer o mesmo, desde que conseguisse um emprego que me permitisse isso, o que ainda não havia acontecido.

Com as meninas fora do hospital, eu tinha mais tempo disponível para pesquisar vagas, me candidatar e comparecer a entrevistas de emprego. Mesmo assim, encontrar um trabalho estava sendo muito mais complicado do que eu havia antecipado.

A oportunidade mais chamativa que recebi foi para comandar Boeings 777 cargueiros, o que não era de todo ruim. Contudo, a aviação cargueira tem a imensa maioria de suas operações efetuadas inteiramente no período noturno, o que foi o ponto crucial para que eu recusasse a oferta. Após conversar com Jessie sobre como seria a rotina caso eu fosse por esse caminho, ambos concordamos que não seria o ideal, especialmente com três bebês de colo para cuidar.

A segunda melhor proposta que recebi foi de Pickford. Ele me convidou para que eu voltasse a trabalhar para ele, como fizera anteriormente. Mas essa opção não me agradava. É claro que eu era grato pela oportunidade que ele havia me dado anos antes, quando me formei na faculdade, mas desta vez queria conseguir algo por mim mesmo, sem depender da ajuda dos outros. No entanto, devo confessar que, honestamente, não imaginei que seria tão difícil.

Não se ouve falar de muitos comandantes que se demitem de suas empresas. Simplesmente não acontece. O caminho para atingir essa função é tão árduo, longo e cheio de obstáculos que ninguém em sã consciência abandonaria seu posto, por qualquer motivo que fosse. Com o sistema de senioridade vigorando nas linhas aéreas, era absolutamente inconcebível que um comandante internacional com mais de 8 mil horas de voo fosse deliberadamente decidir desistir de seu emprego dos sonhos. Mas eu o fiz. E não havia mais volta. Agora, se eu quisesse voltar a pilotar por uma linha aérea, provavelmente seria como copiloto junior em uma companhia regional, com aviões menores, uma carga de trabalho ainda mais estressante e voos muito menos interessantes.

Com esse cenário em questão, comecei a vislumbrar outras possibilidades de trabalho. A aviação executiva era algo que eu já havia experienciado anteriormente e não estava totalmente fora de cogitação. Mas, surpreendentemente, acabei me interessando por uma outra área para a qual jamais imaginei que iria: instrução de voo.

- Você quer ser piloto de instrução? - Jessie perguntou surpresa.

- Instrutor de voo. Sim. Eu acho que posso me dar bem nessa área.

- Está falando sério? Você acha que gostaria de dar aulas? Fora de uma linha aérea?

- Acho que sim. Eu fui monitor durante boa parte dos meus anos de faculdade. E fui seu tutor quando você estava no ensino médio, lembra?

- Você foi um ótimo tutor para mim quando nos conhecemos. Realmente acho que tem talento para poder ensinar - ela ainda me olhava com estranheza, como se estivesse incrédula sobre minha decisão. - Só nunca imaginei que você se interessaria por esse ramo.

- A Flórida tem muitas escolas de aviação civil. Com minha experiência, não deve ser tão difícil conseguir uma vaga como instrutor.

- Bem, se você quer mesmo ensinar, talvez devesse se candidatar para ser professor na sua faculdade.

- Dar aulas na Embry-Riddle? - parei para pensar por um instante. - Talvez seria uma boa ideia.

- Você devia mesmo enviar o seu currículo. Não tem nada a perder.

- Está certo.

- Bom, onde quer que seja que você for trabalhar, sei que eles serão sortudos em ter você.

Ela sorriu para mim, e eu não resisti. Abracei-a e beijei-a.

- Obrigado por acreditar em mim. E por me apoiar tanto.

Desempregado há mais de um mês e com três filhos pequenos para criar, me candidatei para tantas vagas quanto pude. A única vaga que eu não queria era justamente a que estava sendo oferecida a mim.

Num sábado à tarde, levamos nossos bebês para visitar minha mãe e o marido dela, em sua mansão em Manalapan. Pickford, sempre persistente, voltou a me oferecer mais uma vez o trabalho de piloto do seu jato particular. E eu, teimoso como sempre, mais uma vez tive de recusar sua proposta.

- Olha, eu sou muito grato pela oportunidade que você já me deu antes. Mas hoje quero um emprego que eu consiga por méritos próprios.

O sorriso em seu rosto quase me parecia um deboche.

- Coisa engraçada, a meritocracia... Sabe, eu sempre acreditei em méritos, e respeito isso. Mas também sei que eu jamais teria chegado onde cheguei sem a base que meus pais adotivos me deram; ou sem o auxílio dos meus primeiros investidores, que tiveram fé em mim desde o início; ou sem todas as oportunidades que me foram dadas na vida; ou sem o apoio da minha família... enfim, o que quero dizer é que não há demérito em agarrar uma oportunidade quando ela te é apresentada.

- Obrigado, Zane. Mas, por mais que eu tenha gostado de trabalhar para você naquele período, eu realmente não pretendo voltar - enfatizei.

- Bom, tecnicamente, você não trabalharia mais para mim de qualquer forma.

- O quê? Como assim?

- A partir do mês que vem, estarei oficialmente me afastando do cargo. Rebecca irá assumir os negócios da família. Já está tudo acertado.

- Sério? Uau! Achei que ela jamais aceitaria esse cargo. E também nunca pensei que você fosse escolher se aposentar assim, tão jovem. Você parece amar seu trabalho.

- E eu amo. Mas nunca quis que o trabalho fosse o propósito da minha vida. Sempre foi o contrário, eu trabalho para poder viver como gosto. Foi por isso que deixei de trabalhar para os outros e decidi abrir meu próprio negócio. Foi por isso que insisti em continuar, mesmo depois de duas falências. E é justamente por isso que agora vejo que é a hora de descansar e aproveitar meu tempo com minha família, enquanto posso - ele deu um longo suspiro e olhou para a sala de estar, onde minha mãe e Jessie brincavam com as crianças no sofá. - A sua mãe, a minha filha Rebecca, você e sua irmãzinha, nossa eternamente querida Megan, deram um novo sentido à minha vida. E agora você me trouxe netos... por mais que não sejam meu sangue, você sabe que os considero assim - ele pigarrou, tentando disfarçar a emoção em sua voz embargada. - Desculpe, não quero ser intrusivo.

Ver Pickford segurar as lágrimas, e sentir-se tão desconcertado por considerar meus filhos como netos, me fez sentir um nó na garganta. Esse homem amava minha mãe e a fazia feliz. Pensei no quanto eu amava sua filha e realmente a considerava como minha irmã, mesmo não tendo nenhum laço de parentesco consanguíneo com ela. Me senti mal por já ter sentido ciúmes quando Meggie deu a ele um presente de dia dos pais. Me senti ridículo por anteriormente ter feito tanto esforço para fazer com que ele não se sentisse parte da família. Vi o quanto havia sido egoísta. E me arrependi amargamente.

- Está tudo bem - confortei-o. - Você é o avô deles. E eles te amam.

Ele sorriu ternamente, de um jeito que eu jamais o vira fazer.

- Eu os amo, também.

Sob O Pôr Do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora