Duas caras

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Essa não era a primeira vez que Izuku caía na inconsciência por causa de pancadas alheias. Ele viveu a vida toda em uma fazenda, oras. Seria estranho se nunca tivesse passado por isso. Quando os outros garotos, filhos de fazendeiros endinheirados, sofriam lesões semelhantes, era comum vir ao campo médicos da cidade, que checavam se a cabeça deles estava em bom estado tanto por dentro quanto por fora.

Para os menos afortunados como Izuku, as coisas eram um pouquinho mais complicadas. Havia um senhorzinho dono de um sítio que curiosamente morava a quilômetros de distância de qualquer residência. Ele tratava feridas mais leves com mel, chás e ervas medicinais, e fraturas com gesso de lã e madeira. Foi com ele que Izuku se tratou quando sofreu uma adversidade com um cavalo.

Oh, não. Sem coice na cabeça, porque ele provavelmente nem estaria vivo se fosse o caso. Sua cabeça de fato se tratou do artigo premiado, não de cascos revestidos por ferraduras, mas da fuça do bicho mesmo. Izuku jamais poderia se considerar leigo sobre o assunto e sabia muito bem lidar com quadrúpedes. No entanto, o cavalo tomou um susto quando viu uma cascavel rastejando por perto, e, como ele não pertencia à família de Izuku, entre eles não existia um laço de confiança. Assim, Izuku, puxando a corda do buçal do animal, não conseguiu acalmá-lo e, de brinde, recebeu a cabeça do bicho na sua.

Seu amigo — esse sim dono do cavalo — foi quem o encontrou e o levou ao tal senhorzinho do sítio. Agora, anos depois, comparando os dois episódios, percebia-se que o tempo de inconsciência de Izuku foi bastante similar: duas horinhas, segundo lhe informaram mais tarde. Quanto ao "jogo" do qual sua pobre cabeça participou? Bem, ele não envolvia tiros, argolas ou cabeçadas de cavalo, embora o galo monstruoso em sua testa insistisse que tais opções seriam melhores do que... o que foi mesmo? Bola de basquete.

Izuku não era um indivíduo vindo da lua. Conhecia alguns esportes da cidade, senão as regras, ao menos seus nomes. Então é claro que sabia o que era uma bola de basquete, só não perdurava em sua memória o fato de elas... pesarem o quê? Mil quilos? Aquilo foi praticamente um tiro de canhão! Segundo o que Jirou lhe disse tão logo ele acordou, Izuku era "um sortudo daqueles".

— Tem ideia do índice de pescoços quebrados que os clubes de basquete lançam todo ano? — disse ela com uma neutralidade que descaracterizava o quão sério era o assunto. Ela mexia em um instrumento da enfermaria parecido com um que Izuku usava para pesar a ração de Jana e de suas outras galinhas. — Cara, achei que nossa escola seria a primeira da região a entrar nessa lista depois que você se esbagaçou inteiro lá.

Izuku bem queria dizer alguma coisa, mas passava pelo louco processo de mirar o teto e esperar que ele parasse de girar. A enfermeirinha idosa — cuja mão bruta mantinha as pálpebras de seus pacientes dolorosamente abertas enquanto ela examinava o fundo de seus olhos com uma luzinha que, por Deus, só o deixou mais cego — foi categórica ao dizer que ele precisava descansar, mas recomendou que ele não dormisse de novo. Mas quanto tempo ele precisaria ficar ali? Não podiam só colocar um paninho úmido em sua testa por cinco minutos e, por favor!, deixá-lo de olhos fechados? Não bastava a dor infernal que sentia no cocuruto, agora tinha a supervisão de Jirou sobre sua pessoa.

— Ei, o que a Dra. Recovery te disse sobre dormir, Izuko? Espero que não esteja querendo acordar retardado.

— Hã? — Essa foi a primeira coisa que ele conseguiu dizer sem soar como um bezerro ferido. — Re... tardado?

— É. Nunca ouviu? Dormir após concussões ou pancadas pode, sei lá, fazer você ficar demente ou algo assim. Então fica acordado aí.

Izuku ficou pálido. Puxa, nunca ouviu falar disso, que medo! Graças a Deus tinha Jirou ali para salvá-lo, então. Após a recomendação, ele tratou de espantar a sonolência forçando suas pálpebras para cima, e assim conseguiu se manter desperto até o retorno da Dra. Recovery, que, parando para pensar, lembrava um pouco a vizinha bondosa lá do campo que sempre rezava pela horta de todo mundo — a aparência, pelo menos.

Meninos Malvados | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora