De 0 a 100 (e de 100 a 0)

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No dia seguinte, Izuku assistia a mais uma aula de Cálculo Avançado. Sem olhar para a mão com a qual escrevia, ele passava ao caderno a equação que o prof. Aizawa colocava na lousa, sem ligar se estava escrevendo tudo torto.

Sabia que estava divagante e desanimado. Nos últimos dias chegou a pensar, com otimismo, que havia se adaptado a sua nova vida, mas a ansiedade que sentiu no início da mudança deu um jeito de voltar. Parte dele, a que sentia falta do campo, gostava disso, pois mostrava que ele não estava tão perto assim de esquecer suas origens, mas havia outra que também se aliviava pelo fato de ele ter arrumado bons amigos na cidade — Jirou e Shinsou, por exemplo.

Agora restava saber o que ele exatamente sentia sobre a "amizade" de Kirishima e, ainda mais difícil, sobre os outros poderosos. Os murmúrios nos corredores diziam que ele deveria considerar uma honra a oportunidade de sair com esses garotos, de falar com eles, de respirar o mesmo ar que eles. Izuku, lógico, não enxergava a situação dessa maneira, mas admitia que, sim, poderia ser bem pior. Acreditava na lei de que tudo o que acontecia a uma pessoa tinha um ponto positivo, como quando você está frustrado com a chuva que alagou toda a colheita até perceber que, ei, pelo menos o nível da água do rio aumentou!

E, na tarde anterior, quando deixou o fliperama, Izuku encontrou a positividade de sua situação para além da praça de alimentação, na tal boutique onde Jirou trabalhava.

— Cedo assim, Izuko? O que houve?

Diante de sua amiga, Izuku levou alguns segundos para respondê-la, não por estar triste demais pela situação chata pela qual passou com Bakugou, mas porque, pela primeira vez, a via usando outra cor além de preto. Demorou-se analisando o avental lilás bebê que cobria a frente do corpo dela e percebeu que a cor compunha o restante da loja, desde as prateleiras aos produtos que, ele descobriu, abrigavam fórmulas antienvelhecimento.

Ergueu os olhos de volta ao rosto sério de Jirou.

— C-Cedo, você disse? Não, não... É que eles não ficaram no fliperama por muito tempo, então eu me despedi e, hã, vim aqui, como você pediu.

Se ele esperava convencê-la de alguma coisa, não obteve sucesso. Acima do balcão que os separava, Izuku percebeu um pequeno dispositivo preto de cujos lados saíam dois fiozinhos. Parecia um daqueles telefones celulares que ele via aos montes por aí, mas, ponderou, esse era o mais carente de botões.

Um dos fios terminava no interior do ouvido de Jirou, mas ela o arrancou dali e, arqueando uma sobrancelha e inflando o chiclete fora da boca até ele explodir e voltar ao trituramento dentário, disse:

— Fala sério, Izuko. Você tá vermelho feito um pimentão e mentindo. O que aconteceu lá?

— Nada! Eu só... foram aquelas máquinas, tudo lá era estranho demais pra mim. Fiquei meio sufocado e... saí.

O que ele disse não deixava de ser verdade, mas Izuku ficou surpreso por ser o suficiente para Jirou relaxar.

— Puxa, tem razão. — Ela recolocou o fio na orelha e começou a anotar números em um papel. — Lá é uma cacofonia mesmo... estressante demais para pessoas vindas de fazendas pacíficas como você. Fica frio, não tem que se envergonhar por isso.

Izuku assentiu, e, esquecendo um instante o desânimo, até faria uma reclamação sobre as máquinas de videogame serem estranhas demais para se mexer, mas brecou as palavras na jugular quando os viu.

Dois olhos vermelhos.

Encarando-o logo ao lado.

Foram necessários dois segundos para ele sacar que, não, os olhos não eram palpáveis e muito menos reais.

Meninos Malvados | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora