Dona Mitsuki

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— Alô?

— Midoriya! Belê? Então, quer colar mais tarde pra ir no fliperama? Seria só nós dois mesmo, porque, cê sabe, o Denki e o celular dele parecem ter se fundido e hoje o Katsuki vai passar a tarde inteira lá na empresa da família dele, sabe como é, fotos pra promover novos produtos e coisas assim.

— É mesmo? Bem, é que eu tô lotado de lição de casa para fazer... e eu tava querendo me livrar disso até amanhã, sabe? Mas você pode arranjar outra pessoa pra ir com você, não pode?

Kirishima pareceu um pouco triste, mas aceitou numa boa. Despediram-se, e Izuku afastou, com todo cuidado do mundo, o celular do ouvido e clicou no botão que encerrava a ligação.

Suspirou. Seu nervosismo não era só pela mentira sobre o dever de casa — embora tivesse um bom tanto para realizar —, mas pela menção de Kacchan na conversa.

No quarto, sentado no colchão, Izuku tamborilava os pés no chão enquanto sentia os pensamentos girarem. Parte deles tentava o convencer de que a pendência de Kacchan para com a empresa da família realmente existia enquanto outra dizia que tudo não passou de uma desculpa para ele não ter de encarar Izuku.

E sabia que a segunda opção era a verdade.

Sentiu um frio na barriga. Izuku não tinha notícias de Kacchan desde a noite anterior, quando deixou a casa dele. Bem, obteve uma agora, de Kirishima, mas, como há pouco refletiu, Kacchan provavelmente queria evitá-lo.

Jogou a cabeça para trás e respirou fundo. Izuku havia se enganado? O que rolou à beira da piscina era o que ele estava pensando ou só interpretou os fatos da maneira errada? Afinal, aquilo não era o que parecia ser, não tinha como ser, Kacchan tinha outras intenções, ele não podia... não tinha como... e tão do nada...

Izuku negou a madrugada inteira, mas de sua cabeça não saía o momento em que Kacchan recuou abruptamente nem o choque em seu rosto. Não foi apenas Izuku a ver os fatos dessa maneira: para ter fugido feito um gato arisco, Kacchan compreendeu também.

Compreendeu... e surtou.

Meu Deus. Kacchan realmente tentou... tentou bei...?

Assustou-se com o bip do celular. Checou-o e viu que era uma mensagem de Mina referente a algo do sindicato, nada mais. Todos do colégio deviam tê-la recebido.

Largou o aparelho e se levantou. A escrivaninha chamou sua atenção, e, antes que percebesse, seus pés o levaram até ela. Remexeu uma gaveta, tirou dela um envelope, voltou à cama e ficou o encarando por um minuto inteiro.

Não dava para continuar fugindo. Antes poderia não ter sido necessário, mas agora era diferente; Izuku precisava refletir. A carta em suas mãos e o passado de Jirou desencadearam nele uma reflexão que ele rapidamente buscou enterrar, mas sabia que era chegada a hora de pegar uma pá e começar a cavar.

Antes de Ochaco, Izuku foi beijado apenas por uma pessoa na vida, especificamente a dona da carta que ele dobrava e desdobrava no momento. Na infância, enquanto os outros garotos olhavam para as meninas, Izuku percebeu que além de olhá-las, olhava também os meninos.

Lembrava-se de um incidente crucial. Em uma tarde qualquer, quando ele e seu melhor amigo tinham dez anos, os dois viram a irmã mais velha dele beijando o noivo dela. Inocentes, experimentaram um com o outro, um leve encostar de lábios que de repente foi interrompido por um pigarreio acima deles. Ergueram as cabeças e viram, escorado na cerca, outro irmão de seu amigo, o mais velho. O adolescente carregava uma expressão séria em seu rosto bonito. Disse para eles não fazerem aquilo de novo, caso contrário o pai deles ficaria uma arara com o filho caçula. Izuku, que na época enxergou nas palavras do rapaz uma reprimenda cujos pormenores lhe eram desconhecidos, só fez chorar.

Meninos Malvados | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora