06: Na dúvida, duvide!

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Enzo

Meu outro compromisso era às 2:15. Mas a Disney não conseguia dormir direito e por isso fiquei um pouco mais. Ela dormiu a tarde toda. Sai de lá quase 3hs. Me atrasei. O homem sentado na poltrona tem um sorriso torto, ele usa um suéter e óculos quadrado. Seu cabelo é crespo e sua barba pequena.

Perguntei ao terapeuta:
— Você está pronto para a sessão?

— E-estou… — sua voz tremeu um pouco. É claro que ele está, ele é pago para me ouvir.

Sentei no sofá à sua frente.

— Como foi seu dia?

— Bom.

— Bom pra você, ou para as outras pessoas? — Ele não consegue evitar a pergunta.

— Pra mim!

— Me conte mais… — o homem engoliu em seco com medo.

Ele é o terceiro terapeuta que já tive. O primeiro foi quando eu era criança, lembro que foi uma mulher, ela até vômito uma vez. O segundo tiro férias de repente e deixo o homem à minha frente no seu lugar.

Eu gosto de fazer terapia. Ele faz perguntas comuns e eu respondo.

— Arrumei uma garota.

— Está namorado? — Indaga animado com a novidade.

— Não — corto seu barato. — Ela é o meu brinquedo… Estou tentando protegê-la. Eles não gostaram dela. Eles querem aterrorizar a vida dela.

— Eles de novo, está falando dos seus amigos? E por que eles não gostam dela?

— Sim, os meus amigos. — Dou uma pausa. — Porque eu gosto dela!

— Eles são um pouco tóxicos…

— São. O senhor quer saber por que?

Fizeram eles assim. Você não pode ser uma coisa que não é. Eles são como eu. Mas você só pode julgar depois de terminar de ouvir a história.

— Seu antigo terapeuta me aviso para não ser invasivo. Me fale apenas do seu dia.

— Só bati em uma pessoa hoje! — Conto com orgulho. O homem me dá um sorriso torto.

— Já é alguma coisa.

[ … ]

Acordo de manhã com o despertador tocando. Então lembro que quebrei ele faz uns dias e que esse barulho é o meu celular. Sento na cama esfregando os olhos. Estico o braço puxando o aparelho. O nome na tela me faz querer voltar a dormir.

Ainda são 6hs. Abandono o telefone tocando na cama indo para o banheiro. Me espreguiço no caminho. Por um momento me perguntei se a Disney dormiu bem. Ela parece ter insônia, mas também parece que dormiria fácil em qualquer lugar. Eu já tive insônia.

Meu apartamento só tem dois quartos, uma cozinha e uma sala. Ano passado o Marcos dormia aqui comigo. Naquela época ele usava de tudo e andava com o Vincenty e o Ruan, eu conheci eles de verdade esse ano. Era difícil até chegar perto deles.

O telefone volta a tocar:
— Que porra. A pessoa não pode nem mijar?

Bato a porta de madeira. Quando saiu do banheiro já estou de banho tomado e os dentes escovados. Pronto para ir para faculdade. O curso de economia foi ideia minha para deixar o dinheiro do meu falecido pai para minha mãe, e começar do zero quando me formar.

Pego meu celular na cama. Antes que eu possa deslizar o dedo em recusar chamada vejo que agora é um número desconhecido. Antes era a secretária da minha mãe. Ninguém importante.

Deixo a curiosidade me levar. Enquanto saiu do quarto, ando pelo corredor estreito até a sala e cozinha dividida pelo balcão de mármore preto.

Aceito a ligação.

"Alô?"

"Alô o cacete. Escuta aqui seu filho da mãe. Não me interessa os seus surtos de bipolaridade. Você foi longe demais!"

Abri um sorriso ao ouvir a sua voz.

"Oi, amor. O que eu fiz agora?"

Silêncio. Choro. Respiração falha.

"Você matou o meu bebê!"

Fico estático. Paralisado como uma estátua viva. Suas palavras me enchem de medo. O som dela chorando como uma criança me assusta ainda mais.

"Onde você está?"

"Não vou te dizer…"

"Aurora, por favor!"

"No estacionamento. Como se você não soubesse!"

Ela desliga. Corro para fora trancando a porta e colocando a chave embaixo do tapete. Vou de escada como sempre. Mas corro durante todo o caminho. Subo na moto e vou o mais rápido que consigo.

Só consigo pensar que ela deveria ter ido ao hospital. Não estou raciocinando direito. Estaciono na primeira vaga que aparece. Olho em volta do estacionamento da faculdade. Procuro, desesperado demais para perceber que estou nervoso. Ouço um choro baixo. Sigo até ficar mais alto.

Paro. Ela está sentada no chão próxima a um carro velho. Limpando as lágrimas com o torço da mão, enquanto a água transborda de novo e de novo. Me ajoelho na sua frente.

— Disney, você está bem? Está machucada?

Ela levanta o rosto. Os olhos marejados.

— Eu odeio você!

— Tudo bem… — Estico os braços trazendo seu corpo pequeno com cuidado. Abraço ela. A garota não retribui, apenas esconde o rosto no meu peito. — Sinto muito.

— Por que destruiu o meu carro?

Franzi a testa.

— Carro? Você tem carro? — Seguro o seu rosto entre as mãos para poder observá-la. — E o seu bebê?

— Claro que eu tenho idiota. Você destruiu ele. E até o motor do meu bebê morreu! — Respiro aliviado.

— Não fui eu. Pensei que tinham machucado você e sei lá, também achei que estivesse grávida e tinham perdido o bebê.

— A minha vida viro uma novela mexicana agora? — Ela está brava. Sorri de canto.

— Como conseguiu meu número? — Levanto do chão trazendo ela junto.

— Seu amigo chapado passou por aqui e eu pedi a ele — conta sem dar muita importância. Ela está mais calma. Pela descrição deve ser o Marcos.

— E como sabe que o motor morreu?

A Disney aponta para o carro velho ao lado. Noto que os vidros estão quebrados e está todo amassado. Também sai fumaça do capô. É um fusca azul enferrujado.

— Meu curso é de manutenção automotiva — revela. Aos poucos eu consigo algumas informações sobre ela. — Sabe quanto vai custar para arrumar de novo? Se eu soubesse quem foi, denunciava ao corpo estudantil e fazia a pessoa pagar cada centavo!

— Punições. Esse é o meu departamento!

Garotos cruéis! - Livro 01Onde histórias criam vida. Descubra agora