Izuku mal prestou atenção na peça. Passou o tempo todo com os olhos fixos no palco sem esboçar uma única reação às cenas que se sucediam, como se apenas visse e ouvisse um embolado de cores e sons sobrepostos sem significado algum. Ele pouco entendia do que as pessoas riam e o porquê de tantos "ohhhh" e "ahhhh". No máximo, ele as acompanhava nas palmas (quando as notava), porém sem grande emoção.
Sentiu o olhar de Shoto sobre seu rosto várias vezes. Estava claro que ele sabia que algo estava errado, Izuku pouco disfarçava seu abatimento, mas ele não o questionou em momento algum durante a apresentação, o que foi um alívio.
Droga. Prometera não pensar em nada além do amigo nessa noite, mas infelizmente o destino mudou seus planos. Depois que viu Kacchan ali, no teatro, acompanhado de Ochaco dentre todas as pessoas, Izuku não tinha outra coisa na cabeça.
O que estava acontecendo? Algo estava errado, terrivelmente errado. Era como se faltasse um número na enorme equação que fritava seus neurônios. O que Kacchan estava fazendo no teatro em uma noite de domingo depois de passar dias sem dar as caras? E justamente com Ochaco?
Por que os dois vieram juntos? Por um acaso eles faziam parte de um grupo de convidados especiais que compareciam obrigatoriamente às apresentações? Ou eles estavam ali simplesmente por estarem, porque queriam estar, como se o passeio fosse nada menos que um...
Não, não podia ser.
Izuku começou a hiperventilar. Seu cérebro, a mil, pensava em todo tipo de besteira, criando suposições sem pé nem cabeça e imaginando cenários catastróficos.
Não fazia sentido. Os dois ali? Juntos depois de tudo o que aconteceu entre eles? Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias? Algo não estava certo. Eles não saíam juntos, não mais, sequer aturavam um ao outro, principalmente nos últimos tempos. Kacchan não gostava de Ochaco e Ochaco não gostava de Kacchan, Izuku ouviu isso da boca dos dois, em alto e bom som. Mesmo se eles estivessem ali só como amigos...
Não fazia sentido.
Shoto precisou avisá-lo duas vezes de que a peça havia acabado para Izuku perceber que era hora de ir embora. Ainda aéreo ele se deixou conduzir pelo amigo para fora do auditório atrás de dezenas de espectadores sorridentes que não poupavam elogios à peça.
Enquanto atravessavam o saguão em direção à saída, Izuku os viu de novo. Eles estavam na área que vendia bebidas quentes e doces importados, e Ochaco pegava das mãos do atendente uma caixa de trufas que Kacchan acabara de lhe pagar. Ambos vestiam roupas elegantes; ela um vestido cinza e brilhante que deixava seu colo à mostra e ele um sobretudo negro que alcançava seus tornozelos. Pareciam lindos e poderosos. Pela primeira vez, Izuku os enxergou como um casal, e, amargamente, viu-se concordando com dona Mitsuki e todo o resto.
Eles faziam um belo par.
Ochaco voltou a segurar no braço de Kacchan enquanto ele guardava a carteira no bolso, e foi nesse momento que os olhos dele cruzaram com os de Izuku. O contato não durou mais que dois segundos, mas muitas coisas aconteceram nessa nesga de tempo. Kacchan pareceu paralisar por um momento, e seu braço em posse da mulher se retraiu como se ele fosse puxá-lo. Ochaco, confusa, falou alguma coisa para ele, e Izuku acompanhou os olhos de Kacchan se movendo para Shoto ao seu lado antes de ele os desviar e, ríspido, puxar a garota em direção à outra saída.
Izuku sentiu vontade de vomitar.
Shoto e ele entraram no carro e não falaram absolutamente nada durante o trajeto. O mais velho manteve os olhos na estrada ao passo que Izuku manteve os seus na janela, maxilar rígido e punhos cerrados no colo. Em quinze minutos Shoto estacionou em frente à casa de Izuku. As luzes estavam apagadas, sinalizando que Inko já fora se deitar. Com os faróis do carro desligados, eles só tinham a lua como fonte de luz, e então olhos verdes encontraram olhos cinza e verde-água.
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Meninos Malvados | Bakudeku
FanfictionMidoriya Izuku se sente um peixe fora d'água em sua nova escola, principalmente porque "escola" é novidade em seu vocabulário. Ex-moradores do campo, Izuku e sua mãe enfrentam os desafios da vida urbana, que se revelam mais difíceis do que imaginava...